Ninguém pode saber (2004)

Título original: Dare mo shiranai

Título em inglês: Nobody knows

País: Japão

Duração: 2 h e 21 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Yuya Yagira, Ayu Kitaura, Hiei Kimura, Momoko Shimizu

Diretor: Hirokazu Koreeda

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0408664/


É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Provavelmente muita gente já leu ou ouviu a frase acima. Essa frase, com algumas adaptações, é um artigo de uma lei brasileira que deve ser aplicada para todas as crianças e adolescentes do país. Destaquei propositalmente a palavra assegurar para que todos entendam a magnitude da obrigação que é imposta pelo Estado no tocante às garantia necessárias para o desenvolvimento e o bem-estar dessa população específica. Outros países também possuem legislações sobre o assunto. O legislador de várias partes do mundo não “fabrica” esse tipo de lei por acaso. As crianças de hoje são os adultos de amanhã, e eles construirão o futuro da humanidade. À criança e ao adolescente devem ser dados subsídios para que cresça de forma satisfatória tanto fisicamente quanto moralmente e intelectualmente. Nesse contexto, a família, o Estado e a sociedade em geral tem papel fundamental. Independentemente da existência de legislação própria quanto ao assunto, a negligência em relação a alguns dos itens do artigo acima representa sérias perdas à vida de uma criança e deve haver uma constante vigilância para que não aconteça, pois acarreta situações de vulnerabilidade sobre esses pequenos seres humanos, que não deveriam estar presentes em nosso planeta para experimentar qualquer tipo de sofrimento. Enfim, uma discussão dessas abre um leque enorme de possibilidades e não é objetivo desse post. Esse prefácio foi inserido por que seu conteúdo entra em conflito com tudo que é exibido no filme em tela. Bem vindos à livre adaptação para o cinema de um caso real ocorrido no Japão em 1988, que causou uma grande comoção até em nível internacional: o abandono das crianças de Sugamo mostrado através das pequenas coisas da vida.

Trata-se da história de 4 crianças, que se mudam para um novo apartamento de uma forma bastante peculiar: o mais velho, Akira, de 12 anos, chega com sua mãe; Kyoko, de 11 anos, chega à noite para que ninguém veja; e os os filhos mais novos, Shigeru e Yuki, de 5 e 4 anos, respectivamente, chegam dentro de malas. Por algum motivo não revelado pelo filme, os três irmãos mais novos moram ilegalmente na residência. Ninguém pode saber que eles estão ali! As 4 crianças são filhas de pais diferentes e algumas delas nem conhecem seu genitor. A tensão se instala quando a mãe deles, Keiko, apaixona-se por um homem e decide se entregar a esse amor, esquecendo de tudo ao seu redor, inclusive os seus filhos. Recai, então, nas costas de Akira, o filho mais velho, a responsabilidade do sustento de seus irmãos.

Como se depreende, há uma narrativa muito pesada para ser desenvolvida, pois, como sempre discorro em meus textos, há crianças em situação de vulnerabilidade, e isso já é o suficiente para aflorar fortes emoções nos espectadores. Em momento algum o filme se torna piegas – e teria todos os elementos para isso. Não há uma única lágrima derramada, mesmo em situações de dor, dificuldade e tragédia. Pelo próprio estilo do diretor, Hirokazu Koreeda, os acontecimentos são mostrados através do cotidiano, através de pequenos detalhes inseridos meticulosamente nas cenas. É possível mensurar o tempo, diga-se, o abandono, através desses detalhes, como por exemplo, o desgaste do esmalte da unha de uma das meninas, o crescimento de algumas plantas, etc. O tempo passa muito devagar, para aumentar a angústia de quem espera ansiosamente o regresso da mãe e, pela falta de maturidade, não entende o que está acontecendo. A marginalização é inevitável e chega na proporção que o acolhimento se faz necessário e os recursos financeiros vão acabando. Nesse contexto, há um aprendizado para a vida ocorrido da pior maneira possível – um sofrido processo de amadurecimento de Akira, cujo intérprete, o jovem Yuya Yagira, ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes. É realmente magnífico o trabalho do rapaz.

A singeleza e o cuidado empenhados à produção desse filme são impressionantes. Há dor, mas não há lágrimas; há morte, mas detalhes são ocultados; há sofrimento, que é amenizado pela união; há dificuldades, mas há aquela pureza intrínseca das crianças, que permite extrair diversão, sonhos e conformismo de tantas situações extremas; há um monstro – a mãe, Keiko -, mas, propositalmente, após o seu sumiço, não é mostrado o seu final. Percebe-se que o filme não é construído com agressões visuais. O filme não tem o objetivo explícito de chocar com cenas explícitas ou de mau-gosto. O próprio dia a dia das crianças, vivendo naquele estado de abandono, sucumbindo ao desamparo, já cumpre perfeitamente o papel de gerador de sensações, que, diga-se de passagem, são intensas. O cinema-verdade choca bastante, mesmo sendo sensível como em “Ninguém pode saber“.

Há diversas diferenças entre a história real e a obra cinematográfica, entretanto a essência do caso se mantém fiel. O verdadeira história pode ser conhecida clicando-se aqui, contudo, sugiro que ela só seja lida após assistir ao filme – se houver a pretensão de assisti-lo -, para que detalhes importantes do enredo não sejam conhecidos de antemão. Definitivamente, o mundo ideal não existe! A mente do ser humano cultiva uma perversidade deveras inimaginável; as futilidades abraçam as pessoas em detrimento de uma série de valores humanos e, cada vez mais, as pessoas negligenciam o mais sublime dos sentimentos. É muita falta de amor no coração!

Encerro com o mesmo desafio que propus na minha crítica ao filme “Pais e filhos“, do mesmo diretor, que pode ser lida clicando-se aqui: duvido que você, pai ou mãe, não vá abraçar os seus filhos após a audiência desse filme. Filhos são o maior tesouro que uma pessoa pode possuir!

Só para relembrar, parafraseando o título de um filme indiano de que gosto muito, crianças são COMO ESTRELAS NA TERRA! Pelo menos, deveriam ser!

O trailer narrado em inglês segue abaixo.

Adriano Zumba

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