For Sama (2019)

Países: Reino Unido, Síria

Duração: 1 h e 24 min

Gênero: Documentário

Elenco Principal: Waad Al-Kateab, Hamza Al-Khateab, Sama Al-Khateab

Diretores: Waad Al-Kateab, Edward Watts

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt9617456/


Citação: “O único pecado de Sama é ter uma mãe jornalista e um pai médico.”


Síntese: “A devastadora realidade da guerra em oposição ao turbilhão de sentimentos propíciado pela maternidade.”


Opinião: “O mais relevante documentário produzido em 2019”.


A chamada Batalha de Aleppo foi um confronto militar entre o governo do ditador da Síria, Bashar al-Assad, e grupos radicais e opositores à seu regime, que aconteceu entre 19 de julho de 2012 e 22 de dezembro de 2016. Com a luxuosa ajuda do poderio armamentista do Irã e da Rússia, os rebeldes foram derrotados e a ditadura de Assad continua até os dias de hoje. Estima-se mais de 100.000 mortos durante os mais de 4 anos de batalha e a maioria deles eram civis.

Waad Al-Kateab é uma jovem diretora de cinema. Waad Al-Kateab foi uma das opositoras do regime de Assad durante o conflito armado, cuja importante função era registrar as atrocidades do governo contra a população local, que, sem muita reflexão, podem ser consideradas como crimes contra a humanidade. Waad Al-Kateab é mãe de Sama, que nasceu ao som das bombas lançadas pelos aviões russos. É “Para Sama” que foi produzido esse documentário: a guerra sob o olhar de sua mãe.

Em um país fechado como a Síria, no qual o governo controla a imprensa, cenas como as mostradas em “For Sama” são pedras preciosas, têm um valor inestimável, pois relatam uma grave crise humanitária a partir da perspectiva dos feridos e exilados. Trata-se de um documentário deveras corajoso, pois a vida dos envolvidos esteve em risco durante todo o tempo de gravação, incluíndo a de Sama. Waad trabalha com dois fios condutores concomitantemente: mostrar sua vida pessoal, com o foco em sua filha, em meio à tragédia da guerra, e documentar o conflito propriamente dito, dando grande destaque a filmagens nos hospitais da cidade, onde seu marido se doava por inteiro para salvar as vidas das vítimas da barbárie.

Já dizia a escritora bielorussa Svetlana Alexijevich em uma de suas obras literárias mais famosas: “A guerra não tem rosto de mulher“, entretanto, infelizmente, esse título deve ser colocado na seara da ficção. As mulheres sempre estiveram presentes nas mais diversas guerras, sejam como combatentes ou simplesmente como vítimas ativas ou passivas, e um dos maiores desafios para elas num contexto beligerante, além da própria sobrevivência, é claro, é assistir inerte ao tolhimento de sua essência, de sua feminilidade. Indubitavelmente, a maior exteriorização da essência feminina ora citada é a maternidade. Nesse caso concreto, a guerra tem nome de criança e sobrenome de mulher: Sama Al-Khateab. Apenas o conhecimento dessa afirmação já gera angústia extrema, entretanto, no filme em tela, esse lado do foco funciona também como refúgio para os espectadores, afinal amor de mãe é supremo em qualquer âmbito e a presença de um bebê afaga até os corações mais duros. Pode-se até questionar as motivações da diretora e de seu marido, Hamza, em continuarem numa zona tão perigosa, mesmo tendo a oportunidade de sair de lá. Será amor ao trabalho, à causa, à sua filha ou uma combinação das três opções? Em seu honesto filme, a diretora sempre abre um espaço para justificativas quanto a tais motivações e isso é bastante pertinente, mas, ao mesmo tempo, questionável.

Sempre é bom lembrar que em um documentário, as cenas e o sentimentos são reais, e o documentarista dá o rumo desejado à sua obra, inclusive direcionando a percepção e o julgamento de seu público para um determinado lado. Apesar de Waad fazer parte do grupo opositor e, obviamente, atacar fortemente o seu inimigo em sua narrativa, o governo, as conseqûencias da guerra sempre se encontram em primeiro plano, fazendo com que o espectador se atenha ao lado humano da história, às vidas que são ceifadas, ao compartilhamento da dor de seu semelhante. Há diversas cenas chocantes, que emocionam, angustiam e realmente machucam, portanto, aquela recomendação que existe em filmes perturbadores nunca foi tão necessária e deve ser muito considerada: viewer discretion is advised, ou seja, assista se quiser, mas já está ciente que o filme pode atormentar. Nesse caso, a violência é extrema e suas vítimas em sua maioria são vulneráveis, diga-se, crianças. A diretora não priva seu público do incômodo associado à morte, que está presente nos incontáveis corpos sem vida espalhados pelo chão, no sangue que por vezes deixa a tela ruborizada, na paisagem acinzentada deixada por centenas de edificações destruídas, no luto comovente dos que ainda respiram, mas choram a perda de seus entes queridos. No entanto, nessa mesma conjuntura mortal, há sopros de vida, que, na verdade, siginificam esperança. Isso é o mais belo que pode ser visto em “For Sama“. A esperança é a força-motriz da diretora. A esperança era a força-motriz de muitos que perderam seu maior bem, a vida, em busca da liberdade.

Difícil criticar qualquer aspecto num filme como esses. Deve-se sim exaltar a ousadia e a coragem elevadas à enésima potência de seus realizadores ao proporcionar toneladas de emoção à flor da pele para os espectadores de todo o mundo. Como pode ser lido no pôster: é um dos mais importantes filmes que você verá em sua vida. Corroboro com essa afirmação em gênero, número e grau.

For Sama” é um dos mais belos e perturbadores representantes do cinema humanista em 2019 e, quem sabe, o futuro reservará um lugar na galeria de preciosidades da sétima arte. É uma íntima imersão dentro de uma guerra como nós nunca vimos, e, talvez, nem imaginamos! A guerra nunca esteve tão próxima – e ela pode ser digerida a partir da profundidade de seus horrores!

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

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