Retorno de Arquivo X transformou a série em uma caricatura do que já foi

Criador da série parece incapaz de abandonar a década de 1990 e levar a história adiante

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

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O artigo contém spoilers da série

Essa abertura realmente combina com a mentira que é esse retorno

Sinceramente, não lembro qual seriado deu origem a essa moda de revivals de séries canceladas na TV, mas depois de assistir a estreia da nova temporada de Arquivo X, só me resta parafrasear o Choque de Cultura e dizer: TEM QUE ACABAR O REVIVAL. Sério. Com o objetivo óbvio de simplesmente fazer mais dinheiro com algo que fez sucesso anos atrás, esse tipo de produção dificilmente traz algo de novo e relevante para os espectadores. A exceção foi Twin Peaks: The Return, que trouxe algo totalmente novo para a TV e que tinha apenas resquícios da série original. Já 24 Horas: Legacy colocou um novo personagem no lugar de Jack Bauer (Kiefer Sutherland), mas a estrutura básica da série continuava a mesma, porém com menos episódios e menos carisma. E aí voltamos a Arquivo X, o seriado que me fez gostar de seriados. Se o retorno da série em 2016, para uma décima temporada, já foi um desastre, o primeiro episódio dessa 11ª temporada só confirma que a série, infelizmente, se tornou uma caricatura dela mesma.

A criatividade de Chris Carter, criador do seriado, parece ter acabado em 2001 quando foi ao ar o último episódio de Arquivo X. Não que o episódio em questão tenha sido grande coisa. Na verdade, ele foi uma grande confusão e uma tentativa frustrada de dar algum sentido a uma mitologia que ficou confusa demais com o passar dos anos. Mas se existia confusão na mitologia da série era justamente porque Carter e os outros roteiristas estavam sempre criando coisas novas. A cada nova temporada era revelado um novo aspecto da conspiração do governo dos EUA para esconder a existência de seres alienígenas. Para a infelicidade dos fãs mais devotados, Chris Carter não soube aproveitar o retorno da sua maior criação e parece satisfeito em simplesmente repetir tudo o que deu certo na já distante década de 1990. E quando digo tudo, é TUDO mesmo, incluindo aí um retorno inexplicável de Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) ao FBI. Vejam bem, originalmente, o último episódio de Arquivo X mostrava que os dois passaram a ser considerados traidores do governo dos EUA e, por isso, tiveram que viver escondidos. Anos depois, com o filme Eu Quero Acreditar, eles receberam perdão do governo, mas acho difícil que isso seja o suficiente para serem recontratados como servidores públicos.

Como fã de Arquivo X, é lógico que sinto um calorzinho no peito ao ver dois dos meus personagens preferidos de volta ao FBI e às investigações bizarras, mas não dá pra negar que isso não faz muito sentido. Claro que esse detalhe poderia ser facilmente esquecido caso as histórias (principalmente a nova mitologia) fossem boas, mas não é o que acontece. Carter parece muito mais interessado em fazer um fanservice atrás do outro, como se pedisse para que os fãs esquecessem que se passaram quase 18 anos desde o fim original. Então ele enche a tela com o retorno de personagens que, se num primeiro momento parecem agradáveis, não fazem sentido algum quando paramos para analisar um pouco. O caso mais emblemático é do vilão Canceroso (William B. Davis). Ciente de que todo fã amava odiar o desgraçado, Chris Carter não apenas o traz de volta à vida, como nos mostra que é ele quem ainda dá todas as cartas. “Ah, mas o Canceroso já tinha voltado à vida antes na série”, diz o mais fanático e iludido fã. É verdade, mas quando isso aconteceu ele apenas tinha sido empurrado de uma escada no final da sétima temporada, deixando aberta a possibilidade de um retorno. Retorno este que aconteceu no episódio final em 2001, quando o personagem foi desintegrado depois de ser atingido por um míssil. Como é possível ele estar de volta nas novas temporadas?

Como se não fosse ruim o suficiente trazer o Canceroso de volta, Chris Carter começa a 11ª temporada trazendo Jeffrey Spender (Chris Owens), filho do vilão e meio-irmão de Mulder, em uma participação totalmente desnecessária. E como Arquivo X sempre precisa de uma conspiração, Carter resolveu que a grande surpresa da nova temporada seria que agora temos duas conspirações, uma comandada pelo Canceroso e outra pelos seus antigos aliados. Porém, pior do que tentar repetir o que deu certo no passado, é quando o criador da série tenta surpreender o espectador. É impressionante e, ao mesmo tempo triste, ver como Chris Carter perdeu toda a criatividade. Bons tempos em que coisas impactantes aconteciam com o objetivo de fazer a história andar, como a morte da irmã da Scully ou do pai do Mulder. As surpresas dos novos episódios infelizmente estão ali apenas para chocar o público a qualquer custo, mesmo que não façam o menor sentido. Na décima temporada, por exemplo, temos a revelação de que Monica Reyes (Annabeth Gish) agora trabalha para o Canceroso. Ora, a personagem ajudou e foi leal a Mulder e Scully mesmo quando mal conhecia os dois, por que então anos depois ela iria se aliar ao maior inimigo deles?

Porém, a virada de casaca da agente Reyes nem foi o pior, afinal, como dizia o meu pai, “nada está tão ruim que não possa piorar”. Então, determinado a trazer todo o clima dos anos 1990 de volta, Chris Carter resolve, na 11ª temporada, colocar novamente em questão a lealdade do diretor-assistente Walter Skinner (Mitch Pileggi). Se no começo da série o personagem sempre foi visto com desconfiança (tanto pelos protagonistas quanto pelo público), com o passar dos anos ele demonstrou ser um dos maiores aliados da dupla de agentes. Colocar o agente Mulder partindo pra cima de Skinner, com desconfiança, sem nem tentar conversar, é simplesmente idiota. É ignorar tudo o que eles passaram juntos durante as nove temporadas originais. O rosto que nós vemos na tela é de um agente Fox Mulder com 57 anos, mas suas atitudes são de quando ele tinha 32.

Para finalizar com chave de bosta, é óbvio que o episódio termina com um gancho desnecessário, com o único objetivo de chocar o público. Em um dos retcons mais safados da história dos retcons, é revelado que o desaparecido William não é filho do Mulder, mas apenas da agente Scully. Pior ainda, ele é filho do Canceroso, que a inseminou artificialmente em algum momento da sétima temporada. Uma decisão que só mostra o quanto Chris Carter está preso ao passado, preso aos tempos de glória da série, e simplesmente não consegue seguir adiante. Bons tempos em que Arquivo X estava na vanguarda das séries de TV e trazia um novo fôlego para o formato já desgastado de dupla de policiais. Porque agora ela é apenas uma sombra do que foi e é mais uma que entra para a lista de retornos totalmente desnecessários.

Saudades dessa época

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Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.