Crítica – O Destino de uma Nação (2017)


Repetir temas à exaustão é sinal de crise criativa?


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O cinema ama revisitar momentos históricos e contar biografias. Nesse caso, temos ambos. Somos inseridos em um recorte muito particular da Segunda Guerra Mundial através dos primeiros dias de Winston Churchill, interpretado por Gary Oldman (Drácula de Bram Stoker, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban), como primeiro-ministro do Reino Unido. Obras assim são sempre arriscadas por vários motivos. O primeiro deles é a possibilidade de cair no lugar comum e ser repetitivo visto que há inúmeras produções abordando o mesmo tema. Um filme que não acrescenta no debate ou que não é inventivo no seu tratamento pode ser considerado um fracasso uma vez que a intenção dessas obras geralmente não é só entreter. Outro motivo é o de não fazer jus aos fatos e personagens se afastando demais da realidade em prol da narratividade.

Felizmente, O Destino de uma Nação não cai em nenhuma dessas armadilhas. E o caminho não foi fácil. Principalmente depois de uma interpretação brilhante de John Lithgow como Churchill no seriado da Netflix, The Crown (2016-atualmente). E do mais novo filme de Christopher Nolan, Dunkirk (2017), abordar a mesma temática sob uma perspectiva diferente.

 O filme, dirigido por Joe Wright (Orgulho e Preconceito, Desejo e Reparação), escolhe mostrar os bastidores da guerra, as tomadas de decisão que antecederam o resgate das tropas na praia de Dunquerque. Para isso, começa com a renúncia do antecessor a Churchill, Neville Chamberlain, vivido por Ronald Pickup (O Exótico Hotel Marigold, Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo), passando por sua escolha como sucessor e seu primeiro mês de mandado. Nesse período, houve muita agitação no Parlamento, pois um grupo considerava a força de Hitler indestrutível e suas investidas na Europa Ocidental o deixavam cada vez mais próximo do Reino Unido. Assim, eles não encontravam outra saída senão fazer um acordo. O Rei George VI, na pele de Ben Mendelsohn (Rogue One: Uma História Star Wars, Reino Animal), tratou Churchill com desconfiança e desdém para só depois admirá-lo.

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Churchill em uma das conversas com o Rei George VI

Logo no primeiro enquadramento, percebemos que o filme preza pelo primor na fotografia de Bruno Delbonnel (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, Inside Llewyn Davis – Balada de Um Homem Comum) e pela forte assinatura do diretor. Um plano zenital¹, muito usado ao longo do filme para expressar diferentes sentidos narrativos, mostra uma discussão no Parlamento. A passagem do tempo é marcada com um texto sobre a imagem tomando boa parte da tela, o que, além de facilitar o andamento da narrativa, é um elemento estético interessante quando bem utilizado. Longos e rebuscados planos com travellings² e entrada e saída de personagens do enquadramento permeiam a obra nos dando tempo tanto para entender melhor o espaço fílmico quanto para apreciar detalhes do design de produção. A escolha de, com a fotografia, colocar Churchill em pequenos ambientes fechados, esmagado pela imensidão da tela preta passa uma sensação de isolamento e claustrofobia para representar o que o personagem sentia no momento.

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A representação do Parlamento inglês

O modo como o protagonista é apresentado, através do desfazer de camadas e envolto em uma aura misteriosa só reitera a imponência do personagem e da história. Tal imponência aos poucos é quebrada na humanização de Churchill, o que o diferencia das muitas obras que existem. Gary Oldman entrega um primeiro-ministro sisudo, mas carismático, cheio de facetas e trejeitos únicos e que age de maneira diferente dependendo da ocasião: em seus famosos discursos, quando está em diálogo com o rei, quando está com sua família.

O elenco está à altura das qualidades técnicas e estéticas do longa. A maquiagem de Churchill é perfeita ao compor todos os elementos que lembram o político, mas sem esconder completamente o ator. E a composição de Oldman vai além da maquiagem, envolve a expressão corporal e labial, a projeção vocal e o olhar. Ben Mendelsohn e Lily James (Cinderela, Em Ritmo de Fuga), que interpreta a secretária de Winston, Elizabeth Nel, também merecem aplausos. Principalmente a atriz, cuja personagem se torna a porta de entrada do espectador na história.

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Um dos momentos de fragilidade do primeiro-ministro

O roteiro, que traz excelentes diálogos, ao humanizar Churchill e trazer tanto a visão do alto escalão da política quanto do povo, romantiza um pouco a história, mas não soa falso. Na verdade, é um filme sério sobre um tema importante, mas que apresenta uma leveza inerente à obra. Há uma certa teatralidade nas marcações, na fotografia e no texto que adicionam uma nova camada de interpretação ao longa.

O Destino de uma Nação é um filme que tem grandes pretensões e entrega um produto final à altura. O trabalho conjunto da equipe e os cuidados com a história e a estética são perceptíveis durante toda a projeção. Vale a pena ver e rever.

¹Plano zenital é quando a câmera é posicionada acima do cenário ou locação e direcionada diretamente para baixo, também chamado de plongée absoluto;
²Travelling é todo movimento no qual a câmera se desloca no espaço físico ao contrário de quando ela permanece parada ou gira somente em torno dos seus próprios eixos.

Nota:

Nota 6.0

Muito bom


Título Original: Darkest Hour
Data de Lançamento: 01 de setembro de 2017
Estreia no Brasil: 11 de janeiro de 2018
Direção: Joe Wright
Duração: 125 minutos
Elenco: Gary Oldman, Ben Mendelsohn, Lily James, Ronald Pickup, Kristin Scott Thomas, Stephen Dillane
Gêneros: Drama, Guerra, Biográfico
País: Reino Unido


 

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