Solitários, Hong Sung-Eun

“Solitários” cria retrato da solidão contemporânea em um mundo onde a tecnologia mais afasta do que aproxima

Filme é um bom cartão de visitas à obra do diretor sul-coreano Hong Sung-Eun


Avatar de Hernandes Matias Junior

“Por que você deseja voltar a 2002?”, pergunta uma personagem de “Solitários”, uma atendente de telemarketing receptivo de uma empresa de cartão de crédito, após o cliente dizer que deseja voltar no tempo. “Por causa da Copa do Mundo do Japão-Coreia, é claro. Todos éramos felizes, vestíamos as mesmas cores e vibrávamos pelo mesmo propósito. Hoje as pessoas são tão ocupadas”, ele responde.

A história se desenrola nesse mundano ambiente de uma central de atendimento, onde a personagem Jin Ah desempenha suas tarefas com eficiência, mas sua verdadeira habilidade é a habilidade de se desconectar do mundo ao seu redor.

A vida de Jin Ah é uma sinfonia silenciosa de rotina, pontuada apenas pela notícia chocante da morte de seu vizinho, pouco tempo depois da morte da própria mãe da protagonista, um evento que serve como uma rachadura na fachada imperturbável de sua solidão. A descoberta do corpo, uma semana após a morte, funciona como um catalisador para a protagonista, levando-a a examinar sua própria existência isolada e confrontar as barreiras emocionais que ela construiu ao longo do tempo.

Cuidadosamente elaborada, a narrativa permite que o espectador mergulhe nas complexidades da vida de Jin Ah. O filme capta a monotonia de sua existência através de uma cinematografia sutil, enfatizando os espaços vazios e a solidão que permeia sua jornada diária.

Essa solidão é interrompida quando Jin Ah recebe uma missão de treinar a nova funcionária da empresa, Su Jin. Jovem e extrovertida, Su Jin se apresenta como um desafio para Jin Ah, que tem dificuldades para se relacionar, seja no trabalho, seja na vida pessoal. No início, Jin Ah repreende as tentativas de Su Jin de se aproximar e a conhecer mais, mas o convívio das duas vai se tornando algo marcante para a protagonista.

Ao observarmos Jin Ah tentando lidar com a morte de seu vizinho, somos levados a refletir sobre a natureza da solidão na era digital. A câmera na casa da mãe de Jin Ah, há muito esquecida, simboliza a tecnologia como uma ferramenta de conexão e, paradoxalmente, de distanciamento. Este elemento, tão habilmente tecido na trama, evoca as preocupações filosóficas de Byung Chul Han sobre a sociedade contemporânea. No filme, a solidão da protagonista é preenchida pela tecnologia: sua televisão, seu celular, seu notebook.

Han, conhecido por suas análises perspicazes da sociedade do desempenho, veria em Jin Ah uma personificação de seu argumento sobre o isolamento na era da hiperconectividade. A busca incessante por produtividade e sucesso, delineada por Han, encontra eco na rotina metódica de Jin Ah, enquanto ela navega por uma vida de desempenho vazio, desconectada emocionalmente.

“Solitários” oferece uma reflexão provocativa sobre a superficialidade das interações humanas na era digital. A vigilância constante da câmera contrasta com a ausência real de conexão significativa, uma crítica mordaz à ilusão de interconectividade que a tecnologia contemporânea muitas vezes promete.


“Solitários”, Hong Sung-Eun

Disponível no MUBI

Avaliação: 4 de 5.

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