Belladonna: obra-prima perdida da animação japonesa ganha restauração em 4K | JUDAO.com.br

QUARENTA E TRÊS anos depois, filme produzido por Osamu Tesuka estreia nos EUA e ganha versão em Blu-ray

Quando a gente fala de Osamu Tesuka, logo você pensa em Astro Boy, Kimba o Leão Branco, A Princesa e o Cavaleiro, né? E quando a gente fala em “desenho animado japonês clássico”, seu cérebro facilmente pode ELENCAR nomes como Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z ou até Patrulha Estelar – tudo dependendo da sua idade, claro.

Pois é. Mas e se eu te contar que existe um clássico da animação na Terra do Sol Nascente que é produzido por Osamu Tesuka e que está longe de ser qualquer um dos títulos óbvios nos quais você possa ter pensado? Trata-se de Kanashimi no Belladonna, que, na tradução literal, é Belladonna da Tristeza mas também é conhecido no Ocidente como A Tragédia de Belladonna.

Produção de 1973, Belladonna é a terceira animação da chamada trilogia Animerama, filmes de temática adulta dentro de um conceito concebido por Tesuka quando ele trabalhava ativamente em seu estúdio Mushi Production, entre as décadas de 1960 e 1970. Os outros dois, Senya Ichiya Monogatari (Cento e Uma Noites, de 1969) e Kureopatora (Cleópatra, de 1970), tiveram participação direta de Tesuka como roteirista ou co-diretor. Mas em Belladonna, a responsabilidade ficou inteiramente a cargo de Eiichi Yamamoto, colaborador frequente do mestre, que já tinha decidido se dedicar inteiramente aos seus mangás.

Embora tenha sido exibido no mesmo ano com pompa e circunstância no Festival de Berlin, Belladonna acabou tendo um lançamento bem menor do que seus CO-IRMÃOS. A dupla inicial ganhou uma certa exposição, ainda que limitada, no mercado americano – mas, por seu caráter experimental, se tornaram apenas produções cult, com resultados comerciais inexpressivos. Ainda mais visualmente ousado do que os anteriores, Belladonna jamais teve uma chance na América, numa mesma época em que, vejam só vocês, Ralph Bakshi mandava ver com o seu Fritz the Cat, baseado na obra de Robert Crumb.

A Cinelicious Pics adquiriu os direitos não apenas para lançar Belladonna em DVD/Blu-ray, mas também para enfim levar a produção aos cinemas norte-americanos. O circuito que começa a partir de 6 de maio, claro, será reduzido – passando inicialmente por três salas de Nova York, San Francisco e Los Angeles. A animação foi totalmente restaurada em alta definição (4K) e remasterizada a partir do negativo original em 35mm e dos elementos sonoros, permitindo que inclusive fossem resgatados OITO minutos inéditos de cenas surreais e explícitas.

“Embora este filme fosse muito explícito para os distribuidores americanos nos anos 1970, creio que o público dos nossos cinemas finalmente vai poder curtir Belladonna”, afirma o vice-presidente executivo da Cinelicious Pics, Dennis Bartok, em entrevista ao AWN.

“O filme combina fantasia medieval estilo Tolkien, imagens de demônios saídos de cartas de tarô inspiradas em artistas como Gustav Klimt [pintor simbolista austríaco], Egon Schiele [pintor expressionista também da Áustria] e Guido Crepax [quadrinista italiano, criador da personagem Valentina], um erotismo gráfico e perturbador e uma trilha sonora psicodélica para explodir o seu cérebro”.

Essencialmente, pense em uma animação japonesa pintada em aquarela e devidamente sonorizada com a trilha sonora de rock psicodélico de Masahiko Satoh, considerado um dos grandes nomes do chamado jazz avant-garde, cheio de improvisos e experimentações sonoras.

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Na história, Jeanne (dublada por Aiko Nagayama) é uma jovem que acaba de se casar com o homem de seus sonhos. Mas o sonho se transforma em pesadelo quando ela é violentamente estuprada pelo todo-poderoso barão local. Em busca de vingança, ela faz um pacto com o Diabo em pessoa (aqui, com a voz de Tatsuya Nakadai, protagonista do clássico Ran, de Akira Kurosawa) – que, bom, assume a forma de uma espécie de pênis falante (ou algo assim). Então, Jeanne se torna um espírito poderoso repleto de doses homeopáticas de desejo e loucura.

A trama é inspirada em La Sorciere (que, em inglês, ganhou o título de Satanism and Witchcraft), livro publicado em 1862 e escrito pelo historiador francês Jules Michelet. Considerado uma espécie de manifesto proto-feminista, o livro defendia que a bruxaria medieval era um ato de rebelião popular contra a opressão do feudalismo e da Igreja Católica – e tal rebelião tomou a forma de uma religião secreta inspirada pelo paganismo e que tinha mulheres como suas líderes.

Depois de assistirem a uma versão tosca baixada da internet, Bartok e Paul Korver, presidente da Cinelicious, começaram uma corrida em busca dos direitos de Belladonna. “Tínhamos uma listinha de filmes dos sonhos que queríamos restaurar: filmes que não seriam apenas grandes redescobertas, mas que também se beneficiariam do fato de ser vistos em sua glória audiovisual. Belladona estava no topo da lista”, conta Hadrian Belove, fundador da empresa e principal defensor de que a animação japonesa merecia um carinho a mais. “O que a Cinelicious fez com Belladonna foi absolutamente transformador. Eu achei a restauração final incrível. Foi como ver o filme pela primeira vez”.

Junto com o filme, a editora Hat & Beard vai lançar o livro Cinelicious: Belladonna of Sadness: A Companion to the 1973 Cult Japanese Anime Film. Apesar do título gigantesco, a ideia é bem simples – trazer pela primeira vez entrevistas detalhadas com o diretor Yamamoto, o compositor Satoh e ainda o icônico ilustrador Kuni Fukai, responsável pelos desenhos. Tudo isso, claro, com uma porrada de reproduções das artes do longa, para deleite dos colecionadores.

“Se o Led Zeppelin tivesse um filme favorito, seria este”, aposta o comunicado oficial da Cinelicious. “Em outras palavras, Stairway to Hell”.

Para que os interessados nos MEANDROS artísticos pudessem acompanhar cada detalhe do processo de restauração, a Cinelicious criou inclusive um Tumblr com fotos, um concurso de artes conceituais e a porra toda.

A ideia é que Belladonna passe também por alguns festivais não apenas nos EUA, mas também internacionalmente – o que, portanto, nos dá esperança de que o Festival do Rio ou a Mostra Internacional de SP possam se interessar pela obra. :)