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IG @nathaliemdutra

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  • Nathalie

    Poderia acontecer com qualquer um, mas aconteceu com eles. Há quarenta anos, o estrelato jogou os holofotes sobre quatro garotos os quais fizeram da vida em turnê uma eterna volta pra casa. Abraçando o viral das cinebiografias sobre rock n’ roll, chega ao streaming The Dirt: Confissões do Mötley Crüe, história da banda homônima expoente do Glam Metal, cenário musical popularizado nos Estados Unidos na década de 80. Como um frenesi, o retrato de um período repleto de vícios e glórias segue a mesma fórmula do entretenimento que levou Bohemian Rhapsody a quebrar recordes de bilheteria, além de reunir os melhores momentos de Rock Of Ages, The Runaways, Quase Famosos, Rock Star…

    A união entre glamour e metal implodiu em Los Angeles por volta de 1983. Nos primeiros anos, o Punk, movimento até então predominante, passou a dividir a Sunset Boulevard com uma juventude mais influenciada pela androginia de Iggy Pop e David Bowie do que a anarquia dos Sex Pistols e Ramones. Porém quando o recém chegado Van Halen incorporou o estilo extravagante em 1974, filas dobraram quarteirões da Sunset Strip, apelido do trecho de 2.5km da avenida, já conhecida por suas casas noturnas e bares. Assim, uma nova geração de bandas como Warrant, Poison e Ratt foram influenciadas a lotar um dos locais mais boêmios da cidade com laquê, animal print e muita maquiagem.

    Naquela época, havia um senso de comunidade. O custo de vida era barato e assim, a nova geração aprimorava o visual durante o dia e ao cair da noite, se deixava seduzir por uma enorme quantidade de panfletos nas ruas. Nesse contexto, Mötley Crüe aderiu um visual andrógeno e técnicas teatrais, conquistando não só a fama de libertina, como também sucesso comercial. Após assinar com uma grande gravadora em 1981, a banda levou a algazarra ao U.S Festival e dessa forma, chamou atenção para a Sunset Strip no mesmo dia em que Rob Halford entrava no palco em cima de uma motocicleta para “Hell Bent for Leather”.

    Esse é o recorte cultural escolhido para introduzir The Dirt. Inspirado no livro de memórias de mesmo nome escrito pelos quatro integrantes, a produção passeia pela jornada da banda americana desde sua formação até a volta por cima em 2003. Isso tudo comprimido durante 1h40 de longa metragem. Como num filme de fantasia, aqui o tempo é o principal vilão. De um lado, a necessidade de satisfazer o setor mais Hollywoodiano e popular, compactando acontecimentos de meses em planos rápidos e picotados. Do outro, a opção de realizar uma produção longa, a qual respeite o desenvolvimento das personagens e confira a ilusão da passagem dos anos. Por qual optar?

    Se o diretor Jeff Tremaine (da série de comédias Jackass) tivesse escolhido a segunda opção, a narrativa se assemelharia a Boogie Nights, clássico de Paul Tomas Anderson sobre a trajetória de um ator pornô. A estrutura ascensão-ápice-decadência é a mesma, mas um tem quase três horas de destaque às atuações, o outro é um longo videoclipe. A câmera se movimenta rapidamente, datas correm pelos olhos e sequências que se desdobrariam em meia hora ou mais, são apresentadas em alguns minutos. Infelizmente, desde o advento do YouTube, ficou difícil se concentrar em tomadas longas sem antes checar as mensagens, porém a edição frenética nos permite cada vez menos. Menos veracidade, menos arco dramático, menos absorção dos acontecimentos e por aí vai.

    A necessidade de reduzir a narrativa também reflete de maneira negativa nas performances musicais e desenvolvimento de personagens. Enquanto Rami Malek reproduz com riqueza de detalhes a performance de Freddie Mercury no Live Aid de 1985, Daniel Webber se limita a imitar alguns trejeitos de Vince Neil. Nenhuma menção ao Festival que trouxe os primeiros holofotes, ou a participação no primeiro show de heavy metal da União Soviética. Bohemian Rhapsody foca nas questões pessoais do frontman, mas a nova aposta do Netflix falha em abordar a história de cada integrante em proporções iguais. Mesmo com as narrações em off, não se sabe o suficiente sobre o ranzinza Mick Mars, entretanto, acompanhamos o nascimento da persona Nikki Sixx desde sua infância conturbada.

    Se o tempo é o principal vilão da trama, os clichês são comparsas. Apesar do roteiro ser baseado em relatos e fatos, os esteriótipos e conveniências trazem a confirmação “Eu já vi isso antes” com frequência. A paleta de cores saturada reproduz o frenesi, como em Rock Of Ages. A seleção dos membros ideais gera estranhamento, como em The Runaways. A liderança do processo criativo é debatida, como em Quase Famosos. E como todo início tem um fim, o embate no estúdio está presente, lembram de Rock Star?. Isso sem contar a caricatura dos exageros, permitida por uma classificação de dezoito anos. O rock se reveza em poucas músicas, mas o álcool aparece no café da manhã, almoço e jantar. E as garotas… Um caso a parte. Reduzidas a objetos sexuais desequilibrados, infiéis e facilmente descartáveis.

    A falta de sensibilidade quanto a mulher é comum em retratos sobre o rock, isso porque o meio é, de fato, machista. Querendo ou não, Penelope Spheeris denunciou o tópico no documentário The Metal Years. “Se vier bem vestida, sem problema, mas se estiver gostosa, vai entrar no clube mais rápido”, disse um entrevistado em 1988. Na ficção, o mais próximo do contrário aconteceu quando Jennifer Aniston, se viu num dilema entre apoiar o sucesso do namorado vocalista e manter planos ordinários. Claro, fazia parte da cena meninas se desdobrarem por músicos e como declarou Tommy Lee, fazer sexo oral em baixo nas mesas do Rainbow Bar & Grill. No entanto, atualmente é primordial considerar uma abordagem diferente, pois mesmo que houvesse sexismo, cada groupie, namorada ou esposa tinha seus próprios desejos, convicções e sobretudo, individualidade.

    Apesar dos pesares, The Dirt atende várias expectativas criadas pela produção de uma cinebiografia. O gênero nem sempre cumpre a função jornalística de se aproximar dos fatos, mas concretiza histórias idealizadas na imaginação, traz o sentimento de nostalgia e de certa forma, compartilha o universo de celebridades, políticos ou até personalidades da internet. Demorou, mas diante do sucesso comercial de Bohemian Rhapsody, a indústria reconheceu que o rock n’ roll não só rende boas histórias, como também muito lucro. Depois de Queen e Mötley Crüe, Sex Pistols, uma banda completamente anti sistema, aparece como próximo trunfo. É, quando as coisas começam dar certo, não significa que antes elas estiveram erradas. Elas apenas não haviam sido descobertas.

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