Primeiro, mataram meu pai (2017)

Título original: First they killed my father: A daughter of Cambodia remembers

Países: Camboja, Estados Unidos

Duração: 2 h e 16 min

Gêneros: Biografia, drama, história

Diretor: Angelina Jolie

IMDB: www.imdb.com/title/tt4882376/


Como o objetivo deste post é discorrer sobre o filme em tela, e é necessário um embasamento histórico para um melhor entendimento da narrativa, transcrevo abaixo – com algumas adaptações – um trecho de uma publicação da Wikipedia que versa sobre a história do Camboja:

“O Khmer Vermelho, um regime liderado por Pol Pot e fortemente influenciado e apoiado pela China, chegou a Phnom Penh – capital do Camboja – e tomou o poder em 1975, mudando o nome oficial do país para Kampuchea Democrático. Eles imediatamente enviaram toda a população em marchas forçadas para projetos de trabalho rural, tentando reconstruir a agricultura do país no modelo do século XI, descartaram a medicina ocidental e destruíram templos, bibliotecas e todas aquelas expressões vistas como influências ocidentais. Entre um e dois milhões de cambojanos, de uma população de 8 milhões, morreram executados, por excesso de trabalho, fome e doença. “

Nesse contexto, o filme conta a história de sobrevivência de Loung Ung, uma garota de 5 anos, e sua família durante o regime comunista do Khmer Vermelho, no Camboja – um período que durou quatro anos. Nessa época, sua família foi separada, e ela acabou sendo treinada como soldada mirim em um campo para órfãos, enquanto seus quatro irmãos foram enviados a campos de trabalhos forçados. Adaptação do livro “First they killed my father”, da própria Loung Ung.

Nota-se que o filme utiliza como pano de fundo um momento sangrento da história da humanidade e monta sua sequência narrativa a partir das lembranças de uma filha do Camboja, como o próprio título sugere. Por se tratar de uma passagem da história até certo ponto desconhecida, a diretora, Angelina Jolie, já inicia sua obra como um documentário, com imagens reais da época e ao som dos Rolling Stones e sua “Simpatia para o diabo”, cuja parte final transcrevo agora: “Eu assisti com alegria / enquanto seus reis e rainhas / lutaram por dez décadas/ para…”. Questiona-se a necessidade do conflito – e de qualquer outro também -, enquanto o diabo apenas se diverte e vê a raça humana perder a racionalidade e se digladiar por poder. Início mais inteligente, impossível!

Sob a ótica de Loung, toda a trama se desenvolve. Ela pertencia a uma família cujo patriarca era um oficial do alto escalão do governo cambojano, e, por conta disso, todos eles eram um alvo em potencial dos rebeldes que tomavam o poder naquele momento. Com uma câmera subjetiva em boa parte do filme – aquela que mostra o ponto de vista de um determinado personagem -, a narrativa desnuda a perda da infância da pequena Loung e seus irmãos e o caminho do calvário de seus pais. Após a “escravização” do povo ter sido consumada, o foco da câmera se atem mais aos rostos dos personagens, para mostrar suas feições, seus desgastes, o impacto da fome e da dor em suas vidas. Além disso, ao longo do filme, a câmera “sobe” várias vezes para mostrar a magnitude das situações em tela, principalmente pessoas trabalhando à força, como formigas, para prover alimentos para os soldados do regime. Como se nota, há um trabalho primoroso da diretora quanto aos aspectos estilísticos do filme, principalmente na utilização dos mais diversos recursos de filmagem que proporcionam óticas analíticas e sintéticas, e destaques individuais quando necessários.

Não há regime de governo perfeito, principalmente quando ele se encontra nos mais extremos polos de qualquer ideologia e usa a radicalização dos conceitos como premissa. Normalmente isso denota violência, tragédia e barbárie, e, nos anais da história do mundo, há uma gama de exemplos nesse sentido. Para as pessoas que não coadunam com as ideias de regimes comunistas, socialistas e afins, esse filme é um prato cheio, pois, através do extremismo dos fatos, que, diga-se de passagem, são reais, ele não deixa brecha alguma para encontrar qualidades no regime esquerdista em tela, por mostrar apenas morte, escravidão e a situação de miserabilidade das pessoas não pertencentes ao regime do Khmer Vermelho – e ainda possuir uma criança como estrela do espetáculo. A pregação da igualdade forçada – até nas cores das roupas – chama a atenção. A lavagem cerebral feita desde cedo nas crianças lembra bastante as técnicas de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Infelizmente, os conceitos socialistas, que, na teoria, são apreciáveis, foram utilizados de maneira nefasta nessa passagem da história – e o diabo adorou!

Em seu quinto filme como cineasta, Angelina Jolie presenteou os amantes da sétima arte com uma obra excepcional. Um filme intenso que trabalha com termos antagônicos: a guerra, que denota tragédia, em oposição à presença de uma criança como protagonista, que denota pureza e ingenuidade; sonhos coloridos de Loung em oposição ao cenário cinzento de mais um conflito armado da história da humanidade. Muitos não consideram Angelina Jolie como uma grande atriz, mas seus dotes como diretora estão, a cada novo trabalho, aprimorando-se, e, quem sabe, teremos uma grande realizadora para os próximos anos. Se ela conseguir repetir a qualidade de “Primeiro, mataram meu pai” em seus próximos trabalhos, as perspectivas são boas, pois, realmente, é um filme de se tirar o chapéu, admirar e aplaudir. Só não entendo o porquê de ter sido preterido no Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018. Enfim, são coisas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que estão longe do nosso entendimento.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


3 comentários Adicione o seu

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.