Comparação: Um Contratempo (2016) x Badla (2019)

FILME 1

Título em português: Um contratempo

Título original: Contratiempo

Título em inglês: The invisible guest

País: Espanha

Duração: 1 h e 46 min

Gêneros: Crime, mistério, thriller

Elenco Principal: Mario Casas, Ana Wagener, Jose Coronado, Bárbara Lennie, Francesc Orella

Diretor: Oriol Paulo

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt4857264/


FILME 2

Título original: Badla

Título em inglês: Revenge

País: Índia

Duração: 1 h e 58 min

Gêneros: Crime, drama, mistério, thriller

Elenco Principal: Amithab Bachchan, Taapsee Pannu, Amrita Singh, Antonio Aakeel, Tony Luke, Tanveer Ghani

Diretor: Sujoy Ghosh

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt8130968/


IMPORTANTE: Há alguns spoillers na comparação proposta abaixo.

Oriol Paulo, um talentoso diretor espanhol da nova geração, que considero como uma revelação do cinema neste século XXI, conta em sua filmografia com apenas 3 longa-metragens, cujos gêneros a que pertencem transitam competentemente pelo suspense e o mistério. Todos são espetaculares! No ano de 2016, ele produziu o excelente “Um contratempo“, o qual considero como o seu melhor trabalho por conta de uma narrativa inteligente e repleta de reviravoltas, que, ao passo que dão um nó na cabeça de sua plateia ao exigir muita concentração, concedem imprevisibilidade à obra e, ao fim, satisfação pela experiência excepcional proporcionada pelo impacto que geram. Trata-se realmente de puro suspense, o qual faz jus à própria definição do sentimento, que é a incerteza ou ansiedade mediante as consequências de determinado fato, ou seja, é um sentimento que gera tensão. Saliento que, nos filmes de Oriol, a tensão é alta, os enigmas são complexos e suas respectivas soluções são surpreendentes.

Não demorou muito para que a indústria cinematográfica resolvesse fazer uma refilmagem de algum de seus filmes, pela qualidade apresentada. Já aproveito para informar que não gosto de refilmagens, pois o universo de temas que pode ser utilizado como matéria-prima para o cinema é infinito e não vejo a necessidade de tentar dar outra roupagem a um filme anteriormente produzido. O ato de refilmar uma obra de sucesso, ou mesmo um clássico, considero como um pecado maior ainda, pois a chance de não lograr êxito aumenta exponencialmente à receptividade alcançada pelo filme original. Neste contexto, a indústria indiana foi a “aventureira” da vez e o filme escolhido foi justamente “Um contratempo” – o melhor filme do jovem cineasta espanhol. Em remakes, normalmente, são produzidos filmes adaptados, baseados ou inspirados em outros, que são abordagens com sutis diferenças entre elas, no entanto, “Badla” (2019), a refilmagem indiana, é literalmente uma reprodução integral, ou simplesmente uma tradução, de 95% do filme espanhol – até com alguns diálogos iguais -, mas com mínimas e pequenas diferenças – inseridas, talvez, para tentar retirar essa pecha de cópia de sua produção. Nota-se que, no enredo de ambos os filmes, os detalhes são explicitamente considerados por várias vezes como a chave para a resolução dos crimes em questão. Analogamente, detalhes também são os definidores da comparação proposta por este post, pois, como já se consegue perceber, os dois filmes possuem roteiros praticamente iguais.

Para melhor entendimento, eis a sinopse dos dois filmes: “Duas pessoas adúlteras – ambas casadas -, após uma viagem romântica regada a mentiras para enganar os seus respectivos cônjuges, envolvem-se em um acidente de trânsito com consequências trágicas. Com o desenrolar da história, um dos componentes do casal é encontrado morto pela polícia em um quarto de hotel e o outro componente, que também estava no local na hora do flagrante policial, torna-se automaticamente o principal suspeito do ocorrido. A partir daí, a pessoa acusada contrata o melhor profissional do ramo do Direito do país, que nunca perdeu um processo, para cuidar de seu caso, o qual também engloba outra morte no contexto.”

Notem que busquei na sinopse não identificar o sexo dos personagens, pois essa questão é a principal diferença identificável facilmente à primeira vista entre as obras. Os papeis desempenhados pelo casal de adúlteros é invertido no indiano em relação ao espanhol e o sexo do referido “profissional de Direito” também é o oposto. Como visto, também, há outra morte na narrativa, e os pais dessa vítima também têm seus papeis invertidos. Após uma breve análise, não vi necessidade para essas inversões, entretanto, a única explicação plausível para, pelo menos, uma delas foi estratégica. Talvez, para dar mais peso ao elenco e tentar afastar eventuais críticas pelo viés de “cópia descarada” apresentado, os indianos inseriram no filme seu ator mais relevante e importante de toda a história cinematográfica do país em um papel-chave na narrativa. Trata-se de Amithab Bachchan, uma lenda no cinema da terra dos elefantes. É bom informar que nos créditos iniciais de “Badla“, o roteiro é atribuído à Oriol Paulo. Outra grande diferença deve ser destacada, a qual traz um impacto muito grande à comparação: o título do filme indiano, “Badla”, que, traduzido para o português, significa vingança, irresponsavelmente já informa um dos motes ocultos da narrativa – ou uma das surpresas -, o qual ainda é reforçado ao longo da exibição, por realizar uma analogia entre a vingança corrente e uma contida no livro “Mahabharata“, um dos maiores épicos da literatura religiosa indiana; ao passo que o título do filme original, “Contratiempo“, trata de manter o mistério ao atribuir um caráter de irrelevância ao principal fato gerador de tensões da história e, com isso, é mais pertinente em relação à proposta do diretor.

Como já salientado, os detalhes fazem toda a diferença. Nota-se claramente o cuidado empregado na construção das cenas do filme espanhol. Afirmo que, como admirador do cinema indiano, venho observando nos últimos 10 anos uma grande evolução em relação à excelência na implementação de todos os aspectos que compõem um filme, entretanto, em “Badla” há algumas derrapagens. Vou exemplificar utilizando a cena do afundamento do carro no lago. Nota-se que o carro não segue uma trajetória angular progressiva para afundar paulatinamente. Em vez disso, ele afunda se verticalizando – com o farol virado para baixo – logo no início do lago, como se houvesse um barranco ou algo que o puxasse pela frente. É um movimento totalmente antinatural. Em relação às atuações, o filme indiano peca por manter o padrão de suas características. O cinema indiano adora um drama, que posso prontamente substituir pela palavra melodrama, pela abordagem que normalmente eles utilizam em suas narrativas, ou seja, o cinema indiano aponta seu foco para o coração de seus espectadores, inclusive em alguns filmes nos quais essa estratégia não deveria ser utilizada. O literalmente grande Amithab Bachchan, o qual sugeri que foi utilizado como trunfo, trouxe consigo o esteriótipo das atuações de sua filmografia: expansivo, quase despojado e imponente, ou seja, atuou da mesma maneira de sempre, como um ator cujos personagens “abraçam” de forma invisível seus espectadores e os outros personagens com quem interage; contudo, seu papel, o advogado, necessitava de toneladas de discrição para funcionar corretamente. Convenhamos que o velho Amithab é discreto como um elefante! No filme espanhol, a advogada foi uma das atrações principais. Por sua vez, a mulher adúltera indiana, deu um show de descompromisso com o seu papel. Parecia que sua intérprete estava filmando no quintal de casa. No meu entender, uma atriz de maior expressão deveria ter sido escalada, para conceder mais qualidade ao papel, já que a jovem atriz Taapsee Pannu ainda não navega em céu de brigadeiro em Bollywood. Em relação ao casal adúltero do filme espanhol, os olhares recaem principalmente sobre o homem, interpretado pelo excelente Mario Casas, que transmite com sucesso a seu personagem a frieza que, no meu entender, ele deveria realmente apresentar. Ademais, em relação às atuações, a mãe indiana da segunda vítima – indicada no fim da sinopse mostrada mais acima – tenta pincelar um ar de comédia numa narrativa em que não há o mínimo espaço para isso. Na verdade, ela se torna até chata e insuportável nos minutos iniciais de sua aparição no filme.

Considero que, quem assistir a “Badla” sem ter assistido a “Contratiempo” terá uma ótima recepção por conta do roteiro, que, como já informado é praticamente igual ao do filme original e, por conseguinte, é excepcional, no entanto, quem já assistiu à obra espanhola anteriormente terá com relativa facilidade um decréscimo de satisfação em sua experiência, pois o conjunto de aspectos cinematográficos que compõem o filme original, incluindo a trilha sonora, é bem mais harmônico e competente do que os que compõem o filme indiano, mas, ainda assim, terá uma boa jornada. O roteiro realmente faz toda a diferença, apesar de quaisquer defeitos identificados. Nota 10 para o filme espanhol e nota 7 para o indiano. São duas boas recomendações: uma excelente e outra apenas boa. Novamente, a regra suplantou a exceção, ou seja, a obra original saiu vencedora da disputa.

Os trailers de ambos os filmes seguem abaixo.

Adriano Zumba


UM CONTRATEMPO (2016)


BADLA (2019)

8 comentários Adicione o seu

  1. Sílvia Abrahão disse:

    Excelente análise. Concordo com tudo; também achei a atriz indiana fraca, o que baixou um pouco a energia do suspense. De fato, “Um Contratempo” é superior.

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  2. MF disse:

    Parabéns pela sua analise que traduziu efetivamente a mesma impressão que tivemos por aqui ao assitir primeiro o espanhol e depois o indiano. Só deixaria anotado em sua descrição do artigo que há espoilers na sua análise. Obrigado.

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    1. Obrigado MF. Valeu tb a dica. Vou colocar uma mensagem logo no início com o indicativo de spoillers. É realmente difícil comparar dois filmes sem revelar alguma coisa dos enredos.

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  3. Silvia Rullo disse:

    Exelente o Contratempo o Badja ele copiou o filme do diretor maravilhoso espanhol Oriol Paulo

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  4. Samuel Falcone disse:

    Tive a sensação de ver um plágio!

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