Uma noite de 12 anos (2018)

Título original: La noche de 12 años

Título em inglês: A twelve-year night

Países: Uruguai, Argentina, Espanha

Duração: 2 h e 02 min

Gêneros: Crime, drama, história

Elenco Principal: Antonio de la Torre, Chíno Darín, Alfonso Tort

Diretor: Álvaro Brechner

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt6792282/


Opinião: “Visceral, mas fenomenal. Apenas mais uma passagem da história sul-americana passada em revista.”


“Olá, escuridão, minha velha amiga,
Vim conversar com você de novo,
Porque uma visão suavemente arrepiante,
Deixou suas sementes enquanto eu dormia,
E a visão que foi plantada em meu cérebro,
Ainda permanece dentro do som do silêncio.”


Com a tradução da primeira estrofe dessa famosa música, “The Sound of Silence” (Simon & Garfunkel), começo minha crítica, e informo que ela (a estrofe) tem dois bons motivos para funcionar como prólogo, apesar de Franz Kafka ser o autor da frase que inicia a obra cinematográfica em tela, que, a nível de informação, foi retirada da novela “Na colônia penal“. De antemão informo o primeiro (motivo): há uma adaptação belíssima da canção no filme, cujo contexto em que é inserida realmente promove grandes emoções. O segundo vou esperar que vocês deduzam até o final do texto. E por falar em Kafka, suas palavras não introduzem o filme por acaso. Kafka cheira a exagero, surrealismo, absurdo, etc. A conduta de regimes militares, ao longo da história, em relação às pessoas consideradas subversivas ou opositoras smells like Kafka. Início inteligente demais para mostrar atos dotados de tanta ignorância, que transcendem qualquer tipo de divergência ideológica. Na conjuntura proposta pela história – e pela obra -, o assunto é humanitário.

Eis a sinopse: “O ano é 1973. O Uruguai é governado por uma ditadura militar. Numa noite de outono, nove prisioneiros pertencentes um um grupo guerrilheiro marxista-leninista uruguaio chamado Tupamaros, e considerados mais perigosos, são retirados de suas celas em uma operação militar secreta. Uma noite de 12 anos é a história de três deles durante o cárcere: Eleuterio Fernández Huidobro (Ñato), Mauricio Rosencof (Ruso), José Mujica (Pepe). Inspirado no livro Memorias del calabozo, escrito pelos dois primeiros protagonistas citados acima.”

Escuridão! Apenas uma amiga: nociva, apavorante, mas companheira – uma das poucas. Um soturna “luz” que marca a alma de inocentes com o símbolo da injustiça, por serem ideologicamente distintos da poderosa e armada regência. Liberdade tolhida, esperança reduzida, honra ferida: obscuras visões que lembram a vida. Arrepia, pois não há vida. Melhor fitar o pelotão de fuzilamento e imaginar o paraíso. O caráter moribundo de três existências sem perspectivas, sem penas definidas, sem culpas concebidas, mas com um longo canteiro semeado com sementes da resiliência – regadas pela sapiência, pela implícita presença, por um delgado fio de esperança. “Os únicos derrotados são os que desistem.” Os que persistem, encontram fé até no silêncio; no perturbador silêncio que ressoa em suas mentes.

Tanta literariedade para mostrar uma flor plantada num penico; um capuz abaixado – um sopro de vida para um abnegado -; um pedaço de papel apalavrado com amor para a amada de um sádico soldado; o som acalentador, em meio ao silêncio de uma própria linguagem – simples batidas na parede, que substituem o calor do abraço;  o jogo de xadrez imaginável; a poesia da amizade: “Si este fuera mi último poema, insumiso y triste, raído pero entero, tan solo una palabra escribiria: compañero”; etc.  Belos simbolismos para uma narrativa agoniante. Afirmo-lhes que o filme concede um tratamento artístico para um contexto tão nefasto, que só transpira dor: a extrema dor dos injustiçados.

Uma noite de 12 anos” é uma experiência sensorial, que promove a imersão do espectador dentro da obscura jornada dos três homens: uma tortura psicológica, uma perturbação inimaginável, uma angústia desmedida e uma emoção maravilhosa. Um relato reflexivo sobre a intrínseca existência do mal no ser humano. O poder que cega, o poder que apaixona, o poder que irracionaliza as pessoas. O poder obtido com base na força: ao som das balas. A única maneira possível para os que não sabem usar a inteligência como arma: o som do silêncio (meu segundo motivo).

Ahh! Só para constar. Eis a epígrafe do filme, retirada da obra de Kafka. Julguem se ela é pertinente ou não.

“- Ele conhece a sentença?
  – Não. 
  – Não conhece a sua sentença?
  – Não – repetiu o oficial . Seria inútil anunciá-la. Já a conhecerá na própria carne.”

SEM MAIS COMENTÁRIOS!

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba

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