Ne Zha (2019)

Título original: Ne Zha zhi mo tong jiang shi

Título em inglês: Nezha – Birth of the demon child

País: China

Duração: 1 h e 50 min

Gêneros: Animação, fantasia, thriller

Diretor: Yu Yang

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt10627720/


Citação: “Se o destino não for justo, lute até o fim.”


Opinião: “A auto-reflexão contra as imposições do destino”


Sinopse: A história de uma criança amaldiçoada e com poderes fantásticos, que cresce evitada e temida pelos moradores da vila em que vive, por ser considerada como a reencarnação de um demônio. Ne Zha luta contra seu destino divino, mas precisa aprender a abraçá-lo para o bem de todos. No entanto, as forças infernais estão de olho no menino e querem manipulá-lo para alcançar seus próprios fins. Dentro desse contexto, Ne Zha deve descobrir o seu interior.


Definitivamente, um filme que até o momento já faturou mais de 700 milhões de dólares com suas exibições ao redor do mundo e se tornou o segundo filme de maior bilheteria em sua origem, a China – um país superpopuloso -, deve ser levado em consideração. O filme é vagamente baseado no romance chinês “The Investiture of the Gods”, de Xu Zhonglin e Lu Xixing,  que é um dos maiores romances da Dinastia Ming e foi escrito em chinês vernacular. No romance, Ne Zha, o protagonista do filme, nasceu por volta de 1600 aC a 1050 aC e é famoso por lutar contra o Rei Dragão – uma divindade na China. No filme, as narrativas literárias e mitológicas são amplamente modificadas e é concedido a Ne Zha um novo destino. Nesse sentido, o filme não apenas conta uma história emocional e dramática, mas também dá vida a seus personagens com visuais fantásticos e sugestivos, que expressam perfeitamente o mundo da mitologia chinesa, que é o cenário do filme. Há a humanização de seu personagem-título, que faz o espectador se empolgar com Ne Zha, considerando-o como um simples personagem, e não como um ser mitológico. A nível de informação, o personagem Ne Zha tem sido destaque em inúmeras histórias, filmes e obras literárias, e é amplamente considerado como uma das figuras mais duradouras da cultura pop chinesa. Seguem abaixo as minhas impressões sobre o filme em tela.

Principalmente para o público ocidental, pode ser difícil se situar na narrativa, pelo desconhecimento da mitologia chinesa, entretanto, o filme se esforça bastante para detalhar a conjuntura inicial que é tomada como base para o desenvolvimento do roteiro. O personagem Taiyi Zhenren, um gordinho simpático, engraçado e professor taoísta de Ne Zha, é muito importante nessa tarefa, pois passa boa parte do tempo explicando as regras do universo para o público. Com isso, tais regras são estabelecidas rapidamente, deixando espaço para o filme brilhar livremente.

O contexto inicial está descrito a seguir: “A história começa com uma “pérola do caos”, que, de alguma forma, torna-se sensciente e absorve a energia do sol e da lua. Para impedir que o caos domine o universo, o Rei do Céu divide a pérola em uma “pérola demoníaca” e uma “pérola do céu”, amaldiçoando a pérola demoníaca, o que fará com que ela seja destruída por um raio em 3 anos. O Rei do Céu instrui o anjo Taiyi Zhenren a guardar as duas pérolas e a plantar a pérola do céu no ventre da esposa do comandante militar Li Jing, chamada de Lady Yin. Isso irrita o colega de Taiyi, Shen Gongbao, que, no momento, disputa com ele a obtenção do poder da imortalidade. Gongbao rouba a pérola demoníaca de Zhenren, implanta-a no ventre de Lady Yin e foge com a pérola do céu. Assim, nasce Ne Zha como uma criança demoníaca – e com uma maldição como herança: morrer no seu terceiro aniversário.”

Nota-se a presença de um desafio em curso, principalmente para uma criança de menos de 2 anos- mas se deve abstrair esse fato, senão nada faria sentido. Ne Zha não consegue fugir de sua natureza demoníaca: ele é mal, é egocêntrico, é destruidor – e tudo isso é maior forte do que ele. Com equilíbrio, a história vai revelando novos personagens e, de alguma forma, relacionando-os com o jovem demônio. Através dessas relações humanas ou sobrehumanas que o fio condutor se desenvolve, pois as situações propostas conseguem despertar em Ne Zha seu senso crítico no sentido de perceber que seu destino não é predeterminado, e que ele pode optar por ser um demônio ou um deus. Nesse contexto, há algumas lições muito positivas sobre como se adaptar, exercitar o autocontrole e acreditar em si e na família, apesar de julgamentos pré-concebidos estarem presentes o tempo todo. Em obras mitológicas, Nezha era conhecido por sua luta contra o patriarcado e a autocracia. No filme de Yang, ele luta contra o preconceito. Isso por si só já torna a narrativa especial e a aproxima da realidade. Trata-se de uma animação para adultos – apesar de alguns considerarem que ela pode ser vista pela família -, que, inadvertidamente, derrapa em alguns momentos por ter passagens extremamente bobas, infantis e até escatológicas, o que incomoda bastante.

Os arcos dramáticos da maioria dos personagens são mal desenvolvido, pois muitos deles praticamente somem durante a exibição. Há personagens que deveriam ser melhor aproveitados, como, por exemplo, Shen Gongbao, por ser relacionado a um quê de injustiça, e Ao Bing, um personagem importantíssimo, que é o filho humano do Rei Dragão, foi concebido a partir da pérola do céu, é o espelho da personalidade de Nezha e, num objetivo egoísta, está disposto a libertar seu clã da prisão do fundo do mar. O próprio desenvolvimento de Ne Zha é estranho, por suas transformações temporais precoces – e sem explicação – em algumas passagens.

Como animação, o filme é deslumbrante, particularmente nas cenas envolvendo paisagens pintadas por Taiyi Zhenren e nas cenas de ação, que apresenta suas seqüências como se fossem retiradas diretamente de um mangá. A câmera dá um chute, esquiva como um dos personagens, e o diretor sabe exatamente quando abandonar o efeito de câmera lenta e quando fornecer uma cena ampla para enfatizar o tamanho e o alcance dos poderes de seus personagens místicos. É realmente um show de CGI para a Disney e a Pixar aplaudirem.

No final, percebe-se que o foco de “Ne Zha”, mesmo com tantas temáticas de interesse, é entreter o público. Trata-se de um blockbuster. O filme permanece extravagante e divertido e o tratamento de uma divindade popular chinesa é surpreendentemente acessível para públicos não familiarizados com a mitologia chinesa. A experiência proporcionada é a melhor possível, e a ideia de que você é o único que pode se encarregar de seu destino é bastante oportuna. Recomendo fortemente.

O trailer com legendas em inglês segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

 

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.