Ponte de Espiões (2015)

por Victor Cruzeiro

Querido Steven,

Sei que havia dito que íamos parar de nos corresponder, mas frente a um evento que me ocorreu nesses últimos dias, me senti compelido, quase obrigado, a te escrever de novo. O evento foi assistir seu filme novo, e creio que você vai dar razão a cada linha que vier daqui em diante. E tenho certeza que vai considerar inclusive me responder.

Antes de mais nada, Ponte de Espiões é bom! Não se preocupe, que meu objetivo aqui não é te atacar, como fiz da última vez (e talvez por isso você tenha pedido aquela medida restritiva). Ponte de Espiões é bom, a história é legal e o garoto Tom está show, como sempre. Mas, em tempo, também falam que tomar claras de ovo cruas e ir à escola todos os dias também é bom…

Eu tenho total convicção na sua importância para Hollywood e na sua capacidade inventiva, que foi um dos propulsores até seu atual trono – além de uma boa dose de sorte, é claro. Lá com Encurralado já deu para perceber como você sabia bem o que está fazendo e, mais do que isso, como você propunha um jeito diferente de fazer cinema: um entretenimento mais amplo, mais genuíno, menos engessado e, com sorte, bem mais rentável.

E você nunca se livrou dessa ideia, né? Desde Tubarão você mostrou que conseguia transformar qualquer história em uma boa bilheteria, por mais chato que pudesse parecer. Um peixe assassino, um arqueólogo, um disco voador que toca Midi, um alienígena de borracha, a Segunda Guerra… Qualquer coisa. Tiramos o chapéu para você por isso!

E mais uma vez, com Ponte de Espiões, você transforma a Guerra Fria em uma coisa que podemos ver e nos divertir por duas horas e meia sem ficar realmente apreensivos com a lembrança de que aquilo foi real e que a vida na Terra quase foi extinta por uma hecatombe nuclear. Há um fator humano forte nesse filme, uma compaixão naquela busca pela libertação dos prisioneiros (dos dois lados!), que nos prova que a solução para qualquer conflito está dentro do coração humano…

Claro que, por algum motivo, essa compaixão irrefreável está apenas no personagem do Tom Hanks. Não está no sistema judiciário estadunidense, nem na CIA, muito menos nos russos e nos alemães orientais. Só existe uma pessoa realmente boa nesse filme, o que deve ser explicado pela semelhança fidagal dele com Viktor Navorski, de O Terminal. Deve ser algum valor de família.

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“Vamos inserir umas frases de efeito pro menino Tom”, você disse. E os irmãos Coen ainda tiveram a ideia de colocar um monte de piadinhas sarcásticas.

Você acha mesmo que os russos agiam com aquela petulância violenta toda, de torturar seus prisioneiros estrangeiros com privação de sono e jogos psicológicos? Bom, sob o regime stalinista eles tratavam os próprios prisioneiros assim, então, sim… Mas você realmente acha que o governo dos Estados Unidos da América era tão cordial assim com um prisioneiro? Soviético? Espião? Acordando-o no meio da noite com chamados gentis de “Acorde, senhor? Temos um avião para pegar?”.

Além disso, você ainda acha necessário fazer as prisões em solo americano mais iluminadas, limpas e confortáveis do que as em solo estrangeiro? Esse estereótipo da Guerra Fria não devia ter ficado para trás há algum tempo, Stevie? Sabe, você devia fazer um filme sobre Guantanamo… Estou enviando o número do Oliver Stone para vocês conversarem.

Bom, à parte dessa pitada do sonho americano, que você consegue colocar em tudo – até mesmo em Poltergeist, que você nem dirigiu! – Ponte de Espiões tem seus méritos, oriundos do seu olhar aguçado, que te torna um dos diretores mais famosos do mundo e um dos preferidos dos estudantes de audiovisual (não, é mentira, eles só gostam de Godard e Bergman, mas deviam prestar atenção em você também).

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“Vou aqui aproveitar que isso é um filme e fazer uma metáfora visual sobre as muitas faces de um espião”. Você é muito maroto, Stevie.

Você fez uns raccords muito interessantes aqui, como eu não via há muito tempo nos seus filmes. Ligar o ritual de um tribunal inteiro se levantar para saudar um juiz que entra, com um bando de criancinhas se levantando para jurar lealdade à bandeira dos Estados Unidos da América foi uma boa jogada. Quase um Eisentein, hein? Explícito e ácido. Uma boa maneira de atingir em cheio o average american que foi ver seu filme em uma sala iMax comendo pipoca e tomando 2 litros de Coca-cola. Nós sabemos que ele não é muito rápido para indiretas. Mas, hoje em dia, francamente: quem é?

Esse é outro ponto que salva Ponte de Espiões de ser um filme totalmente descartável (por favor, não se irrite com isso, é importante ouvir críticas!). É um momento interessante para ensinar as pessoas a lidar com fanatismo. Em muitos lugares, como no mundo, por exemplo, a Guerra Fria ainda não acabou. O ódio borbulhante pelos comunistas negros judeus gays estrangeiros ainda povoa a internet, as ruas, as salas de estar e de cinema. Não é como se seu filme fosse um libelo à tolerância, claro, visto o jeito que você representou os pobres dos soldados inimigos, mas é uma maneira legal de inserir empatia na visão dos dominadores.

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Essa fala é tão boa que eu coloquei na minha foto de capa do facebook. Sério! Quando você for me adicionar, vai encontra-la.

Talvez você tivesse ainda mais sorte se fizesse esse filme aqui no Brasil. Não ia precisar nem do contexto da Guerra Fria, o que tornaria o filme ainda mais barato e mais lucrativo (a gente sabe como tem público que odeia filme “de época”, né?). Vou mandar também o telefone do Padilha. Ele fala inglês e gosta de dinheiro. Vocês vão se dar muito bem!

Em suma, Stevie, eu sei que você não é mal-intencionado. Eu sei que você, ao seu modo, tenta tornar o mundo melhor com seus filmes, contanto que sua conta melhore junto. Isso te torna meio tendencioso às vezes… quase sempre. Mas você se esforça. Munique faz pensar bastante na utilidade da vingança, e Lincoln expõe o lado escuso da moeda de um centavo. Nem sempre dá certo, mas você tá aí na atividade, tentando…

Podia ser pior. Você podia ser o Michael Bay.

Sério. Fico feliz que você seja você.

Eu tenho a profunda convicção de que você não é como James Cameron, que acorda todos os dias pensando em como James Cameron pode melhorar o mundo sendo James Cameron. Você é só um dos maiores diretores do mainstream tentando manter sua conta bancária gorda enquanto agrada ao público americano médio e vende o sonho americano para o resto do mundo, e de quebra ensina um pouquinho de história e mostra umas música massa do John Williams.

De resto, o filme é ok.

Espero que você me responda dessa vez!

Seu amigo,

Victor.

P.S. – Por que você trocou o John Williams pelo Thomas Newman? Não teve nenhum tema épico dessa vez! Era de propósito? Você, por acaso, está ficando sério?

P.S. 2 – Não faça Indiana Jones 5.

P.S. 3 – É sério! Não. Faça.