The Art of Self-Defense, santificada seja a vossa violência.

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Depois se ser espancado na rua por uma gangue de motoqueiros, o tímido contador Casey entra para uma academia de caratê, a fim de aprender a se proteger.

Como disse Churchill certa vez: “a história da raça humana é a guerra”. E ele não estava totalmente errado. É inescapável: você pode nunca ter se envolvido em brigas físicas, pode nunca ter levantado a voz para alguém, pode em sua vida inteira nunca ter feito mal a uma mísera muriçoca nas cálidas noites de algum lugar, mas com certeza já deve ter sentido uma vontade arrebatadora de arrastar a cara de alguém no asfalto (ou algo semelhante, vai). Em algum momento da vida, todo mundo já foi tentado por ondas primitivas de violência – essa nossa perene e fiel companheira.

Os mais variados eventos podem nos lançar em direção a ímpetos de violência (mesmo que não realizados) e, sinceramente? Tudo bem. Quer dizer, não que seja correto você deitar alguém na porrada ou matar outra pessoa, mas ter tais impulsos (aquele sentimento, sabe?) é algo totalmente natural. Por mais avesso que alguém seja a ideia de violência, às vezes o mundo trata perfeitamente de demonstrar como, mesmo assim, ninguém está alheio a ela. E foi mais ou menos isso o que aconteceu com o protagonista de The Art of Self-Defense, o segundo longa metragem da carreira de Riley Stearns.

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Em muito de si, o ato de pensar cinema está intimamente ligado ao ato de comparar, de traçar paralelos, de associar, etc. É por esse mesmo motivo que, quando assisti a esse filme há alguns meses, não me saía da cabeça uma outra produção: Clube da Luta, de David Fincher. E, bom, me parece bastante pertinente comparar The Art of Self-Defense com Clube da Luta. Por sua composição textual menos elaborada, é como uma versão menos bem sucedida do jovem clássico fincheriano, apesar da ligeira semelhança de tons. É claro que, mais objetivamente falando, isso não diminui em nada a qualidade de The Art of Self-Defense, que passa longe, bem longe, de não valer a pena.

The Art of Self-Defense é um filme muito bom em lidar com a problemática da masculinidade ou, melhor dizendo, de sua faceta menos agradável: aquela cuja violência é,  além de um refúgio de exultação e gozo, redentora. Stearns explora vários espaços aqui, como quando aborda o machismo contido na relação do mestre (ou do ambiente masculinizado do dojo) com Anna, sua única (e melhor) aluna. Mas o mais interessante, mesmo, se encontra na forma como o filme debocha dessa masculinidade, sugerindo a galopes – de sutilezas narrativas a abordagens mais manifestas – que esse tratamento quase litúrgico da violência seria um disfarce, ou talvez um catalizador, de tendências homossexuais.

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E é nesse ponto que entra a habilidade de Stearns como narrador. É na maneira com a qual ele articula esse senso de ironia através da imagem que está o grande trunfo do filme. Stearns é sempre muito sóbrio ao decupar seu roteiro – onde o ritmo um tanto ameno do filme é demarcado –, mas nunca sem extrair dali o melhor desenho narrativo; há um controle de imagem bastante interessante na maneira com a qual ele organiza seus planos, o que se observa perfeitamente nos ângulos onde põe Casey cara-a-cara com a pélvis dos homens com quem interage – mesmo que ele não esteja com o rosto próximo de tal região. Muito do humor de The Art of Self-Defense, aliás, emerge das várias situações desconfortáveis que decorrem direta ou indiretamente dessa ironia proposta por seu argumento.

Obviamente, o filme não se resume ao miolo, ao rescaldo, de suas premissas, ainda que isso seja de suma importância aqui. É, acima de tudo, uma dramédia muito competente, muito bem conduzida; carregada tanto pelo comportamento pitoresco e afetado do personagem de Jesse Eisenberg quanto pelas situações, coisas e pessoas com quem ele se relaciona… Numa cidade sem nome, meio parada, de poucas pessoas e um tanto quando decadente. É um contexto que, sob certa ótica, conversa muito bem com a proposta geral do filme – onde todo esse apatismo acaba sendo oportuno a aprimoração (faixa a faixa) de uma violência quase sacra.

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É possível que o humor negro, combinado com a ausência de uma dinâmica mais agitada, usual, afaste a fatia do público menos habituada com tramas desse naipe, mas gosto de acreditar (e tenho excelentes razões para isso) que The Art of Self-Defense, mesmo subestimado como foi, faz o tempo investido valer a pena.

“Por hoje é só. Curvem-se a mim. Curvem-se ao grande mestre.”

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