Em chamas (2018)

Título original: Beoning

País: Coreia do Sul

Duração: 2 h e 28 min

Gêneros: Drama, mistério

Elenco Principal: Ah-In Yoo, Steven Yeun, Jong-seo Jeon

Diretor: Chang-dong Lee

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt7282468/


Eis um filme com uma recepção bastante positiva no Festival de Cannes neste ano de 2018, todavia tenho algumas restrições em relação a ele, as quais vou explicitar em seguida. “Burning” possui qualidades abundantes – e isso é inegável. Tecnicamente, trata-se de cinema de primeira magnitude, porém é um filme que se aproxima intimamente da crítica e se afasta drasticamente do grande público pela duração, pelo ritmo, pela falta de objetividade, pela “metaforização” das cenas, etc. Discorri sobre isso quando critiquei o filme “The square” na corrida do Oscar do ano passado. Na época, achei um filme fantástico, gostei bastante, mas cheguei a torcer que ele não levasse a estatueta, pela inacessibilidade narrativa pungente que ele exibia. Digo o mesmo em relação a essa obra coreana: excepcional, mas inacessível. Desculpem-me o pensamento socialista nesse âmbito cinematográfico. Isso é apenas minha opinião. O cinema deve ser mais democrático, mas não no sentido de oferecer sempre roteiros “mastigados”, como muita gente adora – e até necessita -, mas de proporcionar desafios solucionáveis às pessoas, para que elas desenvolvam um mínimo senso crítico. Há de haver uma equilíbrio. Por essa crítica explícita à maneira como o filme em tela foi produzido, já não acredito em uma possível vitória no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019. Lembrem-se que é uma premiação americana e cujos os votantes são, na sua grande maioria, americanos, portanto são adeptos do cinema democrático, ao qual aludi anteriormente, pelas próprias características das produções locais, no entanto não descarto uma eventual classificação entre os 5 escolhidos para a disputa final, pela grande qualidade artística que “Burning” apresenta.

Em relação ao filme propriamente dito, trata-se da história de um entregador, Jong-soo, que se reencontra com Hae-mi, uma antiga amiga que vivia no mesmo bairro que ele, na zona rural da Coreia do Sul – próximo à fronteira com a Coreia do Norte. A jovem está com uma viagem marcada para a África e pede para Jong-soo cuidar de seu gato de estimação enquanto está longe e, ao mesmo tempo, inicia um envolvimento sexual com Jong-soo. Hae-mi volta para casa na companhia de Ben, um jovem misterioso que conheceu na viagem. No entanto, o forasteiro tem um hobby peculiar, que está prestes a ser revelado aos amigos.

A grosso modo, percebe-se que há um mistério que circunda o personagem Ben, mas esse mesmo mistério paira sobre toda a narrativa, principalmente pela aparente falta de relação – e até coesão – entre as cenas, entretanto, em cada uma delas, uma nova evidência – normalmente um pequeno detalhe – é revelada para que o espectador monte seu próprio quebra-cabeças. Nada é muito explícito – até mesmo o hobby de Ben citado na sinopse é apresentado por meio de uma metáfora, e num momento em que os amigos fumavam maconha. Tudo para suscitar dúvidas e manter o suspense no ar. Aliás, a narrativa planta vários hectares de dúvidas e elucubrações na cabeça dos espectadores a todo momento.

É uma história que engloba algumas temáticas interessantes: desigualdade social, conflitos familiares e obsessão. Esses temas são trabalhados através de situações, à principio, indeterminadas: não são explicados a fonte da riqueza e a natureza do trabalho de Ben, o qual é revelado através de uma metáfora; os objetivos de Hae-mi na trama são obscuros; as razões para o comportamento obsessivo de Jong-soo e a história de seu pai são pouco mostradas; os anos da infância de Jong-soo e Hae-mi quando eram crianças e amigos, que são referenciados por diversas vezes, são tratados de forma superficial; etc. Muitas coisas ficam subentendidas, e é nessa imprecisão que “Burning” edifica o seu alicerce, para que sua platéia teça sua própria interpretação sobre a narrativa. Eu mesmo construí duas interpretações possíveis: uma mais previsível, porém complexa, que, por sinal, coincidiu com o desfecho do filme; e outra mais absurda,  porém absolutamente válida no contexto proposto. O certo é que, parafraseando o título do filme, nossa cabeça fica “em chamas”- assim como a de Jong-soo.

Ademais, é imperioso destacar a fotografia composta por vários planos abertos muito apreciáveis, que mostra belas paisagens da Coreia, e as interpretações fabulosas dos 3 protagonistas. Há uma cena, que considero, uma divisora de águas da narrativa, na qual Hae-mi dança nua tendo como pano de fundo a obscuridade do crepúsculo. Uma cena bela e primorosa. A partir daí o filme “pega fogo” – mas com a maior parcimônia possível. Podem esperar técnicas cinematográficas refinadas, ritmo lento, roteiro desafiador e pouca emoção. Parafraseando Jong-soo, quando questionado sobre o assunto que ele utilizaria em um romance que ele pretendia escrever, “Burning” é um enigma! É um dos melhores filmes deste ano de 2018, todavia a subjetividade é a alma do negócio! Infelizmente, é filme para poucos.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


1 comentário Adicione o seu

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.