Fora do jogo (2006)

Título original: Offside

País: Irã

Duração: 1 h e 33 min

Gêneros: Comédia, drama, esporte,

Elenco principal: Sima Mobarak-Shahi, Shayesteh Irani, Ayda Sadeqi

Diretor: Jafar Panahi

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0499537/


– “Homens e mulheres não são iguais”.

Essa frase chama a atenção, por ter sido dita explicitamente no filme, e porque expressa realmente uma verdade absoluta no sentido biológico, mas, no sentido humanístico, essa suposta tautologia – sentença sempre verdadeira – deveria ser uma contradição – sentença sempre falsa. Em grande parte dos países orientais de nosso planeta, sobretudo nos adeptos da religião muçulmana, como o Irã, há uma desigualdade brutal no tratamento dispensado a homens e mulheres – por razões religiosas, culturais e políticas. Até o lazer, que por vezes se reveste de uma menor importância na vida das pessoas em detrimento da própria sobrevivência, é suprimido do cotidiano delas. O filme em tela utiliza o futebol, um esporte que provoca paixões, como gerador de tensões, ao mostrar a odisseia que algumas garotas iranianas têm que encarar para poder assistir a uma partida dentro do estádio. Uma realidade tão utópica, por se tratar da simples audiência de um evento esportivo, que causa incômodo no espectador e a constatação de que o mundo é mais perverso do que imaginamos. Fazendo alusão ao futebol, o diretor Jafar Panahi fez um “gol de placa” – termo utilizado quando um jogador faz um gol bonito – ao retratar um acontecimento tão ínfimo que não é permitido para algumas pessoas, simplesmente por não terem tido a sorte de possuírem um cromossomo Y em suas genéticas.  Isso nos faz imaginar a variedade e a magnitude de outras situações pelas quais elas passam por conta dessa imposta discriminação. Em tempo, no futebol, o termo offside, que é o título original do filme, significa impedimento ou, como comumente escutamos, fora de jogo. Diga-se de passagem, um título extremamente bem escolhido, ao analisarmos todo o contexto narrativo.

A sinopse, retirada da internet, é a seguinte: “Um grupo de mulheres desafia a lei no Irã ao tentar assistir a uma partida de futebol. As fãs querem ver o jogo decisivo para a classificação da seleção para a Copa do Mundo e se disfarçam de homem, tentando burlar a segurança.”

Nessa obra, a ficção se mistura com a realidade, ao mostrar um acontecimento ocorrido com a própria filha do diretor. Por conta disso, há um viés até documental em várias passagens, e algumas cenas são gravadas com a câmera na mão, para conceder movimento e a imersão do espectador no drama – no sentido estrito da palavra. Durante uma perseguição de um soldado a uma menina, guardadas as devidas proporções, lembrei até do filme “A bruxa de Blair“. A palavra chave que descreve bem o roteiro, e a vida das mulheres no mundo muçulmano, é a opressão, que pode ser descrita como o efeito negativo experimentado por pessoas que são alvo do exercício cruel do poder numa sociedade ou grupo social. Nota-se também que não é raro que a opressão se transforme em repressão, ou seja, castigo, punição. No filme em tela, essa dupla opressão/repressão é representada pela polícia de costumes do país, ou, mais especificamente, pela “Patrulha do Vício”. Saliento que, sob a ótica legal, uma mulher assistir a uma partida de futebol no Irã não é considerado crime, porém…

É mostrada a motivação para o caso específico: manter as mulheres longe dos xingamentos e palavras impuras proferidas pelos homens num estádio de futebol. Uma informação paradoxal e dita com um ar de constrangimento, pois denota cuidado e proteção – tudo que os cidadãos de segunda categoria, conhecidos mais comumente pelo nome mulheres, não têm no país. Ao mesmo tempo, são mostradas situações que funcionam como exceções à regra de assistir à partida no estádio por mulheres, para evidenciar o alcance de tal “medida protetiva” e constranger mais ainda os personagens que a impõe. Ao fim fica um ar de vergonha pelos atos, que, no meu entender, denota o sentimento do diretor e não a realidade, porém, abre-se a possibilidade da divulgação desses tipos de acontecimentos para todo o mundo, por se tratar de uma obra cinematográfica. Saliento que. pouco tempo depois do lançamento desse filme, Panahi ficou offside, ou seja, fora de jogo, impedido de realizar a sua arte. Por conta de suas convicções políticas e ser considerado obsceno em seus filmes, foi preso, condenado a 6 anos de reclusão e proibido de filmar por 20 anos. Uma sugerida obscenidade que nada mais é do que a verdade revestida de vergonha.

“Fora do jogo” é um filme sobre futebol, no qual a bola não aparece uma única vez, porém o esporte permanece como o fio condutor da história, por ser apenas mais um exemplo de direito suprimido da vida das mulheres –  no caso específico, o direito ao lazer. Através desse cinema denúncia, percebemos que no Irã, futebol é coisa de homem – apenas de homem! Para finalizar e como informação, no Irã, as mulheres são oficialmente banidas de eventos esportivos masculinos e só foi concedido a elas o direito de assisti a eles pela TV na década de 80.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


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