Village rockstars (2017)

País: Índia

Duração: 1 h e 27 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Bhanita Das, Basanti Das, Boloran Das

Diretor: Rima Das

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt7297966/


Sinopse: “Uma garota de 10 anos, chamada Dhunu, sonha em possuir um violão e formar uma banda de rock que seria chamada de Village Rockstars, juntamente com um grupo de meninos locais. Dhunu, no entanto, tem que lutar contra os estereótipos de sexo pungentes na Índia e as condições hostis de sobrevivência a que está submetida.”


PARA QUEM ACHA QUE A ÍNDIA NÃO PRODUZ CINEMA DE QUALIDADE.


 

As dificuldades relacionadas à pobreza, aliadas à vida no campo do agricultor e às intempéries da natureza, sempre promoveram excelentes narrativas, marcadas por uma enorme quantidade de força e resiliência. Quem conhece através dos livros de história ou mesmo vivenciou a realidade da região Nordeste brasileira, consegue vislumbrar muito bem o poder que a junção dessa trinca de características possui. No filme em tela, o país é outro, a natureza castiga de outra forma, mas o problema é o mesmo: a vida dura das pessoas que vivem sob condições rudimentares. É uma vida com viés punitivo, às vezes com ares de tragédia cotidiana, mas sempre regada a uma diversidade grande de sonhos, principalmente vindos de crianças, que os recheiam de inocência para alimentar suas almas de esperança. É através dos olhos de uma garota indiana que o argumento de “Village Rockstars” se desenvolve, e encanta em cada minuto de sua exibição, simplesmente por mostrar a utopia dos anseios infantis encravados entre as necessidades para uma mínima subsistência.

Quem conhece o cinema indiano rapidamente já nota que se trata de uma obra que destoa do padrão da indústria cinematográfica contemporânea do país, principalmente em relação ao polo de produção de Mumbai, mundialmente conhecido por Bollywood e identificado por seu cinema comercial. Há duas características marcantes que diferenciam o filme da maioria das produções “bollywoodianas”. Primeiramente, o idioma do filme é o assamês: uma línguagem muito pouco falada na Índia. Entretanto, o aspecto mais diferenciador é o viés altamente artístico que é empregado em toda a obra. Beleza é exalada a cada passagem, através de uma narrativa lenta e detalhista; através de sons em background que “cantam” a sinfonia diária das pessoas que vivem no campo: insetos, pássaros, galinhas, cabras, vacas, etc.; e através de uma fotografia belíssima que aproveita o melhor que a natureza daquele ambiente pode oferecer; ou seja, trata-se literalmente de um filme de arte, realizado visivelmente com poucos recursos, um elenco amador e muito bom gosto pela diretora Rima Das, que oferece um presente especial aos amantes do cinema de qualidade. Preciso comentar que me lembrou bastante o mestre indiano Satyajit Ray e sua obra-prima “A canção da estrada“. Além dele, veio à mente a simplicidade do saudoso cineasta iraniano Abbas Kiarostami, que provia poesias visuais através de pequenos detalhes e situações ínfimas do dia a dia das pessoas, principalmente relacionados às crianças. Em resumo, lembrou-me o melhor do cinema dos dois países, Índia e Irã. Uma combinação que beira à perfeição. Um modus operandi com o perfume da mais exuberante arte cinematográfica.

O mote da história é exibir a pureza intrínseca às crianças, mesmo estando inseridas em um contexto deveras obscuro, no qual, segundo a mãe de Dhunu, “só resta trabalhar duro”. É a lei da sobrevivência, na qual o trabalho é comparado até à religião – algo tão sensível às pessoas do país. Nesse mundo “beligerante”, há um esforço de desmistificação da figura da mulher na sociedade rural indiana, que tende a ser muito mais conservadora do que a urbana, por buscar uma salvação praticamente diária, pois há uma concessão de força às protagonistas femininas que normalmente se vê atribuída aos homens. A mãe de Dhunu é viúva, pois perdeu seu marido para a força suprema da natureza, que inunda a cada ano os campos da região – essa morte, diga-se de passagem, consubstancia-se em um simbolismo mais do que perfeito. Por conta disso, ela herda a gerência da família, até pela impossibilidade moral de se casar novamente. Talvez, por ser mulher e sofrer na pele todas as restrições impostas pela sociedade, ela educa sua filha com uma liberdade surreal para os padrões locais, mas relativa em relação às tradições indianas. Esse embate entre liberdade e tradição é um grande ponto de interesse da narrativa, pois há uma busca de equilíbrio, que, no meu entender, foi muito bem sucedida e trabalhada, uma vez que há a repressão, a luta, a vitória e a derrota.

O espírito resiliente das crianças fascina, a oportunidade de imaginar uma realidade tão distante cativa, o amor de Dhunu por sua cabrita envolve e a possibilidade de ver um sonho realizado, quando tudo parece perdido, emociona. Tudo isso nada mais são que lembranças de infância da diretora Rima Das. Nada mais é que a própria vida, que parece tão longínqua, mas, ao mesmo tempo, aproxima-se tanto da realidade de muitos de nossos semelhantes. Através do cinema, temos a oportunidade e o prazer de ter contato com histórias inspiradoras como essa, ou seja, de ter contato com a beleza que um simples e puro anseio pueril proporciona. Essa é a singela vida real! Esse é o cinema espetacular! É impossível não sentir um sinestésico odor de terra molhada durante a exibição de “Village Rockstars“.

Desta vez, a Índia esteve muito bem representada na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro, mas, infelizmente, ficou pelo caminho na disputa.

Apenas uma última observação: não há dançinhas no filme.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

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