Estrada Perdida

David Lynch disse ao escritor Barry Gifford que Lost Highway seria um ótimo nome para um filme. A partir desse nome, os dois escreveram o roteiro para Estrada Perdida, a segunda parceira entre eles. Adotando uma linguagem bem diferente do primeiro projeto que eles fizeram juntos, Coração Selvagem, Estrada Perdida nos coloca em um caminho confuso, com personagens estranhos, histórias que se misturam e parecem flutuar entre a realidade e o mundo dos sonhos. Como na maior parte da filmografia de Lynch, buscar um sentido literal para a trama pode frustrar o espectador – e analisar o filme focando apenas no seu roteiro seria como olhar a ponta de um iceberg e desconsiderar o seu real tamanho. A estrutura não-linear da narrativa, aliada a temas como troca de memória e corpo, e realidades paralelas, proporcionam diversas interpretações e diferentes modos para abordar o filme. Dessa maneira, o espectador pode explorar tudo que ele oferece e não enxergar apenas um “quebra-cabeça” para montar ao final da projeção.

Lynch é um diretor que conta suas histórias com sensações, não apenas com palavras. Ele não quer que o espectador apenas entenda o que está assistindo, mas que ele sinta e mergulhe naquele universo. Estrada Perdida conta a história de Fred (Bill Pullman), um saxofonista de jazz que é acusado e preso pelo assassinato de sua mulher, Renee (Patricia Arquette), e, na prisão, inexplicavelmente, se transforma em um jovem mecânico e inicia sua vida novamente. O desenrolar da trama expõe o espectador a diversas situações surreais que mexem com suas emoções, colocando-o cada vez mais próximo dos personagens – mesmo quando a história não é clara ou uma cena parece contradizer a outra. A cena de abertura, onde Bill Pullman atende o interfone e anda pela casa, ainda que curta e sem apresentar muito sobre o personagem proporciona um sentimento de inquietação e estranhamento, deixando o espectador aflito à espera de algo ruim acontecer. Esses sentimentos e a imersão que o filme proporciona, devem-se ao apuro narrativo e visual sofisticado que Lynch possui ao contar uma história repleta de simbolismos, não-linear, surreal, e que foge da fórmula dos filmes Hollywoodianos.

Mesmo envolto nessa atmosfera surrealista, Lynch se preocupou em incorporar linguagem cinematográfica às suas histórias – algo que não acontecia muito em seus projetos anteriores. Estrada Perdida é o primeiro filme onde o diretor adéqua e mistura elementos de fantasia, ficção científica, thriller, e vários aspectos do film noir. Essa mistura inusitada não resultou numa boa recepção pelo público na época em que foi lançado, além de fracassar nas bilheterias e ser criticado negativamente pela imprensa especializada.

Felizmente, hoje o filme é visto com outros olhos. É elogiado e considerado à frente do seu tempo de quando foi lançado. Além disso, ele ajudou a pavimentar o caminho para outros dois grandes filmes de David Lynch, Cidade dos Sonhos Império dos Sonhos. Se você ainda não assistiu, ou assistirá novamente, a Estrada Perdida, procure não tentar entender e ligar todos os pontos da história e siga o que Fred fala:

“I like to remember things my own way […]

How I remembered them. Not necessarily the way they happened.”

(Eu gosto de lembrar das coisas do meu jeito […] Como eu lembrei delas. Não necessariamente como elas aconteceram.)

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