Yomeddine – Dia do julgamento final (2018)

Título original: Yomeddine

Países: Egito, Áustria, Estados Unidos

Duração: 1 h e 37 min

Gêneros: Aventura, comédia, drama

Elenco Principal: Rady Gamal, Ahmed Abdelhafiz, Osama Addallah

Diretor: Abu Bakr Shawky

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt6846432/


Citação: “Eu sou um ser humano! Eu sou um ser humano!”


Opinião: “Uma jornada empática em busca de humanidade.”


A palavra pária pode ter vários significados dependendo do contexto no qual é empregada. Pode significar uma pessoa cuja conduta se afasta, por vontade própria, de algum tipo de normatização, legal ou não, que é considerada como correta ou desejável. Alguns agentes políticos autoritários e inescrupulosos podem servir como exemplo desse significado. Significa, também, os indianos que não possuem casta. Entretanto, o significado mais disseminado e conhecido é aquele em que pária denomina as pessoas que vivem ao largo – ou à margem – da sociedade ou que se encontram excluídos do convívio social pelos mais diversos motivos, isto é, as pessoas marginalizadas. Dito isto, “Yomeddine” é um road movie sobre párias incluídos na última definição citada, que são consideradas por muitos como um problema social. É um filme que dá voz a tais pessoas, que suscita profundas reflexões, que joga os holofotes sobre a exteriorização da acepção mais nociva da palavra preconceito, e, por fim, que enfatiza fortemente a necessidade do cultivo de um dos sentimentos mais importantes do ser humano: o respeito, entre outros. A despeito de apresentar situações deveras angustiantes, “Yomeddine” deixa uma ótima e oportuna mensagem para o seu público e manipula a linguagem cinematográfica no intuito de transformar a dor e a agonia, mostradas na maioria de seu tempo, em leveza e libertação. Trata-se do primeiro longa-metragem do diretor austríaco A. B. Shawky, sobre o qual teço minhas impressões mais abaixo.

Eis a sinopse: “Beshay é um ex-leproso, que foi abandonado pelo pai quando era criança em uma colônia para leprosos, e cujas cicatrizes físicas e emocionais advindas de seu destino o acompanham por onde quer que ande. Após a morte de sua esposa, Beshay parte em uma jornada pelo deserto para retornar à sua cidade natal para tentar encontrar a sua família original. Nessa aventura, ele é acompanhado por, talvez, seu único amigo verdadeiro, o jovem órfão Obama.”

O filme transita bem entre seus gêneros cinematográficos. No tocante ao gênero aventura, nota-se que sua implementação é intrínseca, pois mais da metade da história mostra uma viagem cheia de percalços. A presença do drama até carece de justificativa, no entanto, cabe destacar o desenvolvimento da comédia em forma de pequenas esquetes em algumas passagens bastante interessantes, pois, após pouco tempo de experiência, o espectador realmente não encontra espaço para comicidade numa narrativa como essa, mas são essas inserções jocosas que contribuem bastante para a leveza supracitada. A hora em que Beshay desafia Obama a conhecer o verdadeiro destino de seus pais, por estar sendo chamado de medroso pelo menino é absolutamente hilária – e também muito espontânea -, entre outras situações engraçadas.

No cinema, dificilmente a abordagem do preconceito ou prejulgamento contra pessoas deficientes – ou diferentes – escapa de adentrar na seara da exibição de famosos clichês e da apresentação às vezes exagerada de um tom melodramático. Em relação aos clichês, acredito que acabam sendo automáticos num filme como este, e em relação ao melodrama, há a possibilidade de suavizar as cenas em nome de não impor emoções forçadas ao público, mas há quem goste de uma abordagem mais comovente. Nesse ponto, acredito que o diretor, até mesmo por sua inexperiência, exagerou um pouco nas doses de emoção aplicadas, pois Beshay, por sua condição, já possui motivos mais do que suficientes para que o sofrimento faça parte de seu cotidiano. A viagem até sua terra-natal é praticamente uma viagem ao inferno que, ao passo que exibe situações bastante pertinentes dentro do contexto, como a interação com outros homens “abominados” pela sociedade, juntamente com as importantes mensagens que eles deixam; e as fortes agressões psicológicas sofridas por Beshay dentro do trem, impõe aos aventureiros uma série de pequenas tragédias que potencializam sobremaneira o clima melodramático da narrativa. Essa abordagem afasta a obra de uma construção mais artística, mas, inegavelmente, não é absurda ou surreal, e representa uma possível realidade, apesar das toneladas de azar que estão embutidas nos destinos de ambos os protagonistas.

É necessária uma louvável menção à perspectiva apresentada pelo pai de Beshay para o abandono de seu filho quando criança. É muito fácil prejulgar como criminosa uma atitude como esta, todavia, de alguma forma, tal justificativa proporcionou um desfecho absolutamente digno à obra. A facilidade do julgamento sem conhecimento prévio da vida pregressa das pessoas ou por motivos escusos e/ou insignificantes, por sinal, é um ponto de interesse bastante valioso dentro do filme, e o enredo, sempre que possível, direciona seu rumo no sentido de exemplificar ações com essa característica. Esse assunto é maior gerador de reflexões dentro da obra.

Mesmo com algumas falhas, é impossível não aplaudir de pé o trabalho do jovem diretor, pois teve a coragem e a ousadia de colocar em evidências temáticas espinhosas para muitos, em nome de uma narrativa com uma considerável função social; utilizar “não artistas” em sua maioria no elenco – o próprio Rady Gamal, intérprete de Beshay é um leproso curado e vive numa colônia de leprosos no Egito -; lançar mão de recursos estilísticos, e, sobretudo a luz natural do deserto, para destacar – e até fazer brilhar – as deficiências de seu protagonista em nome de dar uma maior ênfase a um de seus propósitos: mostrar que por trás de uma imagem humana dificilmente digerível para os padrões aceitos pela sociedade, há uma história de vida e pode haver diversos tipos de beleza interior que só aparecem para quem quer enxergá-los; etc. Em relação aos aspectos técnicos, senti falta apenas de uma fotografia mais acurada, pois a natureza desértica e os monumentos antigos existentes no país podem prover imagens exuberantes. Além de tudo o que já foi citado, é imperioso salientar, como uma mensagem final do filme, que a amizade é um sentimento que deve sempre ser exaltado. Definitivamente, ela tem um poder sustentador impressionante, principalmente em meio às dificuldades. Quanto a isso, “Yomeddine” mostra que a amizade é um oásis!

O trailer, bem como o filme completo, com legendas em português seguem abaixo.

Obs.: Assisti a esse filme na Segunda Mostra de Cinema Egípcio, na qual o subtítulo adotado é “Dia do julgamento final“, para fazer alusão à literalidade do título original da obra, à crença religiosa vigente no país que prega que todos devem ser submetidos a um suposto julgamento “eclesiástico” após a morte,  e ao julgamento da sociedade e da própria família que Beshay é submetido ao longo de todo o filme, entretanto, o subtítulo mais utilizado no Brasil é “Em busca de um lar“, o qual acho inapropriado, pois essa ação não é mostrada em nenhum momento na narrativa. Beshay procura por sua família, mas não por um lar. Por esse motivo, utilizei o título secundário utilizado pela Mostra, pois é bem mais pertinente.

Adriano Zumba


TRAILER


FILME COMPLETO

Clique aqui (MediaFire)

1 comentário Adicione o seu

  1. Fernando Coelho disse:

    Enternecedor, comovente e extraordinário.

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