Crítica – Bingo – O Rei das Manhãs (2017)


Você tem preconceito com o cinema nacional? Assista a Bingo!


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O Brasil realmente ainda não pegou o jeito do Oscar. No ano passado, houve a polêmica entre a equipe do filme Aquarius (2016), dirigido pelo pernambucano Kleber Mendonça Filho, com o apoio de grande parte dos cineastas nacionais, e o Ministério da Cultura por causa de um protesto feito em Cannes contra o governo Temer. Esse episódio aumentou o abismo entre o governo e a classe artística. O MinC escolheu Pequeno Segredo (2016) em detrimento ao filme de KMF. Esse ano, para não desencadear outros desentendimentos, o MinC decidiu convidar a Academia Brasileira de Cinema para formar uma comissão que escolheria o filme a concorrer ao Oscar 2018. Tal comissão optou por Bingo – O Rei das Manhãs. Mas o longa não passou pela pré-seleção. Isso não quer dizer, no entanto, que a obra é ruim. As decisões do Oscar nunca foram unânimes.

Bingo conta a história de Arlindo Barreto, um dos intérpretes da versão brasileira do palhaço Bozo. Para manter a liberdade criativa e por causa de questões de direitos autorais, todos os nomes foram mudados e Arlindo passou a se chamar Augusto, o SBT, dono da TV Studios (ou TVS) virou TVP, a Rede Globo se tornou Mundial e por aí vai. Arlindo, ator e filho de atriz, começou a carreira na pornochanchada e depois teve a oportunidade de interpretar o Bozo. Durante esses anos de palhaço, ele se viciou em drogas e depois se converteu à Igreja Batista.

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Rede Globo… Ops.

Um tema recorrente no filme é o seu desejo, e, por extensão, da sua família, de ter reconhecimento, de estar debaixo dos holofotes. Para isso, ele está disposto a fazer de tudo com a mesma dedicação: de pornochanchada a comédia como palhaço. O contratempo de interpretar Bingo é que ele não pode, por contrato, revelar sua identidade e isso aos poucos mexeu com seu emocional. Ele encontrou no sexo e nas drogas a sua válvula de escape e esqueceu de todo o resto. Nos dois primeiros atos, há o encantamento e a graça de assistir a brilhantes atuações, de notar como a televisão (e o que é ético de ser transmitido) mudou ao longo desses quase 40 anos e de admirar o magnifico trabalho e todos os cuidados do design de produção. E no terceiro ato, quando o filme parecia perder fôlego e não ter mais de onde tirar piada, acontece a virada e a comédia dá espaço a temas mais complexos e pesados. A tensão que vinha sendo construída, em meio a piadas, ao longo do segundo ato estoura de maneira avassaladora e o filme não esconde e nem romantiza nada.

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“O Abajur do Amor”

Dirigido por Daniel Rezende, esse não parece ser seu primeiro trabalho na cadeira de diretor tamanha sua habilidade em contar história e dar ritmo. Parte desse talento, certamente, vem de suas colaborações em trabalhos passados como montador de filmes como Cidade de Deus (2002), Diários de Motocicleta (2004), Tropa de Elite (2007) e A Árvore da Vida (2011). Obras dirigidas, respectivamente, por Fernando Meirelles, Walter Salles, José Padilha e Terrence Malick. Em seu primeiro filme, Rezende não só não envergonha seu passado, como fica em pé de igualdade com os outros longas.

Os diálogos, porém, por vezes são rasos e nem sempre são entregues da melhor maneira. Isso fica por conta, principalmente, da fraca atuação de Leandra Leal (Cazuza – O Tempo Não Para, O Homem que Copiava) que interpreta a produtora Lúcia, interesse amoroso do Bingo de Wladimir Brichta (Romance, A Mulher Invisível). O artifício de mostrar o que o personagem está pensando para só depois contrastar com a realidade, se fosse usado somente uma vez, funcionaria melhor.

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Leandra Leal não é o forte do filme

Com exceção desses detalhes, o filme é realmente excelente. O esmero da fotografia em usar muitas luzes amarelas e uma palheta de cores ligeiramente dessaturadas, passando a impressão de sépia, dá a ideia de que a obra é dos anos 1980. E é. A trilha sonora, as referências à cultura da época e toda a direção de arte corroboram essa visão. Além disso, o constante emprego de focos de luz estourada faz lembrar holofotes, como se a vida de Augusto fosse um show. Como já citado, fama e reconhecimento são temas recorrentes, e Bozo é um produto maior do que o ator que o interpreta, tanto é que, no Brasil, tivemos um total de 7 artistas. Mas até o protagonista entender que o contrário, que ele é maior do que a marca que veste, também é verdade, é um doloroso e longo caminho.

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De que vale o anonimato na fama?

Alguns recursos técnicos são muito bem empregados para transmitir a devida emoção. Vale mencionar o (falso) plano-sequência que começa com uma metáfora e o protagonista chegando no fundo do poço, passa com um travelling por objetos importantes na carreira de Augusto e termina com a sua redenção em uma cama de hospital.

O filme ainda gera uma reflexão sobre a importância da família e o vício às drogas. Também presta uma belíssima homenagem à profissão de palhaço que, por vezes, precisa esconder dramas pessoais atrás de um sorriso.

Bingo – O Rei das Manhãs é uma obra que começa leve e termina densa. É muito bem executada. Um belo exemplar do potencial do cinema brasileiro.

Nota:

Nota 6.0

Muito bom


Data de Lançamento: 24 de agosto de 2017
Estreia no Brasil: 24 de agosto de 2017
Direção: Daniel Rezende
Duração: 113 minutos
Elenco: Wladimir Brichta, Leandra Leal, Pedro Bial, Emanuelle Araújo, Augusto Madeira
Gêneros: Drama
País: Brasil


 

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