Túmulo dos vaga-lumes

Os filmes do Studio Ghibli são conhecidos por seus personagens diferentes, suas tramas fantasiosas extremamente criativas e sempre com uma preocupação em abordar temas relevantes. Túmulo dos vaga-lumes, dirigido e escrito por Isao Takahata, difere do modelo praticado pelo estúdio ao descartar o tom leve e a narrativa cheia de acontecimentos envolta pela fantasia. Aqui, o diretor explora um evento real, o drama das pessoas que viveram a Segunda Guerra Mundial no Japão, e escolhe contar uma história sob o olhar de dois irmãos que lutam para sobreviver, mas sem os elementos mágicos ou fabulosos presentes nos outros filmes que de alguma forma amenizariam o sofrimento que aquele período trouxe. 

Quando um bombardeio separa os dois irmãos, Seita (Tsutomu Tatsumi) e Setsuko (Ayano Shiraishi), de sua mãe, os dois se veem forçados a sobreviverem sozinhos durante a Segunda Guerra Mundial, já que esta falece por conta do ataque americano e o pai deles está lutando pelo país. Seita, irmão mais velho, assume a responsabilidade pela irmã pequena, Setsuko, e luta para mantê-los seguros e alimentados. Ao contrário dos outros filmes do estúdio, não acompanhamos uma saga heroica dos irmãos ou uma aventura repleta de desafios e criaturas míticas, Túmulo dos vaga-lumes é um filme totalmente arraigado na realidade da guerra e não tenta aliviar a gravidade da situação que os dois vivem. Devido ao racionamento fortíssimo de comida no Japão, Seita luta diariamente para conseguir o alimento necessário para ele e sua irmã pequena. A solução que ele encontra para ter um local para dormir e um pouco de comida é ir até a casa de uma tia distante.

Ao chegarem à casa da tia, os dois aproveitam um tempo de descanso longe da guerra. No entanto, a relação entre a tia e os irmãos é um pouco menos cortês do que Seita esperava. É interessante notar como a convivência deles mostra a falta de humanidade nas relações interpessoais no período da guerra. O esperado seria que a família se unisse e se apoiasse mutuamente durante aquele momento difícil, mas o que acontece é justamente o contrário. A tia passa a humilhar Seita e até conta para Setsuko que sua mãe morreu, fato que ela ainda não sabia e Seita estava esperando o melhor momento para contar a própria irmã. Além disso, Setsuko é obrigado a conseguir a própria comida, já que a tia diz que ele e a irmã estão roubando o alimento conseguido por seu marido naquele momento tão difícil e que não dão nada em troca.

Se nos outros filmes do estúdio vemos um castelo voador, uma princesa com seus lobos falantes na floresta, ou um porco que pilota um avião, aqui não temos qualquer ligação com o fantástico ou o imaginário, somos colocados ao lado de Seita no seu dia a dia difícil e na batalha atrás de comida. Isao Takahata nos prende ao natural, a realidade bruta mostrada na rotina dos dois irmãos em um mundo hostil. Sem poupar o espectador de cenas impactantes, logo no início do filme nos é mostrada a mãe deles queimada e corpos mutilados na guerra, além de vermos Seita apanhar e ser levado à polícia por ter roubado comida e também testemunhamos a pequena Setsuko adoecer por subnutrição e lutar pela própria vida. Takahata administra com excelência os momentos emocionantes do filme e os trágicos. Ele utiliza a inocência de Setsuko para dar o peso emocional às situações complicadas que os irmãos vivem. O próprio título do filme vem de uma situação dessas em que a garotinha fica animada por ficar em um abrigo improvisado onde pode iluminá-lo com os vaga-lumes à noite, já que o abrigo não é nada mais do que um grande buraco em uma pequena montanha e não possui energia elétrica ou qualquer outro recurso para pessoas viverem. No entanto, ao amanhecer, os vaga-lumes já estão mortos e sem luz, fazendo, assim, uma analogia à história da garotinha.

A história trágica dos irmãos foi retirada de um conto autobiográfico de Akiyuki Nosaka, que viveu o ataque à cidade de Kobe, em 1945. A direção precisa de Takahata evita as armadilhas dos filmes sobre guerra e não se entrega ao sentimentalismo ou à violência gratuita. Túmulo dos vaga-lumes consegue tocar o espectador através da inocência de Setsuko e a garra de Seita para salvar a irmã. Aqui, não vemos qualquer engrandecimento à guerra, discussões sobre quem eram os “mocinhos” ou “vilões”, assistimos apenas as consequências trágicas que o conflito trouxe a tantas famílias ao redor do mundo. O drama dos dois parece tão real e árduo que esquecemos estar assistindo a uma animação. As linhas simples que desenham os personagens são completadas pela fotografia escura de cores fortes nas cenas mais rápidas de ação e nos momentos de ataques e bombardeios. As cenas mais contemplativas, característica forte do cinema japonês, possuem tons claros e alegres no momentos descontraídos do dia a dia de Seita e Setsuko longe da guerra. 

Túmulo dos vaga-lumes é um filme com uma mensagem fortíssima e real. O fato de ser uma animação não tira o peso da lição que tiramos da história de Seita e Setsuko. O longa intensifica como a guerra vitimiza não apenas aqueles que estão no front de batalha, mas também os que estão longe à espera dos entes queridos, sejam eles de carne e osso ou desenhados por um lápis.

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