Assunto de família (2018)

Título original: Manbiki kazoku

Título em inglês: Shoplifters

País: Japão

Duração: 2 h e 01 min

Gêneros: Crime, drama

Elenco Principal: Lily Franky, Sakura Andô, Mayu Matsuoka

Diretor: Hirokazu Koreeda

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt8075192/


Já assisti a mais de meia dezena de filmes desse espetacular diretor japonês, portanto conheço muito bem suas características, suas temáticas prediletas e seu modus operandi. Afirmo-lhes que não há Koreeda mais Koreeda do que em “Assunto de família“, pois o foco total e absoluto desse filme recai sobre a sua especialidade, sobre o tema que se confunde com sua essência como cineasta: aquela entidade que agrega pessoas, geralmente por parentesco – conceito sociológico -, que costumamos chamar de família. Essa definição, que é a considerada natural e usual, é posta em xeque através de diversas situações que questionam sua legitimidade emocional e a sua composição e organização, levando-se em consideração, principalmente, os sentimentos que existem em cada pessoa. Com muita singeleza e cuidado, assuntos espinhosos são tratados com as habituais competência e sensibilidade desse mestre japonês, que é denominado pela mídia especializada como “O cronista da família”.

Eis a sinopse: “Depois de mais uma sessão de furtos, Osamu e seu filho Shota se deparam com uma garotinha sozinha na rua, Yuri. A princípio eles relutam em abrigar a menina, mas a esposa de Osamu, Nobuyo, concorda em cuidar dela depois de saber das dificuldades que enfrenta. Embora a família seja pobre e mal consiga subsistir com o dinheiro advindo dos pequenos crimes que seus componentes cometem e de outras miseráveis fontes de renda, eles parecem viver felizes juntos, até que um incidente revela segredos escondidos, testando os laços que os unem.”

O cine-dilema de Koreeda, mais uma vez, assim como em “Pais e Filhos” (2013), coloca o espectador vagarosamente e inadvertidamente em um beco sem saída, no qual há dois caminhos possíveis a seguir, e é permitida apenas uma escolha. Deve-se considerar que qualquer uma das rotas pode gerar conseqüências nocivas e perversas para os envolvidos. Há uma pobre família da periferia, composta por pessoas peculiares, cujas ocupações, quando existem, acompanham a marginalização existentes em suas vidas, entretanto, seus integrantes vivem em harmonia, apesar de tantas dificuldades. Por outro lado, há uma família financeiramente estável, mas com sérios problemas afetivos e emocionais. E há Yuri! Apenas mais uma inocente vítima do desamor, que insiste em pairar sobre nosso mundo. Neste contexto, entre as mais diversas transgressões legais e morais de ambos os lados, questionamentos são levantados de forma implícita e explícita ao longo da narrativa. Apesar de o roteiro identificar o seu rumo, mesmo deixando pontos em aberto, quem decide é o espectador, pois não é raro que as situações mostradas o transformem em um “ruminante da vida” por boas e longas horas após a audiência. É um filme digerível aos poucos!

Muitos podem reclamar da falta de agilidade da história, da impressão de que nada vai acontecer, da falta de emoção em boa parte da exibição, mas esse é o estilo Koreeda de fazer cinema, ou seja, isso não é defeito, e sim categoria. Através de cenas do cotidiano, de pequenos detalhes e de uma sensibilidade ímpar, suas histórias são contadas e seus causos são postos à apreciação de seu público. No filme em tela, a única reviravolta existente na trama faz toda a diferença e aproxima a narrativa de algo convencional, pois proporciona a falsa impressão de que fortes emoções se avizinham, mas esse viés só dura alguns poucos minutos e logo aparecem novamente os cênicos pormenores – lentos e cotidianos -, mesmo que em outra conjuntura, pois a vida é assim, apesar de imprevisível, tem a sua rotina e há, entre outros, um japonês que extrai beleza dessa habitualidade: Hirokazu Koreeda, discípulo de Yasujiro Ozu.

Koreeda viaja até o cerne da entidade familiar, com uma narrativa honesta, sem sentimentalismos forçados, e eivada de humanidade e realidade em suas duas horas de duração. Retratar a vulnerabilidade do ser humano é o seu ramo dentro do cinema! Sinceramente e indubitavelmente, nada posso criticar. Concedo 5 estrelas a essa obra com bastante louvor. Tenho apenas, respectivamente, uma afirmação e uma pergunta: “que filme espetacular!” e “o que é a família?”

O certo é que o sentimento pode suplantar a consaguinidade! Nada é absoluto, tudo é relativo!


“O que realmente foi roubado foram os laços que os unem.”


O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba


2 comentários Adicione o seu

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.