Nojoom, 10 anos, divorciada (2014)

Título original: Ana Nojoom bent alasherah wamotalagah

Título em inglês: I am Nojoom, age 10 and divorced

País: Iêmen

Duração: 1 h e 36 min

Gênero: Drama

Diretor: Khadija Al-Salami

IMDB: www.imdb.com/title/tt4313646/


Quanto mais assisto a filmes produzidos em países nos quais costumes e tradições religiosas moldam o comportamento das pessoas, mais fico abismado com os atos praticados por elas em nome de alguma divindade que representa Deus, e, se o filme for baseado em fatos reais, perdem-se as palavras, pois o silêncio é mais salutar. O repúdio se apodera da alma! Como resolvi discorrer sobre o filme em tela, quebro esse sugerido silêncio para mostrar a vocês, potenciais espectadores, mais um lado sombrio de um animal racional, revestido pelo manto da irracionalidade, chamado homem, em mais uma história que expõe fatos caracterizados por, sem exagero algum, uma suprema bestialidade, que devem ser considerados normais na sociedade do país, o Iêmen, um país asiático e islâmico pouco conhecido da maioria das pessoas. Seguem abaixo a sinopse e minhas considerações sobre “Nojoom, 10 anos, divorciada“, um filme que mostra a realidade brutal de 15% das meninas do Iêmen, que são forçadas a casar com menos de 15 anos de idade, para serem uma boca a menos para alimentar na casa de seus pais, e em troca de um dote, que é algo como o preço que se paga pela noiva – normalmente são terras, dinheiro, animais, objetos, ou uma combinação de quaisquer dessas moedas.

O filme conta a história de Nojoom, uma garota iemenita de 10 anos de idade que vive feliz em seu vilarejo no interior do país. Sua família é pobre, como a maioria das outras famílias lá residentes, mas possui o suficiente para sobreviver. Um dia, sua irmã mais velha é estuprada, e, com isso, a honra da família é perdida. Seu pai vende tudo e se mudam para outra cidade, por não suportarem a vergonha. Nessa nova cidade, os empregos são escassos, e, após alguns meses, a família começa a passar por necessidades. Seu pai recebe uma proposta de casamento para a filha. Um homem de 30 anos oferece uma boa quantia como dote pela garota, e, então, sob as bênçãos de Alá e por intermédio de um discípulo, o acordo é celebrado na mais “santa normalidade”. Nesse contexto, conhecemos o calvário de Nojoom e sua luta para desfazer esse casamento. Esse filme é uma adaptação de um best-seller internacional sobre Nujood, de 10 anos de idade, que tomou as manchetes de todo o mundo em 2009, quando protestou contra o casamento arranjado e foi parar nos tribunais.

É um filme que vem de um país sem tradição alguma em cinema, que conta com artistas amadores e, portanto, o que chama a atenção mesmo é o roteiro, apesar de ser simples e linear. Tenho muitos pontos a discutir sobre ele, pois possui temáticas muito longínquas de nosso dia a dia ocidental. Como visto na sinopse, o fato gerador de todos os problemas da protagonista foi o estupro de sua irmã por um vizinho. Nota-se que o sexo – ou a relação sexual – é tratado como um tabu, como algo impuro, como algo para homens – como se a mulher não tivesse seus desejos. Sexo antes do casamento é considerado uma desonra para a mulher – o mesmo paradigma não é aplicado para o homem. Algo interessante também é que todo vilarejo tem um “xeique”, que é um “guru religioso” e resolve todos conflitos entre os moradores. Nesse caso específico do estupro, as coisas se resolvem com a oferta de alguns animais e o desencorajamento de algum ato violento, porém a vergonha permanece eternamente – o que motiva a mudança de ares para um lugar onde ninguém da família seja conhecido.

Nojoom é mostrada como criança – e com atos de criança. O poster já mostra sua inocência ao segurar uma boneca. Uma menina que gosta de brincar com seus amigos e amigas e está completamente alheia ao mundo adulto, apesar de seguir os dogmas impostos pelo “fanatismo” religioso de seu pai. Pus a palavra fanatismo entre aspas porque é isso que nós, ocidentais, conseguimos observar em relação a seu comportamento, mas, para ele, tudo é absolutamente normal. Esse caráter de normalidade é o que mais assusta, principalmente em relação ao “escambo de filhas”, ou mesmo, para ser mais realista e menos polido, a venda de filhas sem o consentimento delas. Um acordo legítimo e aceitável para todos, com exceção de Nojoom, que, na época dos acontecimentos, não tinha sequer menstruado. Nem preciso comentar os desdobramentos dos fatos. O certo é que a protagonista é uma pessoa determinada, que busca forças do fundo de sua alma para procurar auxílio jurídico para resolver o seu martírio. É um caso de superação e coragem, por descumprir as “leis divinas” entranhadas no cotidiano das pessoas do país, utilizando apenas as lei dos homens, que, para a maioria, têm muito menos importância.

Enquanto o ser humano não conseguir se desvencilhar de amarras religiosas retrógradas, que prejudicam a vida de inúmeras pessoas, principalmente das mulheres, e entender que todos devem ter suas liberdades e garantias individuais respeitadas, vamos continuar a ver casos como o mostrado no filme em tela. Infelizmente, trata-se de apenas mais um grão de areia em um deserto de ignorância que persiste em existir, mesmo num mundo tão desenvolvido, mesmo em pleno século XXI. Na era da informação e da tecnologia, quando um feto carrega cromossomos XX, ele deve ter sorte no tocante ao local de nascimento, sob pena de ter uma vida sofrida e cheia de limitações. Parece mentira, mas esse ainda é o mundo em que vivemos.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


1 comentário Adicione o seu

  1. Fernando Coelho disse:

    Ótimo filme de um país muito pobre e atrasado. A religião dá, infelizmente, cabo da vida de muitas pessoas, tudo com a esperança vã de um outro mundo melhor após a morte.

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