As pequenas margaridas (1966)

Título original: Sedmikrásky

Título em inglês: Daisies

País: Tchecoslováquia

Duração: 1 h e 14 min

Gênero: Comédia

Elenco Principal:  Ivana Karbanová, Jitka Cerhová

Diretora: Vera Chytilová

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0060959/


As pequenas margaridas: “O cômico absurdo politicamente incorreto descrevendo uma nuance da conjuntura social tchecoslovaca – e europeia – da década de 60.”


“Este filme é dedicado para aqueles que se indignam apenas por umas saladas pisoteadas.”


Antes de tudo, é imperioso definir e caracterizar rapidamente o movimento cinematográfico no qual o filme em tela estava inserido. Trata-se da Nová Vlna – a Nouvelle Vague tchecoslovaca. Como o objetivo deste post é discorrer sobre “As pequenas margaridas“, o movimento a que aludi será objeto de uma publicação específica posteriormente. A Nová Vlna foi um movimento sobretudo de crítica e afrontamento velado à opressão proporcionada por regimes ditatoriais comunistas, que perduraram no país de 1948 a 1989, entretanto outros objetivos também foram buscados, como exibir a realidade europeia e principalmente da Tchecoslováquia e dos países vizinhos da época. A restrição de liberdade de expressão levou os cineastas a se comunicarem com seu público de uma maneira deveras metafórica – como uma camuflagem -, mas, mesmo assim, as obras da Nová Vlna não foram bem recebidas pelo seu governo e seus realizadores sofreram duras consequências graças a elas. A Nová Vlna pode ser dividida entre os filmes tchecos, normalmente de conotações satíricas, surrealistas e absurdas, e os filmes eslovacos, que exploram o psicológico e o trágico. O surrealismo e comédia sempre foram grandes artifícios cinematográficos para o movimento e podemos identificá-los facilmente no filme em tela. Como visto, trata-se de um movimento muito rico, pois podemos identificar em seus filmes, além de muita ousadia técnica, muita significância em suas mensagens.

Eis a sinopse: “Utilizando-se de avançados efeitos especiais para a época, Vera Chytilová dirigiu esta obra surrealista que conta a história de duas irmãs chamadas Marie, que decidem se adequar ao mundo como ele está: sendo depravadas. Portanto, ambas partem para uma série de encontros forjados e travessuras, desconstruindo o mundo ao seu redor.”

Que frase final e que sinopse interessantes! Indignar-se com algumas saladas pisoteadas era muito pouco, dada a magnitude da opressão imposta pelo Estado comunista à população na época, mesmo a Europa estando em um período de ebulição social ao vivenciar um contexto de aproximação entre o sexo masculino e o feminino em relação a liberdades individuais, tanto legais quanto de costumes. A mulher ainda era vista como objeto ou símbolo de submissão, mas tudo isso começava a mudar. É nessa linha de raciocínio que o filme em tela se desenvolve, considerando o conceito de degradação em diversos aspectos, que vão desde o viés sexual até atos explicitamente imorais e ilegais, principalmente se for levado em consideração o comportamento padrão das mulheres de décadas anteriores. É bom lembrar que depravação é o ato ou efeito de alterar para pior, entretanto, na época, esse pior era o melhor e o cotidiano em determinadas circunstâncias. Mesmo hoje, mais de 50 anos depois, só para deixar registrada a grandeza da ousadia narrativa, algumas das situações mostradas no filme ainda geram estranheza.

Um dos grandes atrativos do filme é o estilo visual empregado na construção das cenas. O filme é uma droga – no sentido “depravado” da palavra, ou seja, uma droga ilícita que leva o indivíduo a uma viagem, a um barato, etc. – e esse substantivo, com função de adjetivo, atribuído a ele não se resume apenas ao enredo e à necessidade de interpretação requerida imposta ao espectador, mas também dos recursos visuais utilizados, que, como descrito na sinopse, eram realmente muito avançados para a época. A diretora brinca com as cores, insere vídeos e imagens da natureza e de guerra entre as cenas, insere frases “datilografadas”, destaca partes dos corpos das protagonistas, desfoca as imagens, utiliza o zoom de uma maneira não usual, etc. Em resumo, a diretora brinca com as imagens. Tudo isso jovializa à obra e a deixa “pop” ou “cult“. O empoderamento feminino, que é um termo tão em moda hoje em dia, é mostrado de forma bem especial: como um inconformismo psicodélico!

É indubitável que “As pequenas margaridas” não é um filme para todos, pelo contrário, é para muito poucos. Posso fazer uma analogia a obras expostas em um museu de arte moderna, cuja percepções por parte do público podem ser inúmeras e inclusive nenhuma. O próprio surrealismo em si já se encarrega de conceder um caráter absurdo e inexplicável às cenas, que são desconexas em sua maioria, mas coadunam com a palavra-chave da narrativa: liberdade, travestida a todo momento de libertinagem, para resultar em depravação. O comportamento das protagonistas pode ser até compreensível, pois, sendo metafórico, “até o mar era proibido” e elas estavam desfrutando pela primeira vez da beleza que ele proporciona. É um filme realmente difícil, surreal, mas não deixa de ser uma jornada pitoresca e bastante diferente em relação ao que estamos acostumados a consumir no cinema. Vale a pena assistir a essa obra, nem que seja por curiosidade, ou para desfrutar de “novos sabores”.

O trailer com legendas em holandês e o filme completo com legendas em português seguem abaixo.

Adriano Zumba



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