Sexta-feira, 3 Maio

Entrevista a Nicolas Winding Refn, o realizador de «Só Deus Perdoa»

  

“Existe algum receio de explorar algo novo”

Encontramos-nos em Cannes com o controverso realizador que parece ter provocado na comunidade crítica reações díspares em filmes separados por apenas dois anos. A diferença é que aqui se intrometeu o feeling da Tailândia. É um desafio segui-lo e a chegada será seguramente com uma nova descoberta. Resta saber o que o espera. Sabendo de antemão que só deus perdoa…

Como é que tem digerido estas diferentes opiniões sobre o filme, veiculadas algumas delas pelas publicações da indústria? Acha que as pessoas não perceberam o que queria dizer?

Eu acho que perceberam. Mas sentiram-se provocados. O lado bom da polarização é perceber até que ponto algo afetou uma pessoa para odiar tanto algo o que outros adoraram. Também acho que existe algum receio de explorar algo novo. O que é curioso é em algumas críticas se criticar algo que foi louvado em Drive. Parece que isso foi esquecido.

Ontem na aclamada conferencia de imprensa, foi comentado algum excesso da sua parte. Mas talvez a ideia esteja até mais naquilo que não é mostrado. No seu caso, qual é o balanço que faz?

Eu não tenho uma ideia, tento apenas falar naquilo que faço, apesar de muita gente ver muito mais do que é mostrado.

Grande parte tem a ver com atmosfera criada…

Mas isso é o real medo.

Parece ter uma relação especial com a cor vermelha, não só aqui como em outros filmes seus. Tem algum significado especial com a cor?

Só se for por seu ser daltónico. Na verdade, o vermelho domina em tudo o que faço, e neste filme queria ter aquele look Disney do final dos anos 60.

A escolha da Tailândia veio com o guião, era um local onde gostava de rodar, de onde veio a sua opção?

Quando escrevi o guião por acaso queria passar algum tempo em Bangkok.

Na verdade, Só Deus Perdoa é um filme tailandês…

Sim, é um filme tailandês. Algo que eu queria fazer, estar dentro desse género.

É verdade que assim que chegou a Bangkok a sua história começou a alterar-se?

Mudou muito. Para melhor, creio eu. Inicialmente, tinha uma história mais convencional e com uma definição logística maior. Quando cheguei à Ásia percebi que não podia fazer um western, mas podia fazer um filme thai. É que aí a aceitação do mundo espiritual não carece de explicação – é como é. Por isso atirei todas as minhas explicações de western pela janela.

E uma vez mais com o Ryan, que aqui até parece ter menos diálogo que em Drive. A ideia era criar esse ambiente minimalista?

Sim, a ideia não era minimalizar, mas tanto Valhalla Rising, como Drive e Só Deus Perdoa tinham subjacente a ideia do silêncio. Em todos eles, o espectador é convidado a participar para formar a sua opinião. Por parecer estranho esta ideia de amor ou ódio, mas é sempre pela mesma razão.

Li nas notas de produção que a sua mulher estava prestes a dar à luz. Até que ponto esse lado de maternidade está ligado com a questão maternal que está no centro da história?

Nem por isso. Era mais no sentido de que os homens estão tão excluídos desse processo. E o medo do que pode acontecer é tão forte. É um período tão intenso na nossa vida. Mas ao mesmo tempo ficamos furiosos porque há algo que não podemos controlar.

Sente que isso poderá alterar a forma como vê o seu cinema?

Não creio. Até porque tudo correu bem. Foi mais a experiência.

Pareceu-me que neste filme existe uma maior liberdade de humor que em Drive, estarei errado?

Sim, acho. Ou melhor, não está errado (risos)… Eu senti que tinha de espevitar um pouco o filme, como nos filmes do James Bond.

A Kristin Scott Thomas parece ser aquela atriz pronta a assumir os desafios mais ousados.

Oh sim. Ela é um autêntico camaleão. É capaz de levar a personagem para qualquer caminho.

Era a sua escolha inicial?

Ela não tinha qualquer inconveniente de assumir-se como verdadeira ‘bitch‘.

… sim uma ‘bitch from hell’…

Por mim, tudo bem. Apesar de ter levado algum tempo a assumir aquela postura.

O filme tem imagens muito fortes. Freudianas até, como a cena da castração. Mas dei comigo a pensar se tudo aquilo não se passaria na vagina dela? Até que ponto foram cenas planificadas?

Não foram planificadas, mas acho que é a explicação mais correta que já vi. É o mistério do universo.

Tem sido muito discutido o significado da cena em que Ryan coloca a cabeça dentro do ventre da mãe Kristin? Qual é a sua explicação?

Por um lado, podemos pensar que o filho regressa ao ventre da mão para ser libertado do seu jugo. E uma vez lá dentro encontra Deus…

Complicado.

Pelo contrário, muito simples.

Sente que este é o seu filme mais kubrikiano? Ou apenas porque podemos pensar em corredores?…

Na realidade é difícil pensar em corredores e não imaginar Kubrick. Mas se é isso que dizem, eu acho ótimo… Mas há muito corredores no cinema. O David Lynch, o Dario Argento…

A exploração da luz e dos interiores é fascinante. Como trabalhou como diretor de fotografia?

Foi o Larry Smith que trabalhou isso. Foi ele que fez De Olhos Bem Fechados.

Aí esta a referencia a Kubrick…

Sim, o mesmo câmara. Não tinha muito dinheiro, por isso teve de ser algo muito específico. Fazer o trabalho dos atores e depois pensar nas composições. Foi assim que desenhei o filme.

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