1964: O Brasil entre armas e livros (2019)

País: Brasil

Duração: 2 h e 07 min

Gênero: Documentário

Diretores: Filipe Valerim, Lucas Ferrugem


Opinião: “Didático e duvidoso apanhado histórico, repleto de informação e vazio de isenção.”


Antes de começar este texto, gostaria de informar a vocês, caros leitores, que não tenho paixões políticas. Meus pensamentos e convicções me levam a defender como ideologia algo que aproveite o melhor dos dois mundos – do capitalismo e do socialismo -, como a social democracia que hoje é implementada na Suécia. Então, pretendo analisar o documentário de forma justa e imparcial.

Fatos históricos vistos como retratos em uma parede muitas vezes perdem parte de sua significância, resumem-se a frias peças de museu exibidas com o único propósito de preservação da memória. A história deve ser interpretada, e os resultados dessa atividade são fontes inesgotáveis de controvérsias e polêmicas, pois não é raro o aproveitamento de fatos concretos e pretéritos em nome de alguma causa, para moldar ou influenciar o presente. Em todas as conjunturas, a verdade é sempre salutar, e, num filme documental, ela ganha ares de extrema importância, afinal, o próprio gênero cinematográfico de uma obra como essa, o documentário, já nos leva automaticamente a pensar em um “documento”, algo que exibe informações presumidamente verdadeiras. No entanto, a manipulação da (suposta) verdade, através, principalmente, da ocultação de informações, da parcialidade – explícita ou velada -, da interpretação por conveniência, ou mesmo da inclusão de inverdades – até absurdas -, pode conceder entendimentos diversos aos espectadores sobre um determinado assunto. É o caso do filme em tela!

1964: O Brasil entre armas e livros“, apesar de sugerir foco em um evento certo e determinado, o chamado “Golpe de 1964”, apresenta um abrangência “secular” em sua narrativa, porque considera fatos desde a deposição dos czares na Revolução Russa, por Vladimir Lenin, em 1917, até os dias de hoje, ou seja, 102 anos de história, condensados em pouco mais de duas horas de exibição. Não tenho como criticar esse aspecto, é realmente um excelente conjunto de eventos históricos, mostrados de forma bem didática, que construíram a conjuntura política do Brasil e do mundo nos últimos 100 anos. O problema, como já citei no primeiro parágrafo, é a interpretação concedida a esses eventos e um dos supostos escusos propósitos – ou alvos – que quer se atingir após duas horas de demonização. A última cena do documentário diz tudo! Até o som de fundo aumenta e se torna mais impactante para intensificar o viés trágico! Dada a polarização política que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos, que, por sinal, atingiu níveis estratosféricos na última eleição, na qual o candidato de extrema-direita foi o vencedor, dá a impressão de que o filme compunha o seu material de campanha, pela simples interpretação de suas palavras nas últimas semanas e pelo ataque direto às pessoas consideradas por ele como seus eternos alvos vermelhos. Não estou, no entanto, eximindo tais “alvos” de sua culpabilidade em relação aos atos ilícitos que praticaram.

Na narrativa, os chamados comunistas – em uma abrangência mundial – são considerados, sem a mínima vergonha ou pudor, como os vilões da história. Novamente, não estou, contudo, defendendo-os ou os considerando como vítimas, pois a história já mostrou a quantidade de atrocidades que eles cometeram ao longo do tempo, como o Holocausto Soviético, por exemplo. Entretanto, o documentário poderia perfeitamente se chamar “O comunismo no Brasil: suas origens e suas conseqüências“, que ainda assim estaria coerente com o discurso e as cenas apresentadas. Os diretores, apesar de realmente destinarem boa parte do filme ao evento acontecido em 1964, mesmo que interpretado de acordo com suas conveniências – ou de outrem -, apresentam uma necessidade quase fanática de acusar e instigar o ódio contra as pessoas do lado vermelho da história, algo que, por sinal, foi “diretriz informal” de campanha do último presidente eleito. Mesmo tendo esse direcionamento ideológico “líquido e certo”, há espaço para um pequeno mea culpa, pois a narrativa elenca elementos formais para afirmar que o acontecido em 1964 foi realmente um golpe parlamentar/militar, e não uma revolução, como alguns pregam. Além disso, há a admissão de alguns assassinatos e da prática de tortura pelo regime militar. Se formos somar o tempo destinado a essa “confissão de culpa” não chegamos a 5 minutos de narrativa.

No final de 2017, foi publicado o livro “1964 – O elo perdido: O Brasil nos arquivos do serviço secreto comunista“, de Vladimir Petrilák e Mauro Kraenski. Este livro trouxe à tona fatos até então desconhecidos, que têm correlação direta com aquele fatídico 31 de março de 1964 no Brasil. Segundo a obra, após 3 anos de pesquisas nos arquivos da StB – o Serviço de Inteligência Tcheca -, ficou constatado que havia espiões tchecos infiltrados em uma série de países da América Latina para massificar a ideologia comunista na região, inclusive no Brasil, e que, juntamente com as lideranças comunistas brasileiras, estavam organizando uma revolução armada para tomada de poder no país. Ambos os autores participam do documentário em tela para ratificar suas palavras. Não deixa de ser interessante! Além da presença, no filme, destes convidados estrangeiros, entre outros, há uma presença que chama a atenção: o chamado “guru do bolsonarismo”, o escritor Olavo de Carvalho, que tece suas impressões sobre a história política do Brasil.

Por tudo que expus acima, considero “1964: O Brasil entre armas e livros” um “filme de conveniência” e até irresponsável, pois, pelo fanatismo instalado no Brasil atualmente, não será raro as pessoas considerarem essa narrativa como a única verdade – e ela é apenas um complemento, é apenas um lado da moeda. Um filme que mostra o que parte da população brasileira, diga-se, os eleitores do atual governo, quer ver e ouvir. Apenas mais uma forma de disseminação do ódio, que se encontra tão em voga em terras tupiniquins. Ouvir a “parte acusada”, para que o próprio espectador tirasse suas conclusões, seria bastante pertinente. Preciso tratar as cenas mostradas no filme como presumidamente verdadeiras, por a obra ter sido vendida como um documentário, mas, após assistir a ela, tenho sérias ressalvas, pois há cenas que beiram o ridículo, como, entre muitas outras, uma que trata das motivações para construir Brasília, e outra que mostra uma foto tirada em Serra Pelada, décadas após o Golpe, e a vende como se fosse pessoas de alguma Liga Camponesa “armadas para a revolução”. Considero que não havia santos naquele contexto, até porque havia Estados Unidos de um lado e União Soviética de outro em plena Guerra Fria, e ambos possuíam interesses escusos, mas considero que foi perdida uma ótima oportunidade de se produzir um documentário completo, definitivo e imparcial sobre o Golpe de 1964, que foi um evento tão importante da história do Brasil. Relativizar a tortura e a censura foi a gota d’água! O fio de credibilidade que porventura existia foi jogado na lata do lixo!

Esse é o que chamo realmente de filme político – de campanha política! Quanto mais se repete uma narrativa, mais ela “cola” na cabeça das pessoas – a última eleição mais do que prova essa afirmação.

Pode valer apenas como um relato histórico incompleto – para quem acredita nele – e como uma obra cinematográfica que beira o amadororismo, nada mais! Quem sabe não é produzida a parte 2 desse filme, mostrando o ponto de vista contrário, pois, o alcançe de um filme disponibilizado gratuitamente no Youtube é maior do que o de qualquer livro de história, e se se deseja promover uma revisão da história, deve-se mostrar os dois lados dela e, sobretudo, possuir uma narrativa honesta, para que cada um faça o seu juízo de valor. Aí sim os pingos serão colocados em seus respectivos is, afinal, o contraditório está consagrado na Constituição do nosso Brasil varonil. Até quando?

Por enquanto, esse filme é apenas mais uma de muitas fontes que jorram ódio em abundância. Bebam de sua água se quiserem, mas já estão avisados!

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


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