Crítica | O Contador

A aposta em muitos flashbacks acaba deixando o filme sem ritmo

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

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O Contador é mais um daqueles filmes em que os realizadores tentam colocar nele todos os clichês possíveis de filmes de ação, na tentativa de conseguir um filme de sucesso. Temos então um protagonista com problemas para se relacionar com as pessoas, uma dupla de agentes do governo que caçam o nosso herói, problemas familiares mal resolvidos, uma megacorporação e, claro, a mocinha em perigo. Assim, temos a história de Christian Wolff (Ben Affleck), um portador de um tipo de autismo que faz com que ele tenha problemas de socialização, mas seja um gênio da matemática. Ele acaba usando essa habilidade para ser contador de grandes mafiosos ao redor do mundo e, nas horas vagas, pega um trabalho legítimo para sair um pouco do radar das autoridades. Claro que o trabalho mais recente que ele pega tem algo maior por trás e vai colocar a vida dele em perigo, fazendo com que Christian vire uma máquina de matar.

A partir daí o que temos é um filme muito mal dirigido e com uma narrativa que nunca empolga de verdade. Além disso, a história falha até mesmo no modo como retrata seu protagonista. Logo no começo somos apresentados a uma cena no passado na qual os pais de Christian procuram um especialista em autismo. Enquanto eles conversam com o sujeito, o garoto fica em outra sala montando um quebra-cabeças com uma velocidade espetacular. Ao notar que uma das peças sumiu, ele surta completamente, repetindo que precisa terminar, e só se acalma quando encontra a última peça. Esse fato parece que vai ser de grande importância quando, lá na frente, um dos personagens não permitir que ele finalize um de seus trabalhos. Aí quando você acha que vai ver o Ben Affleck louco da vida ele só fica repetindo “não terminei ainda”. E é só isso, sem surtos.

Aliás, aqui Affleck mostra mais uma vez que só consegue atuar de verdade quando dirige o filme. Em O Contador ele resume sua atuação a ficar sempre sério e desviar o olhar das pessoas, mais nada. Quando o personagem possui longas falas, ele diz elas sem a menor dificuldade, como se fosse super normal uma pessoa com o problema de Christian se expressar em público. Já Jon Bernthal e Anna Kendrick surgem como o máximo do clichê. Ele como o antagonista pirado que mata qualquer um que cruza seu caminho e ela como a garota que fica logo interessada no protagonista, mesmo que ele não demonstre interesse algum nela. Como se isso não bastasse, o filme desperdiça o talento de atores como John Lithgow, Jeffrey Tambor e J.K. Simmons em personagens bobos. Este último, aliás, poderia ter sido cortado completamente do filme que não faria a menor diferença, já que o núcleo de investigadores do governo não leva a trama a lugar algum. Eles acabam servindo apenas para encher o filme com flashbacks do passado do protagonista e aumentar a duração do filme.

Além do roteiro fraco, a direção de Gavin O’Connor também não ajuda. Apostando em diversos flashbacks para mostrar momentos específicos do passado de Christian Wolff, O Contador acaba ficando totalmente sem ritmo em diversos momentos. O diretor chega ao cúmulo de mostrar uma mesma sequência três vezes durante o filme, sendo que duas dessas vezes são mostradas pelo ponto de vista do mesmo personagem. E tudo porque a narração em off dele não tinha acabado ainda, ou seja, ele simplesmente escolheu repetir a cena até que a fala do personagem acabasse. Para piorar a situação, a tal sequência não leva a narrativa principal adiante, já que ela nada tem a ver com os eventos pelos quais Christian Wolff está passando naquele momento. Com pouco mais de duas horas de duração, fica claro que o filme poderia ter uns trinta minutos a menos. Para completar, até a montagem do filme é problemática, fazendo com que o espectador consiga adivinhar um segredo da história com menos de 30 minutos de filme.

Infelizmente, nem as cenas de ação conseguem salvar O Contador. Todas elas são coisas que já estamos cansados de ver em outros filmes. Talvez se o diretor tivesse investido em uma violência mais gráfica, a coisa toda ao menos ficasse mais divertida, mas vemos pouco sangue na tela. Para completar o pacote, fica difícil se importar com um protagonista que parece ser imortal. Christian leva tiro, facada, sofre o impacto de uma granada e sai caminhando como se nada tivesse acontecido. Ben Affleck não se deu ao trabalho nem de mancar pelo menos um pouco. E o diretor também parece não ter se importado muito com isso, talvez por saber que não seria este fato que iria tornar O Contador um filme além de medíocre.

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Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.