Dois Papas (2019)

Título original: The two popes

Duração: 2 h e 05 min

Países: Reino Unido, Itália, Argentina, Estados Unidos

Gêneros: Biografia, comédia, drama

Elenco Principal: Anthony Hopkins, Jonathan Pryce, Juan Minujín

Diretor: Fernando Meirelles

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt8404614/


Citações:

  • “Estamos vendo a globalização da indiferença. Há uma cultura de conflito que nos faz pensar em nós mesmos, que nos faz viver em bolhas. Onde o amor é insubstancial. Nos acostumamos com o sofrimento dos outros, ele não nos afeta.”
  • “Como um argentino se mata? Ele sobe no topo do próprio ego e pula.”
  • “Você não lidera pelo poder nem pelo intelecto, mas pela forma como vive.”
  • “A verdade pode ser vital, mas, sem amor, ela é insuportável.”

Opinião: “Concepções respeitosamente em rota de colisão, e que proporcionam concomitantemente reflexão e diversão.”


Em uma primeira passada de vista no poster e ao ler a sinopse, imagina-se que “Dois Papas “seja um filme extremamente chato, afinal, ao se depreender que exista uma narrativa baseada em conversas existenciais entre dois pontífices, há normalmente uma repulsa imediata por uma suposta seriedade e complexidade do enredo, entretanto, graças às forças divinas – e ao roteiro bem construído -, tal prejulgamento é um grandíssimo ledo engano, para a alegria de quem gosta do bom cinema. Trata-se de um filme delicioso de se assistir, com tiradas cômicas bem inseridas no contexto e com diálogos respeitosos, inteligentes e com a profundidade adequada, os quais, mesmo assim, deixam uma série de mensagens pertinentes sem, no entanto, transformar a experiência do espectador em uma aula de filosofia. Seguem abaixo as minhas impressões sobre o filme em tela.

Eis a sinopse: “Buenos Aires, 2012. O cardeal argentino Jorge Bergoglio está decidido a pedir sua aposentadoria, devido a divergências sobre a forma como o papa Bento XVI tem conduzido a Igreja. Com a passagem já comprada para Roma, ele é surpreendido com o convite do próprio papa para visitá-lo. Ao chegar, eles iniciam uma longa conversa onde debatem não só os rumos do catolicismo, mas também afeições e peculiaridades da personalidade de cada um.”

O mundo é um dínamo! As sociedades modificam seus valores a cada geração e, por conseguinte, as intituições, em nome da sobrevivência, devem se adaptar às novas realidades. No caso do filme em tela, o foco é a Igreja católica, que é um ente sempre difícil de abordar, pelo tradicionalismo de suas condutas e a influência que exerce sobre bilhões de fiéis aos redor do mundo. Com isso em mente, Fernando Meirelles se exime de qualquer polêmica ao se basear em fatos verídicos, e, portanto, retirar de seu filme a capacidade de desagradar aos mais fanáticos, mesmo fazendo alusão a alguns crimes cometidos pela Igreja ao longo da história. Percebe-se uma narrativa equilibrada que intercala momentos dramáticos e engraçados, e, também, fatos históricos e presumidamente ficcionais, pois há passagens que são até difíceis de imaginar que realmente existiram, dada a jocosidade apresentada. Com essa pegada, o roteiro, através de seus dois protagonistas, lança mão de um embate eterno, que, hoje, vivenciamos inclusive no âmbito político: o conservadorismo versus o progressismo. O conservador Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, e o progressista Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, proporcionam momentos literalmente mágicos ao espectador, que transitam em searas espirituais e eclesiásticas, mas cujas abordagens terminam sempre na seara humana, afinal, ambos são apenas seres humanos, mesmo sendo, em suas próprias épocas, os representantes máximos da Igreja de Pedro nesse plano terreno. A habilidosa narrativa segue o rumo da história real, passeando pelo passado, olhando para o futuro, e, sobretudo, instando o espectador à reflexão sobre os rumos da Igreja católica.

A sagacidade de Meirelles atingiu níveis extremos ao inserir elementos no mínimo excêntricos num filme que versa sobre dois Papas, e esse é um dos diferenciais de sua obra. A trilha sonora é um dos pontos altos. Há, por exemplo, a audiência de “Dancing Queen” do Abba, em meio ao conclave. Difícil até achar adjetivos para tamanha ousadia, mas o resultado foi espetacular. Pode-ouvir ainda “Blackbird“, dos Beatles, “Besame Mucho“, de Consuelo Velásquez, etc. A utilização de alguns gostos pessoais – e reais – de ambos os Papas na história foi bastante oportuno, até para trazer mais realidade à narrativa. Ratzinger toca seu piano, ao passo que elucubra, e Bergoglio não esconde seu fanatismo – e seu amor, e seu sofrimento – pelo futebol, e esse detalhe é responsável por um desfecho absolutmente especial. Toda a mise en cène do filme deve ser destacada, com locações e fotografia belíssimas, figurino bastante real e direção de arte competente, etc. Trata-se realmente de um trabalho primoroso.

Deve-se destacar com muita veemência a atuação de Anthony Hopkings e Johnatan Price, que interpretam os dois protagonistas. Ambos entregam uma incoporação que impressiona, e mostram personagens que exalam realidade, inclusive em relação à aparência física e o jeito de ser de cada um. Essa afirmação pode ser corroborada por meio do grande número de nomeações na temporada de premiações e pela aparição dos personagens reais nos últimos minutos do filme, o que propicia uma comparação automática. Ao fim da exibição, percebe-se que “Dois Papas” acerta bem no alvo no tocante à construção de seu roteiro, intercalando diálogos muito bem desenvolvidos entre os protagonistas e rabiscos reais da história – para que a narrativa mantenha dois fios condutores, o embate filosófico e a vida de Bergoglio – e, também, retira um pouco da subjetividade pujante das temáticas abordadas ao jogar os holofotes na essência do ser humano e não em conceitos ou percepções preestabelecidos. Além de tudo, há várias cerejas nesse bolo cinematográfico especial. Citando apenas duas: aprende-se a diferença entre concessão e mudança, que é muito sutil, e há a confirmação divina de que cerveja e futebol são a combinação perfeita.  🙂

Melhor filme de Meirelles desde “Cidade de Deus” (2002).

Garantia de excelentes duas horas de experiência.

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba


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