Quando soube que tinha ganhado uma bolsa para viver dois meses em Montreal a começos da primavera me imaginei num palco totalmente diferente. Até fins de abril a neve e o frio não deram respiro. Sair para filmar era uma epopéia com -20ºC. E o pior é que tinha que compartilhar a casa com um estranho. Esse estranho era Liniers. Cada manhã se levantava antes de todos para desenhar. Impressionou-me seu desespero por transformar tudo que passava durante o dia em desenho. Era algo parecido com fome ou sede, transformados em potencial criativo. No início senti um pouco de inveja. Ele não precisava se expor aos intempéries. Trabalhava nesse lugar quente, silencioso, enquanto lá fora tudo era desolação e gelo. Comecei a filmá-lo como se fosse um jogo. O me incluiu em alguns de seus desenhos. Pouco à pouco, o cotidiano se converteu em vinhetas e em vídeo.