Luto e recomeço marcam Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (2022, de Ryan Coogler)

Estreia hoje o último filme da fase 4 da Marvel, e uma das superproduções mais aguardadas do ano. Pantera Negra: Wakanda Para Sempre tem uma difícil missão: suceder o espetacular primeiro filme de 2018. E de lá para cá muita coisa mudou. A fase 4 vem recebendo muitas críticas, seja por defeitos especiais, seja pelo universo estar emaranhado de tal ponto que ou está confuso, ou não entrega todo potencial almejado, sendo essa última a maior reclamação no todo. O astro Chadwick Boseman, justamente o próprio Pantera Negra, faleceu em 2020 devido o câncer. Além de sua prematura morte, a pandemia também atrasou as filmagens. E para completar, a atriz Letitia Wright (a irmã Shuri) não queria se vacinar, atrasando ainda mais as filmagens e deixando o diretor em um papel complicado. O filme teve de ser reescrito para as novas realidades.

Pantera Negra é para este que vos escreve, o melhor filme da Marvel até então, devido sua seriedade, característica social e devoção à cultura africana. Também é o filme que mais abrange características técnicas básicas de cinema, como roteiro, atuações, figurino, maquiagem, direção de arte, fotografia e trilha sonora, coisas que chocantemente faltam na maioria dos filmes de heróis. A prova do que vos digo foi a ampla presença do primeiro filme no Oscar 2019, concorrendo em muitas categorias, inclusive Melhor Filme, e vencendo em Melhor Figurino, Melhor Design de Produção e Melhor Trilha Sonora Original.

Diante tudo isso, as expectativas eram muito altas, sem falar na responsabilidade desse filme de encerrar a conturbada fase 4 de forma mais positiva, e alcançar o hype dos belíssimos trailers lançados ao longo do ano. De certa forma, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre é a obra que eu aguardava: levemente inferior ao primeiro, mas ainda assim muito bom, melhorando um pouco o saldo dessa nova safra do MCU, sendo possivelmente o melhor filme dessa última fase (resgatando um pouco a seriedade e simplicidade); e um dos melhores blockbusters do ano, com uma carta de amor e homenagem ao saudoso Chadwick Boseman.

Wakanda Forever é basicamente um drama sobre luto, protagonizado pelas mulheres que estavam à sombra do herói, e que agora precisam lidar com a falta do mesmo, liderar um reino, lutar contra inimigos, darem voz à sua dor interior, externalizarem isso para poderem seguirem em frente. Fica uma sensação cíclica, de perda, luto e recomeço.

Angela Bassett, que já pode ser considerada um ícone POP devido sua longa e brilhante carreira nos cinemas e TV, entrega uma Ramonda (a mãe) poderosa, explosiva, espetacular, a melhor atuação do longa, de longe. Ela exala majestade, mas também raiva, dor e ponderação. Queria mais dela, inclusive, é a melhor em cena. Letitia Wright entrega com competência uma Shuri perdida, desconsolada, sem voz. Lupita Nyong’o sempre bem, o que já é de se esperar, uma das melhores atrizes da atualidade. É bacana ver o destaque de Danai Gurira como a general Okoye, sempre potente, mas que agora tem dificuldades de se adaptar com novas tecnologias e lideranças. Winston Duke e Michaela Coel são espetaculares, pena que aparecem pouco, queria ver mais deles também. Aliás, Coel subutilizada aqui.

Dominique Thorne entrega uma nova personagem carismática e interessantíssima, com grande potencial. Sua Coração de Ferro faz bonito e novamente, fica a sensação de recomeço, já que ela seria uma “substituta” do Homem de Ferro. Acho bonito ela fazer sua estreia no MCU justamente nesse filme, que lida com a dor do luto e a necessidade de seguir em frente. De certa forma a Marvel fez isso com relação à morte do Homem de Ferro, prestando tributos à ele em filmes anteriores, e agora, seguindo em frente.

Ainda no elenco, é importante por fim, frisar o excelente trabalho de Tenoch Huerta como o vilão da vez, Namor. Imponente, inteligente, culto, poderoso, um dos melhores vilões recentes da Marvel, cujo personagem, sua nação e cultura transcendem a tela. Fica aqui também o comentário de que gostaria de ter visto mais dele, pois quando está em cena, o filme é dele, mas fica a sensação de que não vimos tudo do universo desse personagem e das possibilidades narrativas do mesmo, inclusive na atuação. Mas ele é espetacular.

O roteiro, que teve de se adaptar muitas vezes, consegue fazer milagre, já que além de todos transtornos já mencionados, escrita nunca foi o forte dos filmes de heróis. Mas aqui faz-se o básico bem feito. Roteiro, direção e filme assumem um tom mais simples, sutil, com presença de homenagens ao falecido ator, equilibrando luto e solenidade. Com isso, o filme nunca tenta ser engraçadinho ou espertinho demais, mantendo-se honroso, e nem a ação toma rumos “cavalares”, sempre mantendo um pouco o pé no chão dentro do possível. Sim, há algumas boas cenas de ação, especialmente aquelas antes do final. Só no terceiro ato que senti um pouco que o CGI distraiu, perdendo-se o foco da ação corporal. A direção de Ryan Coogler é sempre competente. Talvez falhe um pouquinho na geografia da ação no final, poderia ter ido mais longe, até nos ângulos de câmera. Mas na maior parte, filma com firmeza e seriedade, especialmente nas cenas dramáticas. Aí entra um ponto interessante nos filmes do Pantera Negra e que falta na maioria dos demais: direção de elenco. Coogler dirige com maestria seu elenco, extraindo a potência das atuações como pode, e isso não é fácil em filme de ação e heróis, onde o foco não é esse.

Com duas horas e quarenta minutos, é um filme robusto, que não cansa, mas que também mostra seu tamanho. Apesar do roteiro um tanto disperso devido aos muitos personagens (e alguns não tão aprofundados), a obra flui quando se concentra em Ramonda, Shuri e Namor. Fico imaginando se o filme avançasse para três horas redondas e dando um pouco mais de foco ao embate corporal na ação e no embate cultural e étnico desses dois povos em guerra, se não seria esse talvez o melhor filme da Marvel(?). Pois ele quase, quase consegue isso. Existem temas complexos sendo pincelados, especialmente colocar dois povos em confronto, lidando com as consequências dos seus líderes, cada um com sua razão.

No quesito técnico, apesar do já citado CGI não ser perfeito, é melhor que alguns dos últimos filmes. Mas o destaque vai novamente para a parte prática da coisa. Os figurinos são espetaculares. Fotografia, direção de arte e maquiagem são muito bons. E a trilha sonora de Ludwig Göransson é espetacular, empolgante, é viva, cheia de referências africanas em meio aos tons épicos. Creio que em alguns desses quesitos o longa pode concorrer ao Oscar.

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre não é perfeito, mas é uma adição muito bem-vinda à franquia, retomando o tom mais sério, emociona trazendo uma bela despedida ao Chadwick Boseman, balanceando lutos e recomeços. O espírito do Pantera Negra vive no povo de Wakanda e no filme em si, ele está ali presente, mesmo que não visível, através de diálogos e honrarias. Namor e Coração de Ferro são adições empolgantes, que em breve deverão aparecer em outras obras desse universo. A Marvel precisa se reorganizar, apostar mais em filmes maduros e que carreguem características cinematográficas puras. Torço para que a fase 5 engrene no cinema e streaming, no ano que vem. Até lá, ficarei na torcida para que esse novo filme do Pantera Negra faça sucesso, pois merece mais do que muitos dos outros filmes por aí.

Wakanda Forever

Título Original: Black Panther: Wakanda Forever

Direção: Ryan Coogler

Duração: 161 minutos

Elenco: Letitia Wright, Lupita Nyong’o, Danai Gurira, Winston Duke, Florence Kasumba, Dominique Thorne, Michaela Coel, Tenoch Huerta, Martin Freeman, Angela Bassett.

Sinopse: Os líderes do reino de Wakanda lutam para proteger a sua nação das forças invasoras, após a morte do Rei T’Challa.

Trailer:

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