Machuca (2004)

Países: Chile, Espanha, Reino Unido, França

Duração: 2 h e 01 min

Gêneros: Biografia, drama, história

Elenco principal: Matías Quer, Ariel Mateluna, Manuela Martelli

Diretor: Andres Wood

IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0378284/


Citação: “O Senhor está tentando fazer uma lavagem cerebral em nossas crianças ao misturá-las com pessoas que elas não precisam conhecer.”


Opinião: “Um filme capaz de modificar percepções de vida.”


Sinopse: “Gonzalo Infante, um dos alunos mais ricos da escola, conhece Pedro Machuca, um menino humilde do subúrbio, que lhe mostra uma realidade desconhecida e o leva a questionar a sua própria situação.”


Antes do filme, vamos a uma aula rápida de história chilena para inseri-los no contexto da história. No início da década de 70, o Chile era governado por Salvador Allende, um político marxista e democraticamente eleito, que tentou implantar conceitos socialistas no país através de sua política chamada “via chilena para o socialismo”. A groso modo e teoricamente, tal regime privilegia a população de mais baixa renda e causa revolta nas elites. Ambos os lados estavam nas ruas protestando. Em 1973, com o apoio dos Estados Unidos, que não gostariam de ver outro regime socialista, além de Cuba, no continente americano, aconteceu um golpe militar através do qual Augusto Pinochet assumiu o poder e começou sua ditadura que duraria 17 anos. A controversa história diz que Allende se suicidou com uma arma dada pelo seu amigo Fidel Castro durante o golpe em curso. É nesse caos social de origem política que o filme se passa.

O padre McEnroe, diretor de uma escola particular inglesa para meninos e seguidor das ideias socialistas começou a admitir meninos pobres entre seus alunos. A história tem dois protagonistas, o menino pobre, Pedro Machuca, e o menino rico, Gonzalo Infante. Alheios à situação política caótica do país, que beirava a guerra civil – quando suas famílias ficariam em lados opostos -, e à diferença abissal de nível social entre eles, Machuca e Infante desenvolvem uma grande amizade. Uma relação rodeada de muito preconceito e desconfiança por parte das pessoas tanto de um lado quanto do outro. É interessante notar a reação de cada um deles ao ter o primeiro contato com a realidade oposta. Paralelamente à linha de raciocínio principal do filme, vemos a história das famílias de ambos: traição e futilidades na família de Infante, e necessidades e resiliência na família de Machuca por viver à margem da sociedade. Além disso, há outro personagem interessante, Silvana, uma menina pobre que desperta paixões no jovem rico. A pergunta que fica é: será que o golpe, a posterior ação do exército contra as pessoas tidas como comunistas e a diferença social conseguirão acabar com a amizade entre Machuca e Infante?

Apesar de o personagem pobre, Pedro Machuca, nomear o filme, é o personagem do menino rico, Gonzalo Infante, que chama mais a atenção durante a narrativa. Ele é um garoto que se mostra triste, principalmente pela condição de seus pais. Embora esteja inserido numa família abastada e estude no melhor colégio do Chile, sua felicidade é influenciada diretamente pelo adultério de sua mãe. Além disso, nota-se, desde o início, que sua maneira de agir é diferente em relação ao embate de ideologias em curso no país, que funciona como uma cortina de fumaça para aquela eterna luta de classes entre os detentores do capital e os que necessitam dele para sobreviver, que já conhecemos através de vários casos na história da humanidade. Interessante observar que em um determinado momento “a realidade social vem à tona” por intermédio de um desentendimento entre os protagonistas, através das palavras usadas como xingamento pelos dois lados. Nesse contexto, apesar de ser sugerido o contrário, não identificamos hipocrisia alguma em Infante, por ter sua cabeça girando em um “tornado de emoções” decorrentes da amizade entre ele e Machuca e as experiências que eles passam juntos, incluindo o conhecimento do “outro lado da moeda”: a realidade pobre da periferia de Santiago. Infante é um garoto que tem a humanidade como um de seus valores mais pujantes, apesar da facilidade de “contaminação” pelo egoísmo e futilidade das pessoas que comumente estão a seu redor.

Afirmo que “Machuca” não é um filme que deve ser considerado como “filme socialista”! Acho que levantar a bandeira de uma ideologia política não é o objetivo principal, apesar de o roteiro e a vida real terem imposto repressão e dificuldades à população da base da pirâmide social com a ditadura de Pinochet e perseguição às pessoas ditas comunistas. “Machuca”, além de ser uma aula de história – portanto, puxa para um lado documental, mesmo que em background -, procura construir um mapa da alma das pessoas. Sem generalizar, o ser humano, naturalmente e à luz de sua imperfeição, busca o melhor para si e sua família, porém, acaba fechando os olhos para a condição de seus semelhantes, num exercício de supremo egocentrismo. Nunca é demais lembrar que uma sociedade com menos desigualdade social colhe diversos benefícios, principalmente a diminuição da violência e a construção de um ambiente mais salutar para desfrutar da vida. Na narrativa, Gonzalo Infante é o improvável porta-voz, pela sua pouca idade e condição social, da principal mensagem que o filme tenta transmitir: a igualdade.

Temos um roteiro que mistura vários termos antagônicos : o pobre e o rico, o socialismo e o capitalismo, a diferença e a igualdade, o luxo e o lixo, entre outros.  A inocência de duas crianças unidas por suas semelhanças, e, ao mesmo tempo, separadas por suas realidades tão distantes e distintas, é um contexto muito triste, que nos mostra uma vida nua e crua que muitos de nós não conhecemos, apenas imaginamos. É um choque de realidades bem explorado pelo diretor e muito interessante de experienciar através do filme. “Machuca” é um filme para refletir e pensar em nossas condutas, em nome de um avanço espiritual. É uma ótima recomendação para pessoas que vivem em seus microcosmos de vontades e vaidades. A vida não se resume a um só contexto!

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Obs.: Filme disponível na Netflix.

Adriano Zumba


3 comentários Adicione o seu

  1. Marcelo disse:

    Vou ver, apesar de entender que é para expor mais um lado de uma política de esquerda que não aceito mais. Apesar de também ter me seduzido por sua filosofia. Hoje apenas sei que a liberdade é nosso bem mais precioso e ela pode levar mais fácil a justiça social. Mas vamos ver o que filosoficamente o filme me trás.

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  2. Jasmin Tuk disse:

    Sou eu, Aline… rsrsrsrs!!
    Esse filme traz algumas reflexões que tenho feito, especialmente sobre a vulnerabilidade das crianças e adolescentes, não importa a classe social. Me lembrou muito de Túmulo dos Vagalumes, ao fazer com que crianças lidem com decisões quase impossíveis, colocadas em situações completamente fora de seu controle. Isso fere irremediavelmente uma psique em formação. E olha que as famílias das crianças aqui não são abusivas, mas os acontecimentos sociais esmagam qualquer segurança que qualquer pessoa pudesse ter. É uma obra muito dolorida e me lembrou também é Persépolis e Batismo de Sangue, com as pessoas arrastadas a extremos e tendo todos os seus direitos retirados à força. Vejo alguns problemas na parte técnica do filme, especialmente na morosidade do roteiro no 2o. ato, mas para mim ele sempre estará naquela categoria de filmes obrigatórios para entendermos mais o mundo que vivemos. A partir de fatos de um passado recente, traz uma realidade que parece estar pronta a ressurgir na nossa amada e combalida América do Sul. ❤

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