100 Yen Love

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Meu cônjuge (risos, melhor palavra, tenho que usar toda hora) adora um filme japonês, principalmente os antigos. Desses eu fico com um pouco de preguiça, tenho que admitir, mas com os contemporâneos a preguiça meio que vai embora. Não é todo filme que a gente vê junto, às vezes os gostos não batem, então pra gente fazer uma sessão eu baixei por torrent (sim, eu cometo esse crime) dois que tinham a ver com o Japão. O primeiro  é um filme que se passava lá, mas pela visão europeia, todo fofinho; o outro era a escolha japonesa para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro, com uma menina não muito simpática no cartaz. Minha primeira escolha foi o filme fofo, Tokyo Fiancée. Bota fofo nisso (#kawaii). Muitas imagens lindas de Tóquio, aquele retrato ao mesmo tempo urbano e tradicional que a gente sempre vê. Pelo menos eu sempre vi o Japão assim: tecnologia, prédios, e casas organizadas e minimalistas, cerejeiras, gatos, pessoas ordeiras. Perfeição. Isso sempre me atraiu. Eu me enrolei um pouco para ver o segundo filme, 100 Yen Love, mas acabei encarando ele ontem. 

Nem sei como começar a falar dele. 100 Yen Love me mostrou um outra ideia de Japão. Quando não conhecemos um lugar, os filmes acabam sendo muito importantes   pra que visualizemos aquele pedaço do mundo em nossa imaginação. A tal “perfeição” do Japão é ingênua, eu sei e sempre soube, mas quando você vê no noticiário que as crianças japonesas limpam os banheiros da escola, e que depois de um jogo de futebol os adultos catam o lixo do estádio, você fica meio tentada a acreditar na idealização que já tinha formulado, de um jeito ou de outro.

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Mas o país mostrado em 100 Yen Love não é nem um pouco fofo, e seus personagens passam muito longe da perfeição. Quando eu vi a primeira cena eu não poderia imaginar que no fim estaria torcendo loucamente pela protagonista: as pessoas são bagunceiras, tortas, mal arrumadas, assim como os lugares onde vivem. Isso pode até fazer com que o filme fique feio, dependendo do ponto de vista de quem vê. Sabe o jeito que você vê a rua da sua casa? O mercadinho que tem em algum lugar por perto? O bar? Aqui no Brasil é assim: andando por qualquer lugar, você vai esbarrar com uma rua mais tristinha, e eu nem falo de pobreza, só digo que nem tudo vai ter uma super arquitetura. Foi assim no filme. Eu encarei muitas ruas tristinhas, cinzentas e sem graça. Uma cena em especial no zoológico me chamou a atenção. Pessoas comuns com roupas comuns, num lugar tão comum que poderia ser um zoológico daqui com pessoas daqui. Ver um Japão menos colorido e imperfeito foi novidade, mas não me incomodou.

Só que a esqualidez não era só na fotografia. Ichiko, a protagonista, é uma menina (menina mesmo!) de 32 anos que mora com a mãe, o pai, a irmã e o sobrinho. No começo, ela aparece de pijama, com os cabelos sujos e desalinhados, jogando vídeo-game com o sobrinho de uns 8 anos. Ali já dá pra notar que ela está vivendo atolada na inércia. Mas isso não é visto com condescendência. Algumas cenas depois, descobrimos que Ichiko está com gengivite e precisa de uma consulta ao dentista, mas se recusa a ir; tudo isso pra que o filme nos conte que além de claramente não tomar banho, ela não escova os dentes há um bom tempo. Bota inércia nesta vida.

O que traz movimento à história é que depois de uma briga com a irmã, que não aguenta mais o estilo de vida da personagem principal, a mãe resolve ajudar Ichiko a se estabelecer em um apartamento para, no susto, tomar um rumo na vida. Ela se muda, arranja um emprego em uma lojinha de conveniência, mas a apatia não diminui. O cabelo continua escondendo o rosto, as roupas continuam sendo qualquer trapo. A aparência e o desleixo dela são de alguém que não consegue lidar com a vida e com as normas sociais.

Isso se arrasta até Ichiko conhecer um “jovem” boxeador – conhecer é um jeito simpático de colocar as coisas, o que os dois fazem está mais para dois animais se rondando. De um jeito bem maluco, eles acabam se envolvendo, mas como são duas pessoas que não possuem qualquer tato social, o relacionamento não vai para frente. Este fato, junto a outro que eu prefiro não comentar para evitar o spoiler, vão fazer Ichiko finalmente sair da letargia. 

É aí que o filme muda, e de repente Ichiko está treinando boxe e a história só melhora.Treinar acaba não sendo suficiente, e ela quer fazer pelo menos uma luta profissional enquanto ainda está abaixo da idade limite. A obstinação que ela encontra é comovente, e no fim, como eu disse, eu estava torcendo muito por ela. É nessa hora que aparece o tema principal de 100 Yen Love: a angústia com o fim da juventude e com as perspectivas para o futuro. 

tumblr_ntpox3clo11u9g95uo1_400Eu não sei se eu tenho visto muitos filmes com esse tema, ou se essa é a realidade de agora e por isso o tema está por tudo. Só sei que toda hora eu me deparo com a questão do adulto de 20 e poucos ou 30 anos que ainda vive como adolescente, e que vai nos fazer perceber como é difícil sair do torpor e começar a viver com os próprios pés. Para mim, a questão ganhou uma nova face pois 100 Yen Love estica a idade do casal para 32 e 37 anos. 

Esse assunto importante e, pelo jeito, atualíssimo poderia ser chato e pretensioso, mas esse filme vindo do Japão – diferente dos americanos que querem discutir isso de forma ansiosa e só dão voltas no tema – pretende, pelo menos, trazer uma resposta. Ao fim do filme, os personagens pelos quais a gente aprendeu a torcer conseguem achar uma solução, que é mais ou menos a seguinte: viva, poxa, pois mesmo na derrota só existe uma solução, que é seguir em frente. Essa mensagem, com o tanto de crueza e de verdade que ela traz, me tocou muito, e assim 100 Yen Love me mostrou um Japão pela perspectiva dos que não são o estereótipo da perfeição. 

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