Ouro carmim (2003)

Título original: Talaye sorkh

Título em inglês: Crimson gold

País: Irã

Duração: 1 h e 37 min

Gêneros: Drama, thriller

Elenco principal: Hossain Emadeddin, Kamyar Sheisi, Azita Rayeji

Diretor: Jafar Panahi

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0371280/


O que viria à sua cabeça se alguém lhe pedisse para falar sobre o Irã? Provavelmente algo relacionado a ser um país rico pelo petróleo que produz, o qual desperta a cobiça de outros países. Também, um país eivado de amarras sociais impostas a sua população, principalmente às mulheres, por conta da religião muçulmana e suas diversas restrições, que passam de geração em geração. São pensamentos absolutamente corretos! É um país que aparece pouco na mídia internacional, e, então, não há maneira melhor de conhecermos sua realidade do que através do cinema – até porque detalhes sórdidos do cotidiano dos iranianos normalmente são ocultados do resto do mundo. Jafar Panahi é mestre em mostrar essa realidade – e paga um preço caro à justiça iraniana, em nome da manutenção de um regime político/religioso, que o acusa de ser obsceno em seus filmes, entre outras imputações. A coragem desse homem nos presenteia com uma crítica social ferrenha em suas obras, a qual nada mais é que a exposição da verdade perversa, desnudada em forma de filme. “Ouro carmim” destoa dos trabalhos anteriores do diretor, por não tratar de crianças em situação de vulnerabilidade ou da sua temática favorita, a misoginia. Trata-se da exibição da degradação do ser humano, por conta dos efeitos da desigualdade sócio-econômica – um mal que assola uma gama de países ao redor do mundo. No filme em tela, vemos o Irã sob a perspectiva de um desafortunado homem renegado pelo destino, tomado pelo desespero e pela falta de esperança. Uma narrativa real e com requintes de crueldade.

A sinopse, retirada da internet e com adaptações, é a seguinte: “Hussein é um pobre entregador de pizza, que diariamente entra em contato com os contrastes entre o mundo dos pobres e o dos ricos, ao fazer seu trabalho em bairros nobres, onde vê diversas mansões e muita riqueza. Após ser impedido de entrar em uma joalheria por sua aparência, entre outros acontecimentos, ele e o cunhado Ali assaltam o lugar, como forma de vingança.”

“As coisas que alguém faz afetam a realidade dos outros”. Essa frase, dita por um golpista no filme, prontamente me chamou a atenção pela abrangência e pela relação direta com todo o contexto ao qual o filme se refere. Um exemplo dessa sentença é a manutenção secular de uma teocracia que, de maneira absolutista, manipula toda uma população através da religião e gera enormes desigualdades e desajustes sociais. As consequências disso sobre as pessoas, principalmente aquelas pertencentes à base da pirâmide social, representadas pelo personagem Hussein, funcionam com guia para o roteiro, que proporciona inquietação e reflexões aos espectadores.

Temos uma estrutura narrativa que lembra, guardadas as devidas proporções, a do grande clássico “Cidadão Kane“, ou seja, uma morte logo no início, e depois, em um grande flashback, conhecemos a vida do falecido e as razões que levaram à perda de sua vida. O contato do protagonista com as facilidades – e futilidades – da riqueza tem grande importância na história, pois, a cada situação, que normalmente atribui um viés de exclusão social em relação a sua pessoa, Hussein “pavimenta o terreno” para justificar a sua ação extrema e impulsiva do início do filme. No fim das contas, tudo se resume à degeneração moral e psicológica do ser humano, que é mostrada também em personagens do topo da pirâmide social – e que leva Hussein a ter um comportamento inusitado e revestido de um grande desdém e desesperança em relação à vida: um escatológico arroto, que, metaforicamente, pode ter vários significados na narrativa, inclusive o rumo que os seres humanos, juntamente com o capitalismo, estão impondo às sociedades de todo o mundo.

A visão de Hussein, que é um homem grande,  gordo, por conta de remédios com corticoide de que faz uso, e, ao mesmo tempo, invisível aos olhos da sociedade, leva a um automático sentimento de desconforto. As pessoas acabam sendo valorizadas por suas posses, fama e/ou condição social. O submundo da pobreza e quaisquer eventuais abalos sofridos pelos componentes humanos desse ambiente passam despercebidos por muitos, pois humanidade e ações pro-ativas, principalmente dos governantes, passam ao largo dessa realidade. Sem a pretensão de justificar os atos errôneos de Hussein, ele é uma vítima do sistema. Só para lembrar, uma das piores anomalias da desigualdade é a violência, que assola o mundo nos dias atuais e é mostrada explicitamente no filme, pelas condutas do protagonista e de seu cunhado durante o dia. Como informação, “Ouro carmim” nunca foi exibido no Irã, pelos velhos motivos de sempre. Melhor mostrar as riquezas proporcionadas pelo ouro negro! Aos pobres, só resta aceitarem a lavagem cerebral de cunho religioso a que são submetidos, questionar o destino quanto a suas condições e, é claro, orar por dias melhores.

Infelizmente, não encontrei o trailer no YouTube, mas segue abaixo um vídeo promocional, com legendas em inglês, que revela muito do enredo. Se você pretende assistir ao filme, recomendo que ignore esse vídeo para não prejudicar a sua experiência cinematográfica.

Adriano Zumba

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