Boneca inflável (2009)

Título original: Kuuki Ningyou

Título em inglês: Air doll

País: Japão

Duração: 2 h e 05 min

Gêneros: Drama, fantasia, romance

Elenco Principal: Arata Iura, Bae Doona, Itsuji Itao

Diretor: Hirokazu Koreeda

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt1371630/


Uma mensagem pode ser transmitida das mais diversas maneiras e por meio das mais variadas formas de expressão. Dentre elas, encontra-se o que chamo de “escrita cinematográfica”, ou seja, a linguagem do cinema: um poderosíssimo “dialeto” composto por áudio e vídeo, que, quando manipulado por mentes hábeis e criativas, proporciona arte em seu mais alto grau de excelência e, às vezes, prescinde até do uso de palavras – escritas ou faladas -, que é a forma mais comum de comunicação. Ainda em relação a essa linguagem tão peculiar, dependendo de como as cenas mostradas em um filme são construídas, nem sempre é fácil para o interlocutor – o espectador – processar e entender a informação que se pretende transmitir. Aludindo agora à linguagem formal, aprendemos que existe uma figura de linguagem chamada metáfora: uma forma de expressão inteligente que produz sentidos figurados por meio de comparações implícitas. Imaginem a complexidade – e a elegância – na comunicação ao unir a linguagem cinematográfica e a metáfora. A capacidade de prover e implementar essa espetacular união, que chamo de “alegoria narrativa”, é para poucos! O cineasta japonês Hirokazu Koreeda possui esse dom e o aplicou com maestria em “Boneca inflável“. Trata-se de um filme fantasioso – o que considero um afugentador de espectadores mais exigentes, principalmente aqueles que admiram o chamado “cinema de arte” -, mas deixo um conselho quanto a isso: esqueçam os meios e considerem os fins, pois vocês terão uma experiência cinematográfica de qualidade superior.

A sinopse, retirada da internet e com adaptações, é a seguinte. Nozomi é o brinquedo sexual e “companheira” de um garçom de lanchonete solitário, que conversa com a boneca e cuida dela como se fosse uma namorada, com direito a banho de xampu de luxo e passeios noturnos no parque. Em troca, a boneca cumpre a função para a qual foi fabricada: servir como substituta para suprir os desejos sexuais de seu dono. À medida que vai tomando consciência de que está viva – e aproveitando a ausência do patrão até a noite -, a bela de plástico se lança em caminhadas exploratórias pelo bairro, descobrindo pessoas e uma existência que jamais imaginou.”

A personagem principal é uma “boneca sexual”, oca, vazia, mas que, por algum motivo, “encontrou” um coração – justamente o órgão do corpo humano que, poética e romanticamente, denota sentimentos. Um “ser” desprovido de conhecimento acerca do mundo e dos seres humanos. Um “objeto pensante” livre de preconceitos e prejulgamentos quanto à vida. Ninguém – ou nada – melhor para desenvolver uma consciência crítica e reflexiva isenta – e até ingênua – sobre os mais diversos assuntos que fazem parte do cotidiano das pessoas. Eis o motivo da fantasia! Irrealidades à parte, a narrativa engloba temas dramáticos e tão realistas quanto humanos. Diga-se de passagem, essa antítese entre protagonista versus temáticas é de uma liberdade criativa inigualável. Segundo o roteiro, pessoas são substituíveis – algo que corrobora aquele velho jargão que sempre escutamos e falamos: “ninguém é insubstituível”. Essa afirmação, porém, está inserida num contexto perigoso: o mundo de 10 anos atrás, que já sentia as consequências da modernidade, principalmente da tecnologia, na vida de seus habitantes – solidão, isolamento, virtualização das relações, etc. Segundo Nozomi, a boneca, “a vida parece que é feita de um modo que ninguém possa preenchê-la sozinho” – um ledo engano provocado pela inocência, que viria a ser corrigido com outras palavras: “a vida contém a sua própria ausência”. Percebe-se uma nefasta constatação nessa vida recém conhecida por ela: as pessoas estão vivendo cada vez mais sozinhas – e por suas próprias vontades -, simplesmente pela dificuldade em lidar com seus semelhantes e/ou esquecer momentos tristes de seus passados. Infelizmente, quase uma década depois, essa situação está mais presente do que nunca nas sociedades de todo o mundo. Melhor lidar com máquinas – sem alma, sem coração – do que com humanos, pois, segundo Hideo, o dono da boneca, as pessoas são irritantes. Mais fácil trocar de boneca quando ela não servir mais a seus propósitos – e eventualmente batizá-la com o nome de sua amada de carne e osso. Amar também é complexo, principalmente no contexto atual – isso é uma afirmação mostrada nas entrelinhas do roteiro!

Mais interessante ainda é a menção a insetos da classe dos efemerópteros – chamados de insetos efêmeros no filme. São insetos que nascem praticamente sem órgãos, pois seus espaços internos são preenchidos por ovos, que são depositados na natureza em um espaço de tempo de cerca de 24 horas após os seus nascimentos. Depois isso, eles morrem. Percebam a similaridade: o vazio desses insetos, o vazio da boneca, o vazio existencial das pessoas trancadas em seus microcosmos de solidão. Apenas uma das diversas “alegorias narrativas” a que aludi no primeiro parágrafo.

Para Nozomi, “ter um coração foi devastador”, pois viver no mundo contemporâneo é difícil. Felizmente para ela, uma boneca inflável é considerada como lixo não incinerável. Quem sabe suas peças possam ser transplantadas para outra boneca, incluindo o seu higienizável tubo rugoso e maleável de silicone – diga-se, seu órgão sexual -, e o ciclo da “vida” e da servidão vá se repetindo indefinidamente; ao contrário do que acontece com os seres humanos, que são considerados incineráveis, ou seja, transformam-se apenas em cinzas, e só restam eventualmente as lembranças e uma possível ação de ser tomada: a substituição.

Viajem nessa fantasiosa experiência cinematográfica de alma e mente abertas, pois ela tem muito a oferecer.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba

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