Pular para o conteúdo principal

Banho de Sangue (Mario Bava, 1971)


GUILHERME W. MACHADO

Banho de Sangue pulsa, como pulsa o sangue vermelho escarlate do filme (sangue quanto mais artificial mais divertido, não?), num ritmo frenético e intimidante da percussão que rege sua trilha sonora. Em toda brilhante carreira de Mario Bava, nunca houve um filme tão preocupado com a relação entre o ato de olhar e a própria morte. Os personagens, em sua maioria, encontram suas mortes neste clássico pelo simples ato de olhar ou de ter olhado em momentos inapropriados.

Radicalizando a cartilha escrita por Hitchcock em Janela Indiscreta [1954] e por Michael Powell em A Tortura do Medo [1960], Mario Bava acusa-nos – alguns anos antes de Argento dominar a técnica como ninguém – pelas mortes de seus personagens. Não somos mais apenas voyeurs curiosos, agora temos participação efetiva, somos a câmera que tira a vida dos personagens com requintes de crueldade.
A relação de Banho de Sangue com o ato de olhar expressa-se, também,  frequentemente na trama do filme. Pode ser visto nos closes do olho do assassino que espreita os adolescentes; até mesmo no olhar melancólico da condessa para a cabana de seu filho abandonado, como quem antecipa a própria morte. Esse mesmo olhar, misteriosamente lúcido, pode ser visto nos últimos momentos da cartomante, segundos antes de ter sua cabeça decepada.

Mario Bava, como o grande mestre que era, reconhece o potencial do seu material e não o põe a perder tentando esconder a identidade do assassino. São raros os filmes que agregam valor com esse tipo de mistério – Argento, mesmo, é um dos poucos que sabia lidar com isso, brincando com o grau de percepção do público sobre o que a imagem revela. Já na primeira cena Bava mostra que não está disposto a entrar nesse joguinho de adivinhações, revelando imediatamente o assassino da condessa e já o matando em sequência. Assim, logo no início, ele nos passa uma clara mensagem sobre como será o desenrolar da trama. A sacada dos múltiplos assassinos, prontamente introduzida e em nenhum momento disfarçada, é uma das coisas que eleva Banho de Sangue a outro patamar; simplesmente genial.

Com toda limitação financeira da produção, Bava consegue criar um filme de ritmo alucinante. O nível de domínio técnico que tem sobre sua função pode ser sentido em cada sequência, começando já pelo primeiríssimo plano, com a câmera subjetiva da mosca em seus momentos finais. Nesse primeiro momento, através de uma linguagem puramente audiovisual, ele traça um paralelo entre humanos e insetos, e sua relação frente à morte, reforçado por elementos da trama no decorrer do filme. Sua perícia é muito bem acompanhada por uma frenética trilha sonora muito bem manejada em conjunto com a velocidade impressa pela ótima montagem.
Aplaudido muito pelo fato de ser o filme que criou o slasher, Banho de Sangue é uma obra-prima do terror que se sustenta mesmo hoje, mais de 40 anos depois, e que merece reconhecimento pelas suas próprias qualidades, tão notáveis quanto seu valor histórico.


NOTA (4/5)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Explicação do Final de Birdman

 (Contém Spoilers)                                            TEXTO DE: Matheus R. B. Hentschke    Se inúmeras vezes eu julguei Birdman como pretensioso, terei de ser justo e dizer o mesmo de mim, uma vez que tentar explicar o final de uma obra aberta se encaixa perfeitamente em tal categoria. Entretanto, tentarei faze-lo apenas a título de opinião e com a finalidade de gerar discussões acerca do mesmo e não definir com exatidão o que Iñarritu pretendia com seu final. 

Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003/2004)

GUILHERME W. MACHADO A esta altura não é difícil dizer – para a decepção da forte base de fãs de Pulp Fiction – que Kill Bill é o filme que melhor ilustra a carreira de Quentin Tarantino. Difícil mesmo é dizer que Kill Bill é o filme mais representativo de toda década de cinema na qual está inserido: a primeira do século XXI. Mais difícil ainda é dizer isso e ainda tentar explicar os motivos que levam a essa absurda declaração num simples texto (quando tal posto deveria idealmente ser justificado através de um artigo de páginas e páginas), mas é o que tentarei aqui, então já peço desculpas antecipadas pela duração do texto, que paradoxalmente é muito grande para uma postagem na internet e muito curto para o que tenta abordar. Antes de mais nada: ação é cinema. Os esnobes do “cinema arte” que me perdoem – ou também que não perdoem, de nada adianta chorar apenas por ídolos mortos –, mas a verdade é que não há gênero mais essencialmente cinematográfico do que a ação. Não é uma q

10 Giallos Preferidos (Especial Halloween)

GUILHERME W. MACHADO Então, pra manter a tradição do blog de lançar uma lista temática de terror a cada novo Halloween ( confira aqui a do ano passado ), fico em 2017 com o top de um dos meus subgêneros favoritos: o Giallo. Pra quem não tá familiarizado com o nome  –  e certamente muito do grande público consumidor de terror ainda é alheio à existência dessas pérolas  –  explico rapidamente no parágrafo abaixo, mas sem aprofundar muito, pois não é o propósito aqui fazer um artigo sobre o estilo. Seja para já apreciadores ou para os que nunca sequer ouviram falar, deixo o Giallo como minha recomendação para esse Halloween, frisando  –  para os que torcem o nariz  –  que essa escola de italianos serviu como referência e inspiração para muitos dos que viriam a ser os maiores diretores do terror americano, como John Carpenter, Wes Craven, Tobe Hooper, e até diretores fora do gênero, como Brian De Palma e Quentin Tarantino.