História de um casamento (2019)

Título original: Marriage story

Países: Estados Unidos, Reino Unido

Duração: 2 h e 20 min

Gêneros: Comédia, drama, romance

Elenco Principal: Adam Driver, Scarlett Johansson, Julia Greer

Diretor: Noah Baumbach

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt7653254/


Citação: “O advogado criminal vê más as pessoas bem comportadas. O advogado de divórcio vê as boas mal comportadas.”


Opinião: “Tão honesto que atormenta.”


Preciso confessar que fui assistir a “História de um casamento” com um certo preconceito, por saber da temática principal abordada: o divórcio de um casal que possui filhos.  Meu pré-julgamento advém principalmente do meu apreço pelo filme “Kramer vs. Kramer” (1979), o qual considero a obra definitiva sobre o tema pelos mais diversos motivos: por ter ganho o Oscar de Melhor Filme deixando para trás simplesmente o magnífico “Apocalipse Now” (1979), por ter Dustin Hoffman e Meryl Streep em atuações monstro, por contar com uma narrativa deveras emocionante e envolvente, que mostra a belíssima aproximação entre pai e filho, etc. Entretanto, após minha experiência com o filme em tela, preciso abrir espaço na minha galeria para uma obra que não é apenas mais um “filme de divórcio”, que considero uma temática com pouco a se abordar além do que se considera usual. Por também contar com uma dupla de protagonistas com atuações espetaculares e ser baseado na própria história de separação do diretor, Noah Baumbach, que por si só é uma história incomum, mas que, por uma série de motivos, entra na seara do convencional, o filme exala realismo em seu enredo durante toda a sua exibição. Seus diálogos são profundos e nada é forçado, tudo é natural e intrínseco. Tenho certeza de que a narrativa do filme em tela atingirá em cheio o coração de seu público, não apenas pela familiaridade que aproxima, mas pela quantidade de emoção proporcionada.

Eis a sinopse: “Nicole e seu marido Charlie estão passando por muitos problemas e decidem se divorciar. Os dois concordam em não contratar advogados para tratar do divórcio, mas Nicole muda de ideia após receber a indicação de Nora Fanshaw, especialista no assunto.”

História de um casamento” é uma ode à conciliação judicial, que é um instrumento que permite que um problema entre duas partes seja resolvido por um juiz ou um mediador sem a necessidade de abertura de processo judicial. Citei que a história real do diretor era incomum, porque o divórcio com sua ex-esposa estava acordado para ser amigável, o que não é usual devido à presença de bens e filhos em comum. No filme em tela, a entrada em cena dos advogados, principalmente da personagem de Laura Dern – sobre a qual preciso tirar o chapéu para sua atuação, principalmente por achar terrivelmente ruim o seu trabalho em “Jurassic Park” (1993) -, transfere, como já salientado, a história para a vala comum, ou seja, o litígio toma corpo, e, por conseguinte, inicia-se aquela série de desconstruções sobre o caráter dos envolvidos proporcionada pela atuação dos advogados. Após Charlie aparacer com um advogado “casca grossa”, achei interessante a colocação da advogada de Nicole: “agora é briga de rua”. Os advogados que são mergulhados em vidas de luxo e bonança “tocam fogo” na narrativa, enquanto o primeiro advogado de Charlie, um senhor bem menos abastado e com 3 divórcios em sua vida pessoal, tenta ser humano com seu cliente. Será uma crítica quanto ao desenvolvimento do trabalho de alguns desses profissionais? Cada um que faça seu julgamento.

Mesmo com tanto destaque para os “personagens jurídicos”, eles ficam em absoluto segundo plano, pois a construção do contexto que envolve Nicole, Charlie e Henry, o filho do casal, é muito delicada e especialíssima, mesmo se tratando de uma situação espinhosa, um divórcio. O amor e a admiração estão sempre em evidência, no entanto, a angústia também. É necessário salientar que trabalhar esses dois sentimentos concomitantemente não é uma tarefa fácil e o filme implementa com maestria essa tarefa. Charlie e Nicole desenvolvem arcos dramáticos variáveis no tocante aos sentimentos, mas, em momento algum, mesmo nas cenas de embate entre os dois, o espectador deixa de considerar que há amor no contexto. Fica aquele quê de injustiça pela separação do casal, pois, talvez, uma forçinha a mais por parte dos envolvidos salvasse a relação. Percebe-se que o amor não acabou, apenas a simbiose que foi construída não se sustenta mais – a relação de subordinação advinda da profissão do casal acaba se refletindo na relação conjugal. O próprio poster faz questão de mostrar uma família feliz. A delicadeza ora citada pode ser representada por inúmeras passagens, mas preciso destacar uma: o fechamento devagar de um portão onde, de um lado está Charlie e Henry, e, do outro, Nicole. Magnífico o simbolismo dessa cena. Por outro lado, a única briga séria do casal em todo filme não é nada delicada. Evidencia desespero, agressividade, perda da razão, como é realmente esperado, mas, mesmo assim, o sentimento está ao lado, contemplando, com lágrimas nos olhos, o fim que se avizinha. Trata-se de uma cena memorável, na qual os artistas dão o máximo de si e indubitavelmente garantem suas indicações ao Oscar. Adam Driver simplesmente entrega a melhor atuação de sua breve carreira e consolida seu lugar dentre os astros de Hollywood do momento. Quanto à Scarlett Johansson, acredito que ela deixa para trás o estigma da Viúva Negra da Marvel em uma atuação a que Meryl Streep deveria assistir. Ademais, o filme não se furta de mostrar momentos acessórios que fazem parte de uma suposta conjuntura real sobre a situação dramatizada: algum tipo de predileção – mesmo que influenciada – por parte do filho, o prosseguimento da vida com o nascimento de novos relacionamentos conjugais, a tentativa de conceder um caráter de normalidade à situação, como algo que pode acontecer na vida de qualquer pessoa, a dependência emocional revelada em pequenos atos, etc. Percebe-se que nada falta à narrativa, o que proporciona uma experiência completa ao espectador, bem como emocionante, pela própria essência da temática abordada e maneira singela como foi trabalhada. É um dos melhores filmes do ano de 2019.

Vejo um caminho dourado para “História de um casamento” na temporada de premiações. Se vai ganhar o Oscar de Melhor Filme, é difícil prever, princiapalmente por ter “O irlandês” (2019) e “Parasita” (2019) no caminho, mas, com certeza, será um dos filmes mais laureados em diversas categorias. Ainda escolho o filme de Scorsese como meu favorito, mas a dramatização dessa passagem difícil da vida de Noah Baumbach colocou uma pulga atrás da minha orelha. Filme nota 10. Dêem suas opiniões.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba.


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