Roma (2018)

Países: México, Estados Unidos

Duração: 2 h e 15 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Diego Cortina Autrey

Diretor: Alfonso Cuarón

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt6155172/


O ato de produzir arte baseando-se em memórias é algo que, por motivos óbvios, transmite uma automática veracidade, entretanto, essa íntima verdade pode ser mostrada sob diversos aspectos. “Roma“, um filme que retrata lembranças do cineasta Alfonso Cuarón em sua infância e homenageia uma ex-babá de sua família, Libo, foi direcionado apenas para um contexto: o da gratidão. Trata-se de uma produção absolutamente intimista, que desnuda a alma de seu realizador com excelência técnica e um olhar contemplativo nas entrelinhas, que proporciona um caráter deveras artístico ao filme. Não é à toa que está sendo considerado uma das melhores películas do ano de 2018, porém tenho algumas ressalvas.

A sinopse, retirada da internet e com adaptações, é a seguinte: “A história retrata a vida de Cleo, empregada doméstica e babá de uma família que reside em um bairro de classe média da Cidade do México chamado Roma. Em uma declaração de amor às mulheres que participaram de sua infância, Cuarón se inspira nas próprias memórias para traçar um retrato vívido e comovente dos conflitos domésticos e da hierarquia social durante as turbulências políticas dos anos 70 no país.”

Através de uma impulsiva e rápida interpretação, considera-se como ponto de interesse principal a história de Cleo enquanto serviçal de uma residência, evidenciando a desigualdade social inerente à situação, contudo, é de se imaginar que um filme com essa qualidade não se resuma a mostrar nostalgicamente tal cotidiano. O rico e sensível roteiro de “Roma” trata de relações humanas em seus pormenores, tendo como elo entre seus personagens a jovem Cleo, que absorve os problemas da família e procura resolvê-los da sua forma, sempre com uma pungente afabilidade, que a faz amar gratuitamente e ser amada na mesma medida, no tocante a sua relação com as crianças e com a matriarca da família, Sofia. Essa protagonista ingênua e encantadora funciona como uma espécie de observadora – e às vezes paciente – dos eventos a seu redor, sejam eles de cunho íntimo, pela momento duvidoso em que se encontra, ou coletivo, pela situação política do país. O elo alhures aludido tem um caráter inclusivo em diversas oportunidades, atribuindo o compartilhamento de sentimentos entre ela e os componentes da família; aliás, a situação amorosa de Cleo e Sofia com seus respectivos parceiros é análoga. “Nós, mulheres, estamos sempre sozinhas”.

Difícil expressar em palavras a cinematografia apresentada no filme. É de uma beleza em preto e branco inenarrável. Deixa a impressão de um rigor técnico e estilístico que beira o perfeccionismo, por conta da preocupação com os detalhes e da excelência com que as cenas foram construídas. E que cenas! Destaco duas delas: a do parto, que transmite uma angústia lacerante, e aquela que é mostrada no pôster do filme, na praia, que é indubitavelmente a mais bela cena do cinema deste ano. Notem a utilização dos raios de sol matinais como um elemento constitutivo, para que, como um laço imaginário de luz, ilumine – e abençoe – a união de Cleo e sua família do coração, num momento de extrema dor, compaixão e humanidade. É uma cena que fica gravada na mente, dada a sua grandiosidade.

Apesar de demorar para desenvolver o fio condutor da narrativa e ser um pouco prolixo ao mostrar o vínculo afetivo entre os personagens, o que torna a primeira hora do filme um tanto quanto maçante, o estilo de “Roma” compensa qualquer suposto e subjetivo incômodo, se o espectador privilegiar a forma em detrimento do conteúdo. Mais esse espécime do chamado “cinema lento” transmite um pouco de inacessibilidade para o grande público, mas, como sempre saliento em meus textos, desenvolver o senso crítico só faz bem e eleva o nível de percepção do espectador em relação a obras cinematográficas. Quiçá todos os grandes diretores produzam seu “Amacord“, como o grande mestre Federico Fellini. Este é o de Alfonso Cuarón, e é tocado nota a nota, personalíssimamente, com seu Stradivarius! É a sua obra de arte!

And the Oscar goes to…

O trailer segue abaixo.

Obs.: Esse texto é homenagem a minha própria Libo – ou Cleo -, chamada de Cicera, que me acompanha a mais de 40 anos e já dispensou mais da metade de sua vida para servir a minha família sempre com muito amor e dedicação – algo raro nos dias de hoje.

Adriano Zumba


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