É relativamente normal que, quando pensamos em um filme, nossa mente já coloque vários lugares, cenas, paisagens, que vão passando pela tela conforme a história se desenvolve. Então, quando nos deparamos com um filme que se passa inteiramente dentro no mesmo lugar, é de se esperar a estranheza. Como um filme consegue sustentar toda uma narrativa de mais de uma hora dentro de um mesmo local? Ainda mais quando este local é apenas um carro?
É um filme simples, em todos os quesitos, o que em nenhum momento deixa de ser um bom filme. A gravação de “Locke” durou apenas oito dias de tamanha a praticidade do projeto. Em roteiro, é um longa surpreendentemente dinâmico, que consegue levar quem assiste até o fim sem se arrastar pelos meios, mesmo com um estilo de narrativa sem grandes reviravoltas, que aposta inteiramente nas problemáticas das relações humanas. O que move a história são as ligações ao longo da viagem. Cada ligação feita ou recebida pelo protagonista significa a gradativa destruição da vida que um dia tivera, das certezas que antes de ligar o carro eram absolutas. Chega a dar certo desespero da impotência de Ivan mediante os acontecimentos narrados e as consequências de seus atos passados.
A fotografia do filme segue esta mesma linha de simplicidade. Joga com reflexos dos espelhos e janelas do carro, assim como acentua as luzes externas ao veículo, como faróis de outros veículos e iluminação da pista, contrastando com a relativa escuridão no interior do carro de Ivan. A sensação de andar de carro sozinho em meio a madrugada, refletindo sobre as escolhas da vida enquanto luzes difusas passam pela janela, impera em todas as cenas. Isso ajuda a criar um ambiente em volta do carro, que nos insere dentro deste como um pequeno e íntimo universo de Ivan, que cada vez mais parece reduzido ao veículo que dirige.
A atuação desse filme é, talvez, o ponto forte dele. Tom Hardy é o único ator que aparece fisicamente no filme, o que faz dele um ponto preciso da trama. Suas feições e reações enquanto ouve, fala e dirige são essenciais ao telespectador, e devo dizer que isso foi feito com sucesso, pois caso contrário não teríamos metade da empatia gerada, ainda mais quando o tempo de tela do ator equivale a 99% do filme. Os atores que dão voz aos conhecidos de Ivan, do outro lado da linha, também fizeram um trabalho fantástico. Algumas vezes passa despercebido que atuar também significa falar, ou dublar, e quando mal feito pode gerar o oposto do que se pretendia. As emoções daqueles que conversam e recebem notícias de Ivan são tão importantes quanto o próprio protagonista, ou até mesmo o carro. As excelentes atuações dos outros atores deixam claro uma oposição entre o mundo dentro do carro e o mundo exterior ao carro, este último que parece cada vez mais distante.
Com simplicidade e precisão na proposta, Locke é um bom filme. Uma história relativamente curta que aposta na pura experiência humana em fazer escolhas e arcar com as consequências destas da melhor, ou pior, maneira possível, mesmo que isso destrua a vida daqueles ao redor. Um bom exemplo de que é possível fazer um trabalho bem feito sem grandes orçamentos e projetos mirabolantes.
Título Original: Locke
Elenco: Tom Hardy, Olivia Colman, Ruth Wilson, Andrew Scott e Ben Daniels
Sinopse: Ivan Locke, um engenheiro civil de sucesso e um dedicado pai de família, recebe um telefonema na véspera de um dos momentos mais importantes de sua carreira, que dá início a desestruturação de tudo aquilo que construíra e cultivara como mais valioso em sua vida.
O que foi relatado durante o filme é que se passaria por aproximadamente 90 minutos e no meio da trama é informado o horário de 21:00. Ou seja, o filme ocorre entre 20:00 e 22:00 entre Londres e e uma cidade com uma distância média entre 150-200 km(Birmingham).