Coringa (2019)

Título original: Joker

Países: Estados Unidos, Canadá

Duração: 2 h e 02 min

Gêneros: Crime, drama, thriller

Elenco Principal: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Frances Conroy, Brett Cullen

Diretor: Todd Phillips

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt7286456/


Citação 1: “Eu pensava que minha vida fosse uma tragédia. Agora me dou conta de que é uma comédia.”

Citação 2: “Só espero que a minha morte faça mais sentido que a minha vida.”

Citação 3: “A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse.”


Opinião: “Avassalador! Um violenta dissecação da alma de um louco submetido à atuação de um conjunto de forças destruidoras.”


O Coringa talvez seja o vilão das histórias em quadrinhos mais famoso de todos os tempos, mesmo sem possuir superpoderes. O seu carisma e sua capacidade de atrair as atenções são absolutos, principalmente por conta de sua inteligência e de uma insanidade pujante e particular que norteia os seus atos e seus pensamentos. Entretanto, no filme em tela, utiliza-se o famoso “Palhaço do Crime” em um contexto diferente. Nesse caso, Arthur Fleck – o verdadeiro nome do Coringa – é apenas um homem à procura de seu espaço em uma sociedade inundada pelos mais diversos problemas sociais. Busca-se mostrar a gênese do bandido – com poucas alusões à seu antagonista, o Batman – e, ao mesmo tempo, deixar oportunas mensagens para a reflexão de seu público, que, pela grande quantidade de críticas e polêmicas que estão sendo levantadas pela mídia ao longo dos últimos dias, pode-se dizer que coaduna fortemente com a aura presente em nossa sociedade nos dias atuais, apesar de se passar na década de 80 do século passado: uma conjuntura desumana, desrespeitosa, opressiva, violenta, egoísta, fútil e excessivamente consumista e capitalista. Depreende-se que a sociedade é sua inimiga dessa vez, e não o homem-morcego. Ao assistir ao filme, fica uma impressão de distopia, mas, talvez, haja um poderoso eco de realidade nas entrelinhas. Por sinal, a construção dessa conjuntura é um dos pontos fortes do filme, que pode ser definida em apenas um termo: caos, cuja semântica da palavra acompanha o personagem desde sempre, pela sua predisposição em instalar a desordem onde quer que esteja e por sua mente que, frequentemente, assume o adjetivo caótica como uma de suas características mais marcantes.

Eis a sinopse: “Gotham City, 1981. Em meio a uma onda de violência e a uma greve dos lixeiros que deixou a cidade imunda, o candidato Thomas Wayne promete limpar a cidade na campanha para ser o novo prefeito. É neste cenário que Arthur Fleck trabalha como palhaço para uma agência de talentos, com uma agente social o acompanhando de perto, devido aos seus conhecidos problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal à gozação de três homens de Wall Street em pleno metrô e os mata. Os assassinatos iniciam um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne é seu maior representante.”

Fazendo uma analogia com a história de um artefato advindo da mitologia grega, “Coringa” se propõe a abir a “Caixa de Pandora” existente na mente de seu protagonista, deixando escapar todo o mal existente dentro dela. É um personagem que realmente merece um estudo de caso, dada a sua apaixonante complexidade. Trata-se de um homem marginalizado de diversas formas na sociedade em que está inserido e portador de uma pitoresca doença mental, que o faz rir descontroladamente e desmotivadamente. Deve-se salientar que a origem do Coringa apresentada no filme não está contida em sua mídia original: as histórias em quadrinhos. É a visão particular do diretor sobre o personagem, que utiliza menções históricas dos quadrinhos e do cinema, e alusões a filmes como “Taxi Driver” (1976), “O Rei da Comédia” (1982), “Tempos Modernos” (1936), entre outros, isto é, “Coringa” é uma obra composta por muitas referências, mas nem por isso perde sua originalidade, pois se trata de um filme fortemente psicológico, no qual impera a necessidade de compreensão do enigmático mundo de Arthur como ser humano e não como simplesmente o inimigo do Batman, como todos o conhecem. As malignas forças da sociedade “fictícia” de Gothan e do passado (familiar) agem sobre o protagonista, e, a partir daí, assistimos ao espetáculo da transformação de, até então, um louco controlado em um ser caótico cuja teatral psicopatia fez a fama de alguns de seus intérpretes no cinema, pela dificuldade peculiar em traduzir o seu comportamento para o audiovisual. Impossível não lembrar do Coringa de Heath Ledger e impossível não colocar o Coringa atual de Joaquin Phoenix no rol dos grandes Coringas da história do cinema. Abstenho-me de fazer qualquer tipo de comparação entre eles, pois eles atuam em contextos diferentes, um finalístico e outro originário. Prefiro mesmo prestar reverências a essas duas atuações fantásticas e inesquecíveis. A interpretação de Phoenix, por sinal, permite até que o espectador tenha alguma empatia pelo personagem, mesmo sendo um criminoso – seria um herói dos oprimidos? -, mas demonstrando, nos momentos em que tenta exercitar o seu lado cômico, uma ternura e ingenuidade que trouxe à minha lembrança rabiscos da figura de Chaplin, guardadas, é claro, as devidas proporções. É um trabalho literalmente assombroso!

Abstenho-me também de alocar o filme em um contexto político. Prefiro seguir o entendimento do próprio diretor ao dizer que “Coringa não é um filme político”. Em tempos de polarização política exacerbada e nociva, aproveita-se qualquer oportunidade para politizar qualquer coisa. Há, no meu entender, muito mais a discutir sobre “Coringa“: a construção da sociedade tomada como referência; as várias camadas de interesse que compõem o personagem principal; a excelência nos recursos técnicos, principalmente a bela cinematografia, com destaque para alguns enquadramentos não convencionais para mostrar o Coringa em suas mais diversas faces ou facetas; duas ou três cenas apoteóticas; a possibilidade de mais de uma interpretação para seu desfecho; etc. É um filme rico em muitos aspectos, que, destoando do cinema contemporâneo americano, proporciona profundidade às temáticas que sua narrativa se propõe a desenvolver e intensidade em sua exibição, propiciada pelo seu protagonista, que, praticamente, atua em um monólogo – um “stand-up thriller”, no qual até o personagem interpretado pela lenda, Robert De Niro, é um mero coadjuvante.

Destinar toda uma obra cinematográfica à história de um personagem caracterizado por sua vilania não é algo comum, principalmente em se tratando dos chamados “filmes de super-heróis”, produzidos pela Marvel e a DC Comics. Humanizar esse mesmo personagem até o nível de sua intimidade e seus sentimentos é algo menos usual ainda. Tudo isso somado à excelência do trabalho de Joaquin Phoenix concebeu uma obra que, pelo menos nesse momento, modifica o viés da fantasiosa indústria cinematográfica do entretenimento baseado nos quadrinhos e tem o condão de iniciar uma nova era em filmes similares. Só o tempo confirmará essa teoria. A conversão do homem comum para o sociopata tomado pelo ódio e impulsionado por sua insanidade, definitivamente, é um drama para adultos refletirem (no children), pois fica um quê de proximidade ao fim da exibição, pelos exemplos que são vistos com uma certa frequência na mídia. O certo é que aquela risada perturbadora acompanhará o espectador por um bom tempo. Certamente, parafraseando um famoso episódio das histórias em quadrinhos, “Coringa” é uma “piada mortal“.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


 

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