Hotel Mumbai e o fogo no palácio dos deuses.

banner

Em 2008, o grupo islâmico Lashkar-e-Taiba executou doze ataques pela Índia, concentrados principalmente na cidade de Mumbai. Os tiroteios e explosões deixaram 164 mortos e mais de 300 feridos. Durante os ataques terroristas ao famoso Hotel Taj Mahal, em Mumbai, o renomado chef Hemant Oberoi e o garçom Arjun arriscam suas vidas para proteger as demais vítimas. Em meio ao caos, um casal de hóspedes se vê forçado a lutar pela sobrevivência para salvar a vida de seu filho recém-nascido.

Talvez seja cedo para falar de predileções no cinema, que ainda engatinha, de Anthony Maras, mas, olhando de perto o que já foi produzido pelo cineasta (premiado, inclusive), não parece difícil imaginar que exista ali alguma relação de pessoalidade, no sentido de haver certa inclinação temática, entre suas realizações. Dos três curtas de Maras produzidos até 2011,¹ dois lidam de modo imediato com problemáticas envolvendo o islamismo radical (sobretudo, na Ásia) – o único que não, fala de drogas, família e crises pessoais.

Seria essa relação tortuosa do fundamentalismo islâmico com o estilo de vida ocidental, ou sobre como isso afeta a vida de pessoas inocentes, a força motora do cinema de Maras? Ao que tudo indica até aqui, sim, e é justamente sobre isso que versa seu mais atual trabalho, Hotel Mumbai, longa-metragem (o primeiro de sua carreira) baseado em eventos reais, ocorridos na Índia no ano de 2008. Imerso em tensão, o filme conta com uma interessante visão sobre o que de mais iminente decorre das absurdas motivações jihadistas e, ainda mais importante, sobre a força do espírito humano em conflito com os horrores possibilitados por este mesmo espírito.

Hotel Mumbai

Há méritos muito interessantes na condução de Anthony Maras. Sua abordagem pessoalista do filme – o qual é ele próprio o montador – imprime uma identidade bastante meticulosa em relação à imagem. Em muito de si naturalista, a decupagem de Maras sempre busca expressar o terror do evento através de dinâmicas que lembram o velho pique-esconde, onde a tensão se aloja nas espreitas e na oclusão dos espaços por onde o terror circunda. E há algo de muito instigante nesse processo, tanto pela segurança no manejo de câmera, que nos insere de maneira vertiginosa na apatia terrorista, quanto por seu tratamento gráfico, que termina por dar coerência a sua faceta naturalista.

hotel-mumbai

O texto do filme, há de se convir, não é um primor, mas me pergunto sinceramente se haveria necessidade de algum desenvolvimento mais composto nesse tocante. Nem por isso, o filme deixa de apresentar noções que, na maior parte do tempo, são apropriadas. É nessa direção, por exemplo, que o texto não unidimensionaliza os terroristas, o que não se converte num endosso coitadista, é claro, mas numa sinalização de que, na decisão de se tornarem mártires, existem certos aspectos para além do ódio ao ocidente e o apego ao fundamentalismo, característico de radicais islâmicos.

— Papai, deixe-me perguntar, já entregaram o dinheiro?

Hotel Mumbai se formaliza enquanto crítica não somente ao fundamentalismo islâmico, mas, em menor escala, às grandes dissonâncias sociais presentes na Índia. É meio impossível não notar como Maras é claro em relação a como a Índia, por debaixo de suas riquíssimas cultura e estética, é inundada por pobreza. E essas matizes são muito bem representadas por todo o luxo suntuoso do Hotel Taj (onde o hóspede é Deus) e a evidente miséria das periferias de Mumbai, de onde se origina o protagonista da história, Arjun.

tk7u56e45

Contudo, essas não são as únicas críticas que o texto de Maras e John Colee tenta alçar. Na ânsia por encorpar ainda mais seu caráter crítico, o roteiro tenta ser mais diretivo, mais expresso, em criticar certos vícios do ocidente – talvez visando não deixar o lado das vítimas totalmente incólume? (O que é uma desculpa boa, mas insuficiente). Ocorre que, como resultado, existem passagens formulaicas demais, e o problema está na forma como o filme arbitrariamente sintetiza esses vícios em figuras horrivelmente caricatas (como a dondoca-branca-velha que cria desavença porque ouve alguém falando hindi ao telefone, julgando a pessoa como terrorista; ou que reclama do sujeito de barba e turbante). Organicidade? Passou longe.

Obviamente, o que exponho aqui não se trata de uma discordância integral, até porque existem pessoas assim no mundo, de fato. O problema se encontra na dinâmica artificial – ou mesmo oportunista – pela qual essa caricatura se insere no drama.

vlcsnap-2019-06-10-08h05m42s588

É possível uma boa leitura de tal situação sem que o aspecto emocional possua algum espaço reservado? Talvez dependa da abordagem, não sei. Fato é que há um componente dramático muito bem alocado no filme, que, graças a boas performances, consegue transmitir todo o clima inicial de impotência frente ao fator “surpresista” do atentado e que evolui naturalmente a um senso de preservação e coletividade.

Bem maior que suas pequenas avarias, Hotel Mumbai certamente agradará quem busca um Thriller ágil, tenso (como manda o figurino) e com um tato emocional bastante pertinente.


[1]: Os três curta-metragens são: Azadi (2005), Skipe Up (2007) e
The Palace (2011).

A palavra agora é sua. Comente!