O filme feito em uma língua falada por apenas 20 pessoas

  • Rosie Blunt
  • BBC News
O personagem Adiits'ii em cena

Crédito, Niijang Xyaalas Productions

Legenda da foto, O personagem Adiits'ii protagoniza um enredo que beira o sobrenatural

Em uma praia com clima invernal e cheia de árvores coníferas, o corpo de um adolescente é lavado pelo mar na areia cinzenta. Uma mãe corre até o filho morto e o abraça, gemendo.

Enquanto isso, um jovem chamado Adiits'ii foge da cena, correndo para a floresta, ofegante e grunhindo. Tendo levado o menino em um barco nas águas agitadas, ele se sente responsável pela morte.

É essa tragédia familiar que serve como enredo do filme canadense Edge of the Knife, ou Sg̱awaay Ḵ'uuna. A história, cheia de elementos sobrenaturais, se desenrola em torno dos temas universais de família, amor, perda e traição.

O que, no entanto, é bem menos universal é a língua falada no filme, haida. De acordo com o First People's Culture Council (órgão do Estado canadense de British Columbia destinado a questões envolvendo populações indígenas), existem apenas 20 falantes fluentes desta língua, tornando-a criticamente ameaçada.

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Helen Haig-Brown e Gwaai Edenshaw, ele próprio um haida, dirigiram o filme.

Escrever o filme no idioma nativo foi natural, diz Gwaai. "Estávamos contando uma história haida."

Embora os diretores estivessem "totalmente comprometidos com a narrativa", Gwaai explica que eles tinham também a intenção de que Edge of the Knife se tornesse um recurso pedagógico.

Diane Brown é uma das últimas falantes de haida e atuou no filme.

"Nosso sonho logo no início foi ajudar nossos filhos a aprender a língua. Que ajudássemos a ensiná-los", conta Diane.

Diane Brown e sua neta Xyaalaa Emma sorriem em ambiente externo

Crédito, Lauren Brown

Legenda da foto, Diane Brown e sua neta Xyaalaa Emma atuaram no filme
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As comunidades haida vivem em Haida Gwaii, um arquipélago a 100 km da costa oeste do Canadá. Edge of the Knife se passa neste cenário costeiro, em meados do século 19.

No filme, duas comunidades haida se reúnem para preparar comida para o inverno. Seus membros aparecem com padrões geométricos tatuados no peito usam capas fabricadas com material das árvores.

É um retrato delicado de uma família que não sabe do sofrimento prestes a chegar. O arquipélago de Haida Gwaii foi colonizado pelos britânicos em 1853, que o batizou de Colônia das Ilhas da Rainha Charlotte.

Muitos acreditam que os europeus espalharam deliberadamente doenças como a varíola, dando cobertores e lenços infectados ao povo haida, fazendo com que a população despencasse de aproximadamente 10.000 para apenas 588 pessoas.

Esta invasão é prenunciada no filme pela jornada de Adiits'ii para dentro da floresta, onde ele vai à loucura e se transforma em Gaagiixid, o Wildman, perdendo todo o seu senso de identidade.

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Ao longo do século 20, a população haida voltou a crescer e agora está em 3.442 pessoas. Mas o sofrimento dos haida estava longe de terminar. Sua cultura foi erradicada, particularmente nas escolas, onde as crianças indígenas eram obrigadas a trabalhar a manhã toda nos campos e depois recebiam aulas precárias à tarde. Falar haida era estritamente proibido.

Diane Brown lembra que seus pais contavam que professores diziam que, se os alunos falassem a língua, iriam para o inferno. Algumas crianças eram espancadas por falarem sua língua materna.

"Foi uma maneira de tentar nos controlar", diz ela. "Um grande plano para nos assimilar inteiramente."

Gwaai acrescenta que a maioria dos haida ainda "entende que sua situação é de ocupação estrangeira e está frustrada com sua incapacidade de falar sua própria língua em sua própria terra".

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Haida: Um guia rápido

Haida, ou X̲aad Kil / X̲aaydaa Kil, é falada principalmente nas ilhas de Haida Gwaii, e data da ocupação posterior à última Era do Gelo, cerca de 11.000 anos atrás.

Existem três dialetos diferentes de haida, falados em Skidegate e Massett, no Canadá; e Hydaburg, no Estado americano do Alasca. Haida é uma língua isolada, o que significa que ela não se conecta a qualquer outro idioma existente.

A map showing the Haida Gwaii archipelago with Hydaburg, Masset and Skidegate- the three Haida dialects

Frases haida

Siing.gaay 'laa - Bom dia

Gassingu dang giidang? - Como vai?

Asang dang hll ḵing gas ga - Até mais

Gasanguu siingaay giidang? - Como está o tempo?

Gina 'waadlux̱an gud ad kwaagid - Tudo depende de todo o resto (um ditado haida)

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Segundo a Unesco, existem 70 línguas indígenas reconhecidas no Canadá. O First Peoples' Cultural Council diz que quase metade delas está no Estado de British Columbia, que tem uma população indígena de 172.520 habitantes. Mas apenas 3% desta população falam fluentemente uma língua nativa.

Isso reflete um quadro internacional: um relatório da National Geographic Society e do Instituto Línguas em Perigo de Extinção descobriu que, em todo o mundo, um idioma morre a cada duas semanas.

As Nações Unidas declararam 2019 o Ano Internacional das Línguas Indígenas e o financiamento para preservá-las no Canadá aumentou de US$ 5 milhões para US$ 118 milhões (de cerca de R$ 19,7 milhões para R$ 465 milhões) nos últimos anos.

Robert-Falcon Ouellette, membro do Parlamento representando Winnipeg, acredita que a luta pela proteção das línguas ameaçadas é uma causa que vale a pena.

Ele tem ascendência inglesa e indígena (Cri) e é um dos poucos políticos que falaram em sua língua nativa no parlamento em 2017.

Robert-Falcon Ouellette fala em sua língua nativa no parlamento

Crédito, Bernard Thibodeau, Canada House of Commons

Legenda da foto, Robert-Falcon Ouellette falou em sua língua nativa no parlamento
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O discurso em cri de Robert-Falcon pavimentou o caminho para que os parlamentares tenham o direito a intérpretes durante suas falas públicas na Casa. Em março, a rede de televisão aborígine APTN transmitiu pela primeira vez um jogo de hóquei em cri.

Segundo Robert-Falcon, usar as línguas indígenas, seja no cinema, no Parlamento ou nos esportes "mostra aos indígenas que eles são importantes".

Reconexão com as origens

Erica Jean Ryan foi atriz em Edge of the Knife, assim como treinadora de idiomas no set. Ela é haida e começou a aprender a língua oito anos atrás.

Erica Jean Ryan no set de filmagem, com roupas tradicionais

Crédito, Erica Ryan-Gagne

Legenda da foto, Erica Jean Ryan (na foto, à direita) começou a aprender haida há oito anos

Tendo o inglês como primeira língua, pode-se imaginar que o processo de aprendizado tenha sido muito difícil.

Mas Erica diz que o processo foi como extrair o idioma dentro de si.

"Não tive nenhum problema com a pronúncia", lembra. "Já estava em mim."

Para os 22 atores do filme que não falam haida, foram organizados mutirões em que anciãos deram lições do idioma.

Hlaaya recolhe folhas e plantas para ritual funerário do filho

Crédito, Niijang Xyaalas Productions

Legenda da foto, No filme, Hlaaya vive luto por seu filho

Como haida, muitas línguas são transmitidas de geração em geração oralmente e não possuem documentação escrita para preservá-las. Mas agora, pela primeira vez, haida foi escrito - uma ferramenta importante para ajudar novos aprendizes.

Quanto ao roteiro, os escritores primeiro escreveram em inglês e depois levaram aos anciãos para traduzir. Erica descreveu os anciãos como o "batimento cardíaco, a espinha dorsal" do projeto e disse que a equipe de produção precisava "aproveitar seus conhecimentos e dar-lhes a palavra".

Pela primeira vez, o idioma haida também está sendo ensinado nas escolas - e o cinema é uma parte crucial desse processo educacional para as gerações mais jovens.

"(O idioma) atraiu muito mais interesse do que imaginávamos", revela Diane Brown. "Os jovens estão interessados nisso."

Ela viu evidências disso com seu próprio neto, que desde então começou a estudar haida. "Isso deu a ele uma sensação de orgulho de sua identidade como um haida".

Em cena do filme, um haida aparece em frente a construção tradicional deste povo

Crédito, Niijang Xyaalas Productions

Legenda da foto, Em cena do filme, um haida aparece em frente a construção tradicional deste povo

"Este filme dá esperança a outras línguas e outras comunidades indígenas. Se você pode pavimentar o caminho e passar o bastão adiante, então é isso que deve ser feito", diz Erica Jean Ryan.

Para Erica e todo os haida envolvidos no filme, depois de tantos anos de destruição de sua identidade, reviver a língua tem sido um processo emotivo.

"A língua me curou: me fez sentir inteira, me fez perceber o que significa ser haida", diz. "É assim que eu vou ajudar meu pessoal, meus filhos".

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