Vamo combinar: o raio pode até cair duas vezes no mesmo lugar, mas três já é demais. "First Class" fez o que ninguém esperava ao trazer novos ares à franquia X-Men no cinema, e "Days of Future Past" surpreendeu ainda mais ao elevar o nível da história, amarrando todos os pontos. Uma hora a bola ia cair, e essa hora foi "Apocalypse".
Depois de dois filmes focando na problemática do passado, "Apocalypse" até segue bem a resposta dada no filme anterior, apontando para o futuro. Mas a forma como faz isso é bem aquém do possível:
as novas personagens são pouco desenvolvidas (noves fora a origem da mutação de Scott e o efeito que o despertar de Apocalypse tem em Jean, todo mundo ali é estranho - e isso é um crime quando temos personagens tão complexas como Tempestade e Noturno em tela) e vemos um vilão vazio em termos de personalidade (o que joga no lixo o talento de Oscar Isaac)
. As únicas compreensões mais profundas que conseguimos ter aqui são sobre Charles, Mística e Magneto. Ainda assim, menos pelo filme em si, mais pelo significado dele no arco narrativo dessas personagens que acompanhamos já há três filmes. E isso é pouco pra um filme que envolve tantas personagens e artistas cheias de potencial.
o arco de Erik nesse filme é todo maravilhoso. Do massacre na floresta, passando pela destruição de Auschwitz, não tem como não se arrepiar. Evan Peters também quebra de uma forma ótima o humor característico de seu personagem quando necessário, o impacto da falta do pai é enorme nele. A situação do Charles e toda sua posição ~~conciliadora~~ fizeram mais sentido pra mim diante desse filme. Afinal, se ele tem acesso às mentes, ele consegue ver e sentir os processos emocionais e psiquícos por trás de todos os atos, mesmo os mais abomináveis. Daí a dor dele ser tanta, daí a pena dele ser tanta. Fiquei curioso pra saber o que será de Magneto no futuro, uma vez que a Mística assumiu o que era a bandeira dele na causa mutante, né? Xavier educa a galera pra ser diplomata e controlada, Raven os treina pra serem soldados quando necessários.
De modo geral, o filme é legal, é divertido, as lutas são legais, a chegada de Mercúrio na mansão é maravilhosa, e como eu esperava essa queda de nível nem chega a ser decepcionante. Só me faz pensar que pros X-Men serem tratados propriamente, com a profunidade que tem, a FOX vai precisar se virar pra pensar em formatos - séries, filmes spin-off acompanhando apenas parte da equipe, o que for.
Me surpreendi. O estilo, essa aparência meio reality que o texto, a cinematografia e as interpretações passaram, tudo faz muito sentido para expor o contraste entre a realidade banal, cotidiana, comum do set de filmagem e o resultado poético, extraordinário que filmes geralmente criam em si (e o formato "slice of life" ajuda bastante, fazendo um recorte bem definido de um dia somente, sem muita explicação do que rolou antes nem muita elucubração final sobre o que vai rolar depois). Além disso, toda a situação envolvendo sentimento e atuação, que extrapola o teatro ou cinema, né? A dúvida que Zoe tem depois de ser beijada por Mal nos bastidores certamente bate na cabeça de todo mundo em algum momento da vida, seja depois de um beijo ou não: "será que aquela pessoa tava sendo honesta quando falou/fez aquilo?".
Não achei o ritmo lento, achei na verdade tudo no filme bem real - seja pelo joguete da amiga querendo ver o casal reatando, seja pelas reações pouco lineares de ambas. Contou uma boa história, verossímil, possível e tocante, sem pretensões universalizantes ou irreais. Gostei, mesmo.
O que me incomodou foi a presença exclusiva de pessoas brancas na história, como se não houvessem mulheres negras realizando e produzindo filmes lésbicos nos EUA - noves fora o fato de todo mundo ali ser bem padrãozinho modelo. Mas o filme é legal :)
Que filme gostoso de assistir numa tarde de feriado, hahahaha. Filme B de sci-fi seguindo a receita clássica do gênero: roteiro com furos, poucas personagens, poucos cenários e um monte de cena de ação deliciosamente sem sentido.
Em condições normais, entretanto, o filme pode incomodar muito: aparentemente, os únicos humanos capazes de sobreviver são caucasianos e heterossexuais, e a única ~~língua antiga~~ lembrada é o inglês (ao qual se referem como A LÍNGUA ANTIGA, não "uma" das línguas antigas).
1,5 estrelas pela Kate (porque é legal ver uma personagem feminina nesse lugar de "heroína capaz de tudo", por mais que as cenas sejam mentirosas), pelo Kevin Sorbo e pelo argumento que me cativou até certa altura, rs.
Que comédia gostosa, viu? E o fato de cada ato ser praticamente uma história diferente faz com que você consiga rir de todas as situações sem saturar nenhuma delas, evitando a repetição. Nunca tinha assistido nada de Dany Boon, mas adorei o jeito que ele faz comédia física aqui. A piada do passaporte do Jean Valjean foi sensacional, hahahaha.
Gosto muito de escrever análises sobre as coisas que assisto aqui no Filmow, geralmente conheço gente bacana e travo debates enriquecedores agindo dessa forma. E, caramba, "Lemonade" é uma obra de arte como há tempos não se vê. Só que eu não tenho condições, não tenho estrutura de racionalizar cada sentimento e flash de pensamento que me atravessou ao longo dos 60 minutos desse filme. Acho que nunca vi uma parada tão completa na minha vida: pessoal e coletiva, íntima e pública, destruidora e revigorante, experimental e popular, tudo ao mesmo tempo. Que maravilha. Que maravilha <3
Uma coisa que sempre valorizei foram filmes que conseguem abordar situações complexas sem necessariamente precisar de um apêndice pra você entendê-la. Obras com camadas, que falam tanto invidivualmente quanto coletivamente. E "Dear White People" dá uma aula de como fazer isso.
Porque, na verdade, não é um filme sobre racismo. É um filme sobre pessoas negras na universidade, ponto. Foi com essa premissa que o filme foi atrás de financiamento colaborativo pelo Kickstarter, "fazer um college film com personagens negras de verdade". Invariavelmente, o racismo é uma questão que essas personagens lidam, mas não torna o filme sobre ele.
O filme é sobre Sam, Lionel, Coco e Troy. E uma grande vitória dele é não pretender usar essas personagens pra falar por ninguém.
Ele é bem fiel ao estilo de college films, na estética noventista e indie, no humor em alguns momentos bem escrachado (como na cena da bilheteria do cinema) e principalmente ao abordar estereótipos identificáveis, com quem a audiência pode se relacionar ou relacionar pessoas que conhece, mas rompe um pouco ao não encerrar a história com o fim dos acontecimentos da festa, sem apresentar um final feliz para todos. Sam ainda tem suas questões pessoais a tratar e vai lidar com o julgamento de seus colegas de militância, Coco tem um monte de ódio si ainda dentro de seu coração e que ela pelo visto vai conseguir capitalizar, Troy se mantém na corda-bamba de suas contradições convenientes de "ser como eles" ou ser como o pai quer que seja. Por mais que a audiência enfrente situações parecidas, esse filme não se pretende etnográfico, não pretende falar por ninguém.
E isso é ótimo! Porque num mundo em que #BlackLivesMatter e #OscarsSoWhite precisam existir, essa é uma forma necessária de lembrar que cada pessoa é um mundo, e colocar meia dúzia de personagens negras em filmes de uma indústria dominada por pessoas brancas, com um tom de "pronto, se vejam aqui, tá ótimo" não resolve problema nenhum de representatividade.
Em termos de militância, ele bate certo demais nos aspectos identitários.
Porque se a gente encara identidade como uma coisa por si fragmentada, pouco harmonioosa e coerente, no contexto da clivagem racial estadunidense é pior ainda. Sam, militante aguerrida, que não abaixa a cabeça, mas que precisa se proteger dentro de uma carapaça pra dormir à noite - a carapaça que a blinda de questionamentos a respeito de sua negritude através do silenciamento de partes de si. Ou Troy, que trabalha pra construir uma carreira acadêmica e política, e por isso não pode assumir ser um trekker (branco demais pra um líder comunitário negro) nem uma relação com uma mulher negra (negro demais pra um representante institucional burguês).
Aliás, é sensacional a forma como o filme crítica esse modo impessoalizado de se fazer política.
Porque as três figuras que trabalham institucionalmente nesse meio no filme são Sam, Troy e Reggie. Ela, não se conecta pessoalmente com ninguém de sua equipe, nem ninguém que ela devia representar; Troy nem sabe direito porque está ali, só faz o que é mandado porque é conveniente pra suas aspirações pessoas que resumem, basicamente, a ser popular, admirado e famoso; Reggie, que manobrou ilegalmente a votação pra eleger Sam e depois a pressionou pra fazer a manifestação, pouco se importou quando viu a colega na sua frente prestes a cair no choro - a pergunta não foi "você tá bem?", foi "você tá pronta (pro protesto)?". Isso faz muito sentido no contexto acadêmico, porque as pessoas até se aproximam de você pessoalmente, mas só enquanto você aparenta ser um ~~recurso político~~ interessante. A política institucional é feita disso, pelo visto: ou você tem objetivos pouco nobres, ou práticas excusas, ou ambos (e, no processo, nenhum respeito às pessoas de modo geral, nenhuma responsabilidade por seu impacto individual e coletivo sobre elas).
Daí é sensacional que o grande incomodado com a festa tenha sido Lionel. Porque ele, do alto de sua posição apolítica, é que dentro da festa percebe o tamanho daquele disparate e de como não pode ficar parado diante daquilo. E vai fazer o que precisa ser feito. Curioso que, no final das contas, as 4 personagens se sentiram ofendidas com a festa, e cada uma agiu à sua maneira: Troy deu uma forma de capitalizar-se politicamente, Lionel foi a faísca que iniciou a manifestação, Sam botou lenha na fogueira para aumentar a cena e Coco continuou mentindo pra si pra se sentir aceita em uma sociedade que a exclui. Nenhuma das personagens é vilanesca ou donzelesca, e isso é ótimo. São pessoas, com qualidades, defeitos e contradições infinitas, como todo mundo que assiste.
E representatividade é justamente sobre isso, né? Olhar pra tela e pensar "essa não é minha vida, mas poderia muito bem ser"? Belíssima jogada. Aplaudo de pé.
É difícil falar qualquer coisa nova sobre um clássico do cinema, talvez até impossível. O lance de como o suspense é psicológico em Hitchcock, o papel de cúmplice que o espectador assume na história intromissão de Jefferies, a métafora das relações, tudo já foi dito. E o fato de mesmo 50 anos depois de seu lançamento, tendo influenciado uma série de cineastas e filmes, ele ainda tocar quem o assiste, envolvendo em sua narrativa e estética, é um primor. Obra de arte mesmo.
Me chamou atenção o quanto a janela indiscreta do Jefferies tem muito da nossa condição atual nas redes sociais. É um voyeurismo generalizado, sustentado por um exibicionismo sem fim. E todo mundo criando um monte de historinha na cabeça, usando as carinhas do feed de notícias do Facebook como personagem.
Legal a relação metafórica do filme com as relações amorosas que Ari apontou em seu comentário (https://filmow.com/comentarios/4974198/). O que me tocou muito também foi a afirmação de que nenhuma certeza humana é permanente, que o que faz a pessoa e as relações são os momentos e que um segundo pode mudar tudo
: o casal que se amava enlouquecidamente e começa a brigar porque o marido largou o emprego, a bailarina que ~~vivia em excessos~~ até o amor de sua vida voltar do exército, o próprio assassino que em um momento foi tão atencioso com o cachorro da vizinha e depois o assassinou... e, claro, a "Srta. Solitária", que desiste do suicídio ao ouvir a música do vizinho tocando. Sem contar no próprio casal principal, né? Que inicialmente envolve Jefferies com uma perna quebrada, e nem um pouco disposto a casa com Lisa por considerá-la "perfeita demais"... até que ela viola a lei, embarca em suas louca investigação, se muda de vez pra sua casa e fica do seu lado (enquanto ele, quase casado, tá com as duas pernas quebradas, dormindo e alheio à vida dos outros agora que tem satisfação na sua própria vida).
É até difícil comentar, rs. Porque o filme não é nada diferente do que promete: um besteirol baseado em um dos piores filmes dos últimos tempos. Consegue arrancar algumas risadas sim, mas é difícil tirar risadas de diversão escrachando mais ainda a ruindade de uma história que já causa risadas por aversão.
O hype anterior levantou minha sobrancelha e o pau que a crítica desceu no filme na época do lançamento me parecia bem fundamentado. Resultado: assisti o filme com as expectativas sob controle e, gente, não é que curti?
Em "Homem de Aço" Snyder tentou colocar em prática a proposta de criar um universo de super-heróis que fosse também sombrio e verossímil. Lá ele falhou estrondosamente, a meu ver. Aqui, a mão parece ter acertado mais
: as personagens principais FAZEM SENTIDO com seus nortes morais e conflitos, o protagonismo do Batman (não do Bruce Wayne, importante frisar) detetive à moda antiga e a própria atuação de Jesse Eisenberg como um Lex Luthor inteiramente novo e nitidamente psicótico, é tudo bem bom. Ver Batman e Superman, dois super heróis com modos de ação bem distintos, se unindo a partir da dor que compartilham em questões familiares foi bonito também.
A discussão sobre poder que o longa traz é interessante.
Confesso que achei a cena de Bruce ~~flutuando~~ junto aos morcegos no começo bastante irritante e me afastou na primeira vez que tentei assistir. Mas na segunda tentativa passei por cima disso e não me arrependo. A Lois Lane também me irritou, como havia feito em "Homem de Aço". É impressionante como essa personagem é horrível e Amy Adams consegue fazer ela ainda pior. Sorte que a Mulher Maravilha tá aí pra salvar o dia.
Filme bem bacana, divertido, coerente e que cumpre bem sua proposta.
A única coisa que não me desceu muito bem foi a motivação do Luthor. Digo, okay, deu pra sacar que ele tem probleminha mental e quer ver o circo pegar fogo. Mas ele não é um Coringa do Nolan, não é um agente do caos, não é uma entidade - é uma pessoa. Fiquei com a impressão de que vão desenvolver isso melhor depois. E tomara mesmo. Eu, que nunca fui lá grande fã da DC e nem fiquei ansioso pra ver esse filme antes, estarei no aguardo.
É bem comum ver gente definindo o trabalho da galera de História como "fazer fofoca sobre gente morta". E, bom... não é uma conversa de todo errada. Taí "Declínio do Império Americano" pra pongar nessa história de um modo inteligente e divertido - mas também cansativo e muito, mas muito datado e problemático.
Porque é isso que todas as personagens, funcionárias de um Departamento de História de uma Universidade canadense, fazem ao longo de todo filme: f o f o c a. E, de modo bastante cínico e irônico, demonstram o ponto central do título enquanto não levam a sério a existência de uma crise de valores nessa sociedade ocidental oitentista na prática de suas relações pessoais e profissionais.
O transcorrer do filme também leva à risca a máxima de Oscar Wilde - "tudo na vida é sobre sexo... menos o sexo, sexo é sobre poder". Aqui, a forma de lidar com a sexualidade entrega as incoerências e verdades secretas de todos. E é aqui que entra o problema também. A narrativa quebra a dicotomia entre mulher-amor e homem-sexo, e isso é legal. Mas o reforço à ideia de uma suposta natureza poligâmica masculina incomoda, assim como a associação entre homossexualidade e DSTs. A cereja do bolo de problemas é a personagem de Louise: a única personagem que adota abertamente posições feministas é justamente a que relaciona em sua vida privada prazer a submissão. Entendo o quão coerente isso é para apontar as contradições das personagens, sim, mas essas contradições específicas no contexto específico dessa produção, no fim dos anos 80, ganha uma conotação política bem reacionária.
No fim das contas, rende umas risadas e cumpre bem seu propósito de demonstrar a existência dessa tal crise de valores (muito graças às boas interpretações do elenco também). Mas seu compromisso político latente diminuiu bastante meu interesse na obra. Vale a pena, mas não vi essa obra-prima toda que haviam me falado. [visto em 24/07/16]
: tem personagem principal irreal, tem o grande desafio da história sendo bem bobinho, tem situações ABSURDAS acontecendo com o padrinho de casamento/alívio cômico e tem final feliz pra todo mundo. Divertido, mas bem pouco relacionável. O gênero evoluiu bastante nos últimos dez anos, no sentido de criar histórias mais próximas da realidade da maior parte das pessoas. E de proporcionar elencos mais diversos - peloamordedeus, são 90 minutos de apenas gente branca em cena (contei 3 figurantes negras: o casal recém-casado da terapia de casal no boliche e a organizadora do blind date), que horror.
Sou mais um do grupo de pessoas que passou a curtir os filmes de 007 depois da reformulação que o Martin Campbell promoveu em "Casino Royale", com toda a verossimilhança da ação e o foco no desenvolvimento de Bond como pessoa. Infelizmente os filmes seguintes se perderam no equilíbrio entre esse novo paradigma de filmes de espionagem pós-Identidade Bourne e a velha estética Bondiana. Pensei que "Spectre" fecharia bem o arco, ao amarrar as pontas da quadrilogia e voltar, de um jeito ou de outro, ao primeiro filme. Nossa, como me enganei.
Como em "Skyfall", mais uma vez temos um vilão que cria uma sombra enorme e amedrontadora, mas que fala mais do que faz. Aqui, o caso é ainda pior: diante da relação pessoal que Franz tem com Bond, o efeito que um causa no outro é muito pequeno em nível emocional. As personagens de Monica Belucci e Léa Seydoux também são muito pouco convincentes, e o fim do programa 00 me fez pensar que conseguiria ver M em ação (o que seria certamente um ponto alto do filme, mas não rolou).
O que mais me decepcionou foi a ~~quebra estética~~ construída ao longo dos últimos três filmes.
Afinal, o que mais choca em "Casino Royale" é o final nem um pouco feliz, com Bond perdendo seu grande amor e tendo que lidar com a dor. Dali em diante, só vemos finais felizes, que tem na ~~deserção~~ do 007 seu ápice. Coerente com a tradição Bondiana, talvez, mas completamente incoerente com o tom amargo e verossímil que este arco narrativa parecia estar disposto a adotar no seu primeiro capítulo.
: a equipe Moneypenny-M-Q funciona, a sincronia entre eles é ótima e o desenvolvimento das personagens em torno de Bond nos últimos dois filmes é muito boa. A discussão em torno de privacidade e democracia que o filme levanta, pouco tempo depois do escândalo de espionagem da NSA, é também bem útil e importante. E a interpretação em "Writing's on the Wall" QUASE me fez gostar de Sam Smith, hahaha
.
Então: "Spectre" diverte e entretém, mas só se você desligar o cérebro. Porque para assistir tentando pensar em algo... olha, consegue ser pior que "Quantum of Solace".
No meio de uma crescente mundial fascista, esse argumento se torna ao mesmo tempo interessante e assustador. E a estética de mockumentary que ele assume em alguns momentos é o ponto mais alto do filme, e o que mais incomoda.
Porque você vê um cara vestido de Hitler andando no meio de pontos turísticos e falando com pessoas... e sendo tratado como uma atração por quem passa. Fotos, saudações, piadas. Palavras de apoio. Declarações absurdas de apoio ao ódio. Ao longo de todo o filme somente uma pessoa interpela as gravações para hostilizar a ideia. E mesmo que isso tenha ocorrido mais vezes e retirado da montagem final, o volume de apoio que a personagem percebe em seus trânsitos urbanos já é o suficiente pra dar raiva e medo.
De resto, o filme traz alguns pontos muito legais,
a reflexão sobre a faceta autoritária e irresponsável que todos temos, a busca insana por audiência que os meios produtos de conteúdos empreendem em todos as mídias, a louca hierarquia moral que torna engraçado vociferar ódio contra grupos historicamente desfavorecidos desde que nenhum animal seja machucado no processo e o próprio final de Fabian, sendo internado por passar a se posicionar contra o Hitler lá. Mas, na boa? Esperava mais. Como comédia, acaba dependendo somente da capacidade de Oliver Masucci de ~~improvisar~~ nas entrevistas e encontros, porque a narrativa mesmo da história e das personagens é bem sem graça. Isso sem contar o aspecto ético da coisa: sabendo que estamos numa crescente odiosa no mundo, é válido criar esse tipo de situação mesmo que para denunciar esse fascismo iminente? E as pessoas que sofreram diretamente com o regime nazista e se depararam com esse cara nas ruas de Berlin? E as família que até hoje carregam essa dor? Questões complexas, e que o filme faz questão de ignorar.
Boa ideia, mas não tanto quanto achei inicialmente. O filme é legal, mas é bom assistir sem expectativas.
Assistir filmes sem ter muita noção sobre eles, porque é o que tá passando no cinema na hora, me parece a forma mais genuína de ver filmes. Foi assim que assisti "Terre Battue" e logo de cara recebi uma das melhores sequências iniciais que já assisti.
Porque aquela cena de Jérôme deixando o escritório, se despedindo dos colegas de modo comedido, vendo o peso dos cumprimentos aumentando a cada "até logo, obrigado", chegando ao ápice na salva de palmas dos vendedores que saudam pela última vez seu diretor regional... para isso tudo ser quebrado no momento em que ele atravessa a porta automática e mete a mão no bolso pra buscar a chave do carro, desativar o alarme, abrir a porta do motorista, seguir a vida. O corte brusco no som das palmas parece edição, mas é só a vida mesmo, e essa mania concreta de toda e qualquer catarse emocional ser interrompida pelas buzinas do cotidiano.
Me chamou muito atenção o quanto o protagonista aqui é a epítome do homem branco privilegiado:
ele seria rebaixado dentro da empresa porque o resultado de sua gestão está abaixo do esperado, mas se recusa a aceitar isso por ter essa crença inquestionável em suas capacidades profissionais (que, no final, se mostram insuficientes e defasadas, uma vez que o plano de negócio que apresentou em busca de investimentos é tido como arcaico e defasado); cria um projeto novo do nada, sem ter a menor concretude, contando com um dinheiro que não tem MESMO quando seu contrato de saída da empresa anterior o impedia de tomar parte em qualquer negócio que representasse a menor concorrência que fosse a seu ex-empregador; negliencia tudo e todos ao seu redor em nome daquilo que considera mais importante pra si, desde a paixão espotiva do filho à realização profissional da esposa; e desrespeita tudo e todos em nome de sua própria conveniência (até seu hábito de comprar sapatos par aa esposa entra aqui, pois é algo que ele faz para alimentar sua autoimagem de marido zeloso, mesmo ela demonstrando pouquíssima empolgação com os presentes recebidos).
Nesse ritmo, a atitude de Ugo não foi mais que previsível.
Afinal, seu pai passa por cima de tudo que é concreto e real em nome de sua "paixão" por trabalhar no varejo de sapatos. Então, no primeiro momento em que sua paixão pelo tênis é colocada à prova, ele mimetiza a ação do pai: passa por cima das regras, ignora a humanidade de seu oponente e faz o que fez.
Laura me parece a personagem mais negligenciada pela história.
Porque é uma mulher profissionalmente bem sucedida, cujo sucesso é ignorado pelo marido, que ainda assume às tarefas domésticas sozinha e que percebe que não tem mais condições de continuar naquela relação quando vê seu marido tomando decisões cada vez menos concretas, se importando cada vez menos com o impacto das consequências de seus atos sobre a família. Essa mulher tem uma história, cara, e sentimentos muito maiores do que a frustração em não entender mais o marido e o zelo cego sobre o filho. A redução dessa mulher a um apêndice da vida do marido e do filho foi algo que me incomodou bastante. Ao menos a blindagem em torno do desempenho esportivo de Ugo não é uma responsabilidade somente dela: tanto a ausência de acompanhamento do pai, quanto o comportamento paternalista da treinadora são parte do que mantém o menino em sua zona de conforto quando deveria na verdade estar buscando romper todos os seus limites. O único que de fato o impulsiona nesse sentido é o treinador Sardi, que reforça o quanto perseguir uma paixão envolve muito mais sofrimento e trabalho duro do que prazer. E é por focar no prazer e menosprezar o a importância do sofrimento que tanto Ugo quanto Jérôme se vêem, ao final, impedidos de viver suas paixões. Porque se trata de um pacote completo. E se você só corre atrás da metade, acaba sem nem um pedacinho sequer do bolo inteiro.
No final das contas, o filme me surpreendeu pelas reflexões em que me lançou, sobre o sentimento de paixão, sobre o que significa perseguir uma paixão, sobre o que é necessário para viver de fato a paixão. E a força das sequências iniciais e finais também, uau. Filme bem legal, mesmo.
Desde que "A Bruxa de Blair" inaugurou essa onda de filmes em primeira pessoa que a execução de um longa de ação utilizando essa técnica parece questão de tempo. Acontece que até ontem, eu pelo menos nunca havia visto nenhum (tirando um ou outro cura ou videoclipe), talvez até por toda a lógica "gamer" que mora na utilização desse tipo de quadro pra sequências de ação. Daí "Hardcore Henry" pega essa associação e abraça com força pra entregar um filme de ação que é, no mínimo, divertido.
O enredo é fraco? É. Os alívios cômicos falham na maior parte do tempo? Falham. Tem muita merda misógina? Tem. Mas se o ponto é fazer a audiência se sentir jogando um game de ação, o filme consegue isso muito bem, tanto pelos tropos e clichês narrativos quanto pela própria condução das sequências - os tiroteios são ótimos, as aparições de Jimmy são divertidas e o vilão realmente parece insuperável por quase toda a história.
Dava pra fazer beeeeeem melhor, tanto em termos de conceito quanto de execução (tem uns CGs que, minha nossa...), mas dá pra sacar que o foco da produção aqui não foi fazer um puta filme de ação, e sim fazer um gameplay live action. E até agora tô tentando entender porque gastaram tanta grana pra botar o Tim Roth no filme por uma mísera cena.
Geralmente, é comum os bons filmes de terror atingirem 1 de 3 perguntas que são colocadas diantes de eles: (1) é visualmente interessante?; (2) tem algo de original/inovador/próprio no roteiro?; (3) dá margem pra leituras profundas da realidade? E o que acontece? "It Follows" recebe as três e responde as três.
O conceito visual do filme se funde justamente com o que traz de original na História - falar do amadurecimento de uma geração que desde cedo caminha na corda-bamba da autoconsciência. Aqui, os adolescentes leem Doistoievski, se questionam sobre o sentido da vida e veem os clássicos da ficção científica do século XX... ao mesmo tempo em que querem foder o vizinho, a amiga de infância, as prostitutas na rua, foder, foder, foder. Visualmente isso se faz presente à medida que a cinematografia foi lá no Tumblr sacar o look and feel e aplicou direitinho aqui. Tudo isso aliado com uma boa construção de pânico permanente que mistura o show off sobrenatural clássico com a tensão psicológica que os asiáticos ensinaram bem na década passada.
A meu ver, o que o roteiro tem de original é justamente sua capacidade de fazer bem o que é a principal proposta do cinema de horror (fornecer uma alegoria que espelha medos reais e com os quais a audiência pode se relacionar) enquanto defende uma leitura psicossocial sobre uma geração e aponta um caminho pra ela.
Porque "it" são as DSTs, é a ideia judaico-cristão de punição pelo sexo que já é em si um clichê no cinema de horror, é o rebuceteio, é a incapacidade emocional de lidar com as mudanças, é o medo de ser adulto, é o medo da morte, é a crise de ansiedade que mistura tudo isso e pode ser engatilhada a qualquer momento em qualquer lugar por qualquer coisa dentro do campo de visão e que te lembra de que você não tá no controle de absolutamente nada pois do nada uma merda colossal pode passar e levar tudo que te sustenta (o processo visual de amadurecimento se faz presente na própria palheta de cores do filme, que começa focando no rosa, marrom e azul em tons claros e termina bem mais pesado e explorando contraste entre branco cinza e preto). E, no fim, o caminho apontado é uma mudança de percepção: em vez de se entregar ao desespero do mal inevitável, que uma hora vai te alcançar, o mais construtivo a fazer é aceitar sua existência e seguir caminhando. Um passo de cada vez.
"Guerra Civil" prometia uma quebra dramática e cheia de tensão no MCU, uma separação, uma mudança sem precedentes e cujas consequências repercutiriam até a "Guerra Infinita". O filme não é ruim, na verdade é até bom. O problema foi todo esse: prometer demais.
A trama original de fala de uma guerra de verdade, cheia de sangue, mortes e erros para todos os lados. Aqui, a maior parte dos embates é levada com bastante leveza. Apesar de levar de modo bastante sensato o clima de divisão até a metade do filme mais ou menos, "Guerra Civil" assume descaramente o lado do Capitão na metade final (puder, né, o filme é do cara).
Em termos de desenvolvimento de personagens, não há do que reclamar. As
sementes plantadas aqui vão germinar bastante: a mágoa de Natasha com Tony, a culpa de Visão, o trauma de Wanda, a própria consequência do racha sendo levado a cabo pela incapacidade de diálogo de Tony com o Capitão quando este último esteve disposto a assiná-lo... tudo isso vai dar treta suficiente na Guerra Infinita. As personagens apresentadas também são maravilhosas. Pantera Negra e Homem-Aranha chegam com tudo, sim, mas não salvam. Porque o problema de "Guerra Civil" não é de texto, é de conceito mesmo. Não há guerra, a única participação "civil" é a do acidente em Lagos, e no final temos apenas mocinhos separados pelas circunstâncias.
Não é ruim, mas é bem inferior ao "Soldado Invernal". Mas, sim, a trilogia do Capitão acaba sendo a mais consistente dentro do MCU mesmo.
Filme britânico, sobre a história de um pintor de paisagens do século XIX: isso é elemento suficiente para que a audiência se prepare pra mais de duas horas de uma história beeeeem leeeeeenta. O que eu particularmente demorei de sacar (e que, no fim, despertou um interesse enquanto assistia) foi o quanto essa lentidão não se tratava somente de um recurso estilístico para garantir a inacessibilidade da obra ao grande público, mas sim era parte da própria estética vitoriana do longa.
Boas biografias costumam ser capazes de nos aproximar de figuras que parecem distantes, pelo tempo ou por sua trajetória, e mais ainda de nos fazer ver o quanto aquelas pessoas eram parte de um contexto (e eram, ao mesmo tempo, produtoras e produtos dele). Foi muito bacana ver Turner ser pintado aqui com contornos reais e sem indulgências.
Era um escroto sim, que abusava de sua criada, negligenciava de modo quase absurdo as filhas, se relacionava de modo superficial com quase todos que conhecia. Sua relação mais profunda se dá justamente com a arte.
A expressividade comum a seus quadros, a forma como estes se encaixam na sua própria trajetória de vida, tudo isso contrasta amargamente com a quase que total inexpressividade da personalidade de Turner construída aqui. Aliás, essa falta de expressão vai além, é uma tônica do filme e é tão hegemônica que transforma os momentos de maior impacto emocional do filme em cenas quase constrangedoras (o choro de William após a morte de seu pai, o flerte com a Sra. Booth, o sexo com Hannah, etc). Erro na condução da narrativa? Insensibilidade artística da direção? Que nada: nada melhor para contar a história de um homem vitoriano do que por sua audiência pra sentir toda a indiferença que nascia daquela austeridade. A arte de Turner é seu único meio de real expressão de sentimentos em uma sociedade cuja própria ideia de expressão é censurada. E a admiração do seu público vem também desta censura - afinal, boa parte deles sequer tinha este único meio para expressar seus sentimentos mais profundos.
Ri demais na cena do chá na casa dos Ruskin, em que o protagonista irritado com as críticas do jovem crítico John Ruskin a um já falecido pintor questiona se ele preferiria um bife e uma torta de rim ou uma vitela e uma torteiro de cordeiro. O ponto ali era um só, e fico me perguntando com os críticos de cinema devem ter se sentido com aquela alfinetada certeira bem abaixo de suas costelas. Afinal, sentar e julgar a arte, a expressão e o sentimento de alguém é realmente algo bom, construtivo, principalmente quando não se tem noção alguma do que de fato foi necessário para que aquela obra chegasse a existir ali diante de seu público? Diante da nítida intenção de desmerecer a crítica de Ruskin com essa direta alegação de sua falta de contato com a ~~vida real~~, acho que Turner (e talvez Leigh) responderiam de forma negativa a essa questão.
No fim, a reflexão sobre a misoginia do próprio Turner é forte.
A mulher que o sustentara e apoiara a seu jeito por todo auge da carreira termina esquecida, definhando; a que o acolhe no começo do seu declínio e fica a seu lado nos piores momentos, sorri apesar de sua morte. A certeza é que o gênio artístico do pintor não teria como se expressar não fosse a dedicação absoluta dessas duas mulheres, que abriram mão de suas próprias vidas para apoiá-lo. E não há beleza alguma nisso, como a solidão de Hannah aponta.
O filme é lindo e conta com uma atuação muito boa do protagonista e de quase todo mundo que tem considerável tempo de tela (tirando o patético John Ruskin de Josh McGuire e o irritante Haydon de Martin Savage, mas é preciso pensar o quanto disso não é culpa do texto, não é verdade?). A cinematografia impressiona e compõe bem o tom da narrativa ao escolher o simples, afinal, estamos falando do início do reinado da Rainha Vitória e como historiador aprecio esses comprometimentos históricos. Gostei do filme, é uma boa pedida para quem gosta de ver historicidades reconstituídas em forma e conteúdo no cinema, mas possivelmente entediaria até a morte quem se interesse menos por esse caminho narrativo.
É legal ver filmes que pegam uma certa história que junta tendências e fazem algo inesperado a respeito, repetindo elementos suficientes pra que essas tendências sejam reconhecidas mas passando ao largo dos clichês. "Me and Earl and the Dying Girl" faz isso. Porque, né, você olha a história e vê vários clichês potenciais emergindo: high school, garoto branco mezzo-solitário-mezzo-autodepreciatiavo, amigo negro, menina com câncer, lição de vida. A chave que torna este um filme bem particular é que ele faz questão de lembrar o que é óbvio na realidade: nenhuma escola é igual, muito menos os garotos brancos, os amigos negros, as meninas com câncer e as lições que a vida pode nos dar.
Para Greg, a grande lição teve a ver com constatar que seu medo de solidão acabava sendo uma profecia autorrealizável já que ele mesmo construía uma barreira intransponível entre ele e o mundo. O necessário pra isso não foi ~~a garota que vai morrer~~, mas o nascimento de um laço expontâneo, que nasceu sinceramente da simples oportunidade de convivência. Ele tinha algo parecido com Earl, claro, mas a distância de Greg também imperava naquela relação - mas só do lado dele, tanto que Earl o descreve com perfeição na conversa com Rachel na escada.
Inclusive, Earl é um ponto altíssimo. Pela sinceridade que a personagem traz como marca principal também, mas é muito legal ver uma personagem negra que foge do estereótipo do "amigo negro". Ele não tá ali como símbolo de street wise (apesar da intervenção na briga do amigo, e do próprio soco dado em Greg - que, na real, foram duas ações que acho que todo mundo no lugar dele faria igual, principalmente por nenhum dos dois caras que ele bateu oferecerem de fato alguma resistência) e o que uniu ele e Greg foi a curiosidade, o gosto pelo exótico e o amor pelo cinema. Isso é ótimo. E a relação que ele estabelece com a Rachel, a forma como dá a real pro Greg quando ele tá sendo um vacilão, acho que tornam ele o personagem mais próximo da audiência no filme (e aí o título em português vai além de ser apenas uma forma de manter a rima do título original).
Rachel é a grande chama no centro do filme, que, ao meu ver, é menos explorada do que poderia. Okay, no final das contas esse filme não é sobre ela, mas sim sobre Greg. Mas ela nos fornece uma outra experiência de raciocínio, não apenas sobre a condição do câncer (e o quão exaustivo e desgastante o processo é, o quanto é insuportável e o quanto a fragilidade decorrente do tratamento pode expor ainda mais fragilidades emocionais que as pessoas já possam ter - além, claro, de toda a problemática do suicídio, NECESSÁRIA para se tratar toda e qualquer doença com potencial de letalidade) mas sobre a própria condição da adolescência e, ousaria dizer, da vida.
É curioso, porque olho pra esse filme e fico tentado a rotulá-lo como mais uma história de "mulher no refrigerador", aquele tropo em que uma personagem feminina é sacrificada para o amadurecimento de uma personagem masculina, mas não consigo. Porque Rachel não é levada ao limite por ninguém especificamente, ela simplesmente opta por desistir por não aguentar mais. E o ato construtivo de Greg decorrente de sua morte é a tentativa de recuperar a vaga na faculdade, algo que inclusive ela se aplicou mais que ele pra conseguir inicialmente, com a carta e tudo mais. Esse ato dela ganha até outro significado na relação entre eles quando percebemos que Greg ao longo de todo filme não faz nada por si, porque decidiu fazer, ele sempre é convencido ou puxado pelos outros. Olhando por esse ponto, qual o amadurecimento que a morte dela causou? Absolutamente nenhum, pois ele está lá tentando entrar na faculdade porque foi Rachel quem mandou.
De um ponto de vista ~~cinematográfico~~, o filme tem um conceito visual bem definido e focado na high school, mesmo que nem tantas cenas assim se passem na escola.
Constrói uma atmosfera leve na primeira metade, o que faz muito sentido uma vez que tá abordando coisas que o prório Greg conhece e lida bem, reforçando o quão confortável ele se sente inerte em meio aquilo. A segunda metade ganha outros tons, brincando de ir e voltar a essa leveza, e representa bem a forma como Greg lida com tudo de novo que tá vivendo: ele tá meio transtornado, mas continua buscando suas referências de conforto pra seguir inerte, sem chamar a responsabilidade, sem sair do canto. O que representa uma grande superação dessa inércia é o filme que exibe pra Rachel, que traz uma ruptura estilística com todos os outros filmes que fez com Earl e vimos no decorrer da história, apontando pra uma tomada de consciência sobre sua própria inércia e a constatação da necessidade de se mexer. Mas, sabe o mais legal?
Ninguém pode garantir que depois daquela cena final, de enviar o filme pra Pitt State, ele de fato tomou um rumo. Porque as coisas que a gente vive e aprende (sobre si e sobre os outros) não são livros numa prateleira, que abrimos e lemos determinada página quando precisamos. Tá mais pra um monte de balas de canhão ricocheteando dentro da gente e que às, aleatoriamente ou não, acertam o alvo e se fazem sentir. O professor McCarthy fala sobre sermos capazes de desvendar coisas sobre pessoas após a morte delas. Só que não é só sobre pessoas, é sobre tudo que tem um final. Porque o fim pode até chegar pra uma vida, uma história, uma amizade. Mas dentro da gente, cada pedaço dessa segmento de reta que cessou continua, e sendo parte do nosso próprio segmento. E cada vez que encaramos um ponto desse segmento dá pra ver - ele é formado de muitos outros pontinhos menores.
Todo o hype em torno do filme me deixou muito empolgado, mesmo. Afinal, Deadpool já é um personagem cheio de potencial cômico, com capacidade de entregar cenas de ação ótimas e divertidas. E esse filme consegue oferece justamente isso. Ryan Reynolds encarna Wade Wilson com maestria e o texto adaptou muito bem o tom do personagem pro cinema. O filme é legal, cheio de referências, com boas atuações e excelentes piadas, bem dirigido e com uma direção de arte legal, ponto. Mas é uma ~~pausa pro cérebro respirar~~, tão somente. E num momento em que o legal dos filmes de super-heróis é sua capacidade de divertir enquanto bota pra pensar, "Deadpool" acaba parecendo um pouco incompleto apesar de bem coerente com a proposta da personagem. Vale a pena ver numa tarde de sábado :)
O surto de comediantes de stand-up que inundou a cultura pop nos últimos 10 anos é algo enorme, principalmente nos EUA. E a saturação desse mercado criou uma horda de piadistas sem limites, online e offline, preparados para comediar tudo e todos, de preferência da forma mais ofensiva possível. "The zuera never ends", certo? "The Comedy" oferece uma visão da inércia privilegiada que se esconde por trás desse cinismo (pseudo? anti?) cômico.
Swanson é um homem branco rico, que nunca precisou bater um prego numa barra de sabão pra se virar. Seu pai está morrendo, e esse é o tipo de situação que balança o íntimo de qualquer ser humano, certo? O lance é que o compromisso de Rick Alverson não é com uma narrativa linear, com focos e planos de fundo, com sequência de acontecimentos relacionados diretamente - o que ele busca afirmar é justamente a necessidade do cinema abordar a natureza estranha e aleatoriamente caótica da vida real. A personalidade escrota de Swanson se torna palpável através do que ele e seus amigos chamam ~~humor~~, sim, mas a graça do cinema de Alverson está nas ambiguidades. O cara que vai em um bar no meio de uma vizinhança majoritariamente negra pra fazer piadas racistas, que paga $400 pra dirigir um táxi e assediar mulheres nas ruas, que vê como piada ameaçar estuprar uma colega de trabalho, é o mesmo que descarrega sua raiva da situação de quase-morte do pai cavando um buraco, que tenta aliviar estresse de sua vida pedalando com toda força que tem, que entrega sua fragilidade emocional no ombro da cunhada. Mas, claro, sempre dando contornos absurdos a seus atos, afinal a comédia em questão é justamente a que acontece fora dos palcos. Por isso que na tentativa de se mostrar menos inútil do que aparenta ele vai buscar um emprego de lavador de pratos. Por isso que para levar a intelectual de esquerda pra cama, ele bota pra fora meio mundo de abobrinhas racistas, xenofóbicas e conservadoras. É tudo sobre romper os limites, ser edgy, mas sem nunca parecer estar tentando. É o tal do ~~medo do fracasso~~ que ele, como bom hipster, disfarça de piada pra que ninguém perceba sua inércia e não note que suas tentativas não são apenas uma punchline.
Um dos fracassos de Swanson está justamente na sua capacidade de interagir de fato com as outras pessoas. O que ele tem a oferecer é apenas um show, uma perfomance verborrágica pra onde nem ele mesmo sabe aonde vai dar. A resposta alheia é desnecessária, e a rejeição silenciosa diante de seus números é a reação que ele anseia como confirmação de si, da força de sua transgressão. E aí reside o fracasso da personagem enquanto comediante, e de sua vida enquanto comédia. O segredo do humor está no inesperado (e Alverson demonstra acreditar nisso, com a cena inicial que vem do nada pra nos deixar entender que "The Comedy" não é "mais uma comédia") mas também no engajamento espontâneo que a cena final do longa guarda pra nós. Entre a anticomédia e a comédia há a vida cotidiana, sem roteiro e sem sentido, que você pode ler como quiser mas cujos fatos você provavelmente só conseguirá dar significado depois de acontecidos.
Legal ver essa afirmação em defesa de um cinema mais real aqui, que aborde a vida de uma forma menos idealizada e seu transcorrer como algo menos ordenado, ainda maissabendo que nela existe o germe do que viria a se tornar "Entertainment" (um dos meus filmes favoritos), que aborda essas afirmações com mais profundidade e, por quê não dizer?, mais talento.
Depois "Diary of the Dead" de mais uma vez revolucionar o gênero que inventou, Romero resolveu voltar ao básico, juntando o mesmo mundo destruído por um ataque zumbi, muito gore e texto bem fraco. A diferença de "Survival of the Dead" pros clássicos de zumbi é o final
- aqui temos esperança, em vez da desilusão inaugurada com aquele fim de "Night of the Living Dead" e que se reafirmou em quase todos os filmes de George Romero (mas que não é algo inovador, visto que o próprio diretor já havia recorrido a ela, e nem torna o final necessariamente doce ou otimista).
E como sabemos que a ideia original de seu primeiro filme teve a ver com usar os mortos-vivos como alegoria metáforica para a despersonalização promovida pela sociedade capitalista que incentiva o consumismo desenfreado, esse filme traz ainda outras afirmações interessantes.
Por um lado, a ideia de adaptação dos zumbis já estava presente em "Land of the Dead"
(lá, evidenciada pela capacidade de andar no fundo do mar, aqui pela capacidade de comer algo que não humanos). Ela traz consigo o significado da descontrole existente dentro da própria horda consumista e acéfala, a ideia de que uma vez transformados essas pessoas se tornam imprevisíveis e vão devorar o que for preciso para continuar perambulando por aí.
Por outro, temos também a ideia de que mesmo os zumbis permanecem fieis à sua essência caso sua individualidade seja preservada, o que reforça o ~~efeito manada~~ da praga
- vimos os mortos acorrentados repetindo os hábitos que eram mais fortes em suas vidas, como o carteiro entregando cartas, o lenhador cortando madeira, a Jane cavalgando no cavalo e, no fim, O'Flynn e Muldon se desafiando.
Isso também já havia sido abordado pelo próprio Romero em "Day of the Dead", mas aqui ganha contornos políticos nítidos. As duas famílias separadas pelo Pussy River e uma rivalidade histórica são uma representação do que há de mais tradicional no passado agrário estadunidense, é a raíz e o fruto da competição exarcerbada característica no estilo de vida propagado pelos EUA.
E é essa tradição que, no seu pego a individualidade dos seus, pode resgatar os comedores de carne descerebrados. Mas este modo de vida está fadado a desaparecer, pois o ataque zumbi é imparável e adaptável ao que encontra em sua frente.
A esperança fica por conta das pessoas vivas, rumando para algum outro lugar aonde terão que lutar por suas vidas contra outros zumbis e outras pessoas mal-intencionadas (e terminar o filme com o grupo de protagonistas vivo é algo relativamente raro em Romero). E o significado disso é deveras otimista, ainda mais em tempos de agitação política radicalizada em diversos pontos do globo.
Afinal, se nos mantermos unidos, focando no essencial, e evitando o perigo, conseguiremos sobreviver à horda, certo?
Ver um filme com elenco de peso dirigido por uma mulher é algo raro. Que essa mulher seja ainda uma quadrinista premiada, então, deve ser mais raro ainda. É o primeiro filme que vejo dirigido por Satrapi desde "Persépolis" e, no final, abri um sorriso besta - afinal, não é todo dia que a gente se depara com uma das artistas mais completas em atividade assim, demonstrando todo seu talento.
A direção dela e a atuação ótima de Ryan Reynolds realmente coloca a gente dentro da cabeça de Jerry.
E aí é possível encarar os assassinatos com a mesma leveza com que a esquizofrenia faz a personagem encarar - e, de modo difícil, o filme faz com que eles não sejam banalizados, pois ao invocar na cena da ~~perseguição~~ de Fiona na floresta o velho clichê de filme de serial killers, ondea mocinha correndo de um cara armado, vestida de roupa íntima branca, e tropeçando no meio da floresta, Marjane faz um lindo trabalho metalinguístico de sinalizar o terror da situação sem nos fazer de fato sentir medo de Jerry.
No fim das contas, o que dá pra sentir por ele é pena.
Pela trajetória de vida escrota e principalmente pela falta de assistência psiquiátrica decente ao longo da vida. Como dá pra ver, suas sessões de terapia eram infrutíferas, não havia uma conexão real entre terapeuta e paciente, era apenas uma burocracia exigida pelo sistema penitenciário. E o resultado, bom, foi aquilo: ele abandonando os remédios por encontrar nas vozes a fuga pra solidão desoladora que o cercava e acabando por surtar. A pior parte é ver que aquela terapeuta tinha capacidade e condições humanas de lidar com Jerry de outra forma. Mas não o fez, sabe-se lá por que motivo.
A abordagem meio lúdica foi bem curiosa, porque nos bota pra torcer que o amor por Lisa ~~o conserte~~, o faça melhorar. Mas Satrapi lembra que a ludicidade aqui é a lente pela qual Jerry vê o mundo e, na prática, nenhum amor pode curar uma doença psiquíca. Esquizofrenia não é um mau humor matinal, que passa com um beijo e um "eu te amo". É uma condição desumanizadora, que destroça sua percepção da realidade ao seu redor e de si mesmo. E que numa sociedade preconceituosa e com vocação pra segregação é uma maldição muito difícil de lidar. Pelo menos o final representou alguma redenção pra Jerry. Pelo menos na morte ele encontrou paz e se livrou da solidão.
Um ponto que tá ecoando na minha mente desde que o filme acabou é o quanto naturalizamos situações abusivas que podem não apenas ser gatilhos para surtos de pessoas que sofrem com doenças psíquicas, como podem se tornar os próprios traumas fundamentais de doenças psíquicas.
A colega de trabalho que prefere não ligar pra desmarcar o encontro por não querer enfrentar o desgaste, o pai abusivo que prefere gritar do que encarar e tentar lidar construtivamente com a condição de seu filho, o próprio descaso médico que torturou sua mãe e construiu na mente de Jerry a aversão ao tratamento de sua condição... parece que cada pedacinho dessa sociedade existe com a missão de destruir todo mundo.
E, nesse caso, alguém pode culpar Jerry por preferir jogar os remédios pela torneira e ver alguma cor nesse lixão?
Há muito que Velozes e Furiosos funciona menos como filme e mais como franquia: a gente assiste porque desenvolveu uma relação com os personagens e pra ver o que vai acontecer com eles. E de quebra confere umas pancada, umas corrida de carro e umas explosão. Assisti o 7 hoje e vi mais um belo exemplar do que a franquia se propõe a fazer, mas confesso que esperei que Brian fosse melhor trabalhado em virtude da morte do Paul Walker. A despedida ficou bonita, no final das contas, mas acho que esperei demais de um típico filme pipoca.
X-Men: Apocalipse
3.5 2,1K Assista AgoraVamo combinar: o raio pode até cair duas vezes no mesmo lugar, mas três já é demais. "First Class" fez o que ninguém esperava ao trazer novos ares à franquia X-Men no cinema, e "Days of Future Past" surpreendeu ainda mais ao elevar o nível da história, amarrando todos os pontos. Uma hora a bola ia cair, e essa hora foi "Apocalypse".
Depois de dois filmes focando na problemática do passado, "Apocalypse" até segue bem a resposta dada no filme anterior, apontando para o futuro. Mas a forma como faz isso é bem aquém do possível:
as novas personagens são pouco desenvolvidas (noves fora a origem da mutação de Scott e o efeito que o despertar de Apocalypse tem em Jean, todo mundo ali é estranho - e isso é um crime quando temos personagens tão complexas como Tempestade e Noturno em tela) e vemos um vilão vazio em termos de personalidade (o que joga no lixo o talento de Oscar Isaac)
Mas, pra não dizer que não falei das flores:
o arco de Erik nesse filme é todo maravilhoso. Do massacre na floresta, passando pela destruição de Auschwitz, não tem como não se arrepiar. Evan Peters também quebra de uma forma ótima o humor característico de seu personagem quando necessário, o impacto da falta do pai é enorme nele. A situação do Charles e toda sua posição ~~conciliadora~~ fizeram mais sentido pra mim diante desse filme. Afinal, se ele tem acesso às mentes, ele consegue ver e sentir os processos emocionais e psiquícos por trás de todos os atos, mesmo os mais abomináveis. Daí a dor dele ser tanta, daí a pena dele ser tanta. Fiquei curioso pra saber o que será de Magneto no futuro, uma vez que a Mística assumiu o que era a bandeira dele na causa mutante, né? Xavier educa a galera pra ser diplomata e controlada, Raven os treina pra serem soldados quando necessários.
De modo geral, o filme é legal, é divertido, as lutas são legais, a chegada de Mercúrio na mansão é maravilhosa, e como eu esperava essa queda de nível nem chega a ser decepcionante. Só me faz pensar que pros X-Men serem tratados propriamente, com a profunidade que tem, a FOX vai precisar se virar pra pensar em formatos - séries, filmes spin-off acompanhando apenas parte da equipe, o que for.
[visto em 24/09/16]
Anatomia de uma Cena de Amor
2.3 97 Assista AgoraMe surpreendi. O estilo, essa aparência meio reality que o texto, a cinematografia e as interpretações passaram, tudo faz muito sentido para expor o contraste entre a realidade banal, cotidiana, comum do set de filmagem e o resultado poético, extraordinário que filmes geralmente criam em si (e o formato "slice of life" ajuda bastante, fazendo um recorte bem definido de um dia somente, sem muita explicação do que rolou antes nem muita elucubração final sobre o que vai rolar depois). Além disso, toda a situação envolvendo sentimento e atuação, que extrapola o teatro ou cinema, né? A dúvida que Zoe tem depois de ser beijada por Mal nos bastidores certamente bate na cabeça de todo mundo em algum momento da vida, seja depois de um beijo ou não: "será que aquela pessoa tava sendo honesta quando falou/fez aquilo?".
Não achei o ritmo lento, achei na verdade tudo no filme bem real - seja pelo joguete da amiga querendo ver o casal reatando, seja pelas reações pouco lineares de ambas. Contou uma boa história, verossímil, possível e tocante, sem pretensões universalizantes ou irreais. Gostei, mesmo.
O que me incomodou foi a presença exclusiva de pessoas brancas na história, como se não houvessem mulheres negras realizando e produzindo filmes lésbicos nos EUA - noves fora o fato de todo mundo ali ser bem padrãozinho modelo. Mas o filme é legal :)
[visto em 17/09/16]
Os Sobreviventes
1.5 36Que filme gostoso de assistir numa tarde de feriado, hahahaha. Filme B de sci-fi seguindo a receita clássica do gênero: roteiro com furos, poucas personagens, poucos cenários e um monte de cena de ação deliciosamente sem sentido.
Em condições normais, entretanto, o filme pode incomodar muito: aparentemente, os únicos humanos capazes de sobreviver são caucasianos e heterossexuais, e a única ~~língua antiga~~ lembrada é o inglês (ao qual se referem como A LÍNGUA ANTIGA, não "uma" das línguas antigas).
1,5 estrelas pela Kate (porque é legal ver uma personagem feminina nesse lugar de "heroína capaz de tudo", por mais que as cenas sejam mentirosas), pelo Kevin Sorbo e pelo argumento que me cativou até certa altura, rs.
[visto em 07/06/16]
Supercondríaco
3.5 18Que comédia gostosa, viu? E o fato de cada ato ser praticamente uma história diferente faz com que você consiga rir de todas as situações sem saturar nenhuma delas, evitando a repetição. Nunca tinha assistido nada de Dany Boon, mas adorei o jeito que ele faz comédia física aqui. A piada do passaporte do Jean Valjean foi sensacional, hahahaha.
[visto em 30/08/16]
Lemonade
4.6 87Gosto muito de escrever análises sobre as coisas que assisto aqui no Filmow, geralmente conheço gente bacana e travo debates enriquecedores agindo dessa forma. E, caramba, "Lemonade" é uma obra de arte como há tempos não se vê. Só que eu não tenho condições, não tenho estrutura de racionalizar cada sentimento e flash de pensamento que me atravessou ao longo dos 60 minutos desse filme. Acho que nunca vi uma parada tão completa na minha vida: pessoal e coletiva, íntima e pública, destruidora e revigorante, experimental e popular, tudo ao mesmo tempo. Que maravilha. Que maravilha <3
[visto em 29/08/16]
Cara Gente Branca
3.8 175 Assista AgoraUma coisa que sempre valorizei foram filmes que conseguem abordar situações complexas sem necessariamente precisar de um apêndice pra você entendê-la. Obras com camadas, que falam tanto invidivualmente quanto coletivamente. E "Dear White People" dá uma aula de como fazer isso.
Porque, na verdade, não é um filme sobre racismo. É um filme sobre pessoas negras na universidade, ponto. Foi com essa premissa que o filme foi atrás de financiamento colaborativo pelo Kickstarter, "fazer um college film com personagens negras de verdade". Invariavelmente, o racismo é uma questão que essas personagens lidam, mas não torna o filme sobre ele.
O filme é sobre Sam, Lionel, Coco e Troy. E uma grande vitória dele é não pretender usar essas personagens pra falar por ninguém.
Ele é bem fiel ao estilo de college films, na estética noventista e indie, no humor em alguns momentos bem escrachado (como na cena da bilheteria do cinema) e principalmente ao abordar estereótipos identificáveis, com quem a audiência pode se relacionar ou relacionar pessoas que conhece, mas rompe um pouco ao não encerrar a história com o fim dos acontecimentos da festa, sem apresentar um final feliz para todos. Sam ainda tem suas questões pessoais a tratar e vai lidar com o julgamento de seus colegas de militância, Coco tem um monte de ódio si ainda dentro de seu coração e que ela pelo visto vai conseguir capitalizar, Troy se mantém na corda-bamba de suas contradições convenientes de "ser como eles" ou ser como o pai quer que seja. Por mais que a audiência enfrente situações parecidas, esse filme não se pretende etnográfico, não pretende falar por ninguém.
Em termos de militância, ele bate certo demais nos aspectos identitários.
Porque se a gente encara identidade como uma coisa por si fragmentada, pouco harmonioosa e coerente, no contexto da clivagem racial estadunidense é pior ainda. Sam, militante aguerrida, que não abaixa a cabeça, mas que precisa se proteger dentro de uma carapaça pra dormir à noite - a carapaça que a blinda de questionamentos a respeito de sua negritude através do silenciamento de partes de si. Ou Troy, que trabalha pra construir uma carreira acadêmica e política, e por isso não pode assumir ser um trekker (branco demais pra um líder comunitário negro) nem uma relação com uma mulher negra (negro demais pra um representante institucional burguês).
Aliás, é sensacional a forma como o filme crítica esse modo impessoalizado de se fazer política.
Porque as três figuras que trabalham institucionalmente nesse meio no filme são Sam, Troy e Reggie. Ela, não se conecta pessoalmente com ninguém de sua equipe, nem ninguém que ela devia representar; Troy nem sabe direito porque está ali, só faz o que é mandado porque é conveniente pra suas aspirações pessoas que resumem, basicamente, a ser popular, admirado e famoso; Reggie, que manobrou ilegalmente a votação pra eleger Sam e depois a pressionou pra fazer a manifestação, pouco se importou quando viu a colega na sua frente prestes a cair no choro - a pergunta não foi "você tá bem?", foi "você tá pronta (pro protesto)?". Isso faz muito sentido no contexto acadêmico, porque as pessoas até se aproximam de você pessoalmente, mas só enquanto você aparenta ser um ~~recurso político~~ interessante. A política institucional é feita disso, pelo visto: ou você tem objetivos pouco nobres, ou práticas excusas, ou ambos (e, no processo, nenhum respeito às pessoas de modo geral, nenhuma responsabilidade por seu impacto individual e coletivo sobre elas).
Daí é sensacional que o grande incomodado com a festa tenha sido Lionel. Porque ele, do alto de sua posição apolítica, é que dentro da festa percebe o tamanho daquele disparate e de como não pode ficar parado diante daquilo. E vai fazer o que precisa ser feito. Curioso que, no final das contas, as 4 personagens se sentiram ofendidas com a festa, e cada uma agiu à sua maneira: Troy deu uma forma de capitalizar-se politicamente, Lionel foi a faísca que iniciou a manifestação, Sam botou lenha na fogueira para aumentar a cena e Coco continuou mentindo pra si pra se sentir aceita em uma sociedade que a exclui. Nenhuma das personagens é vilanesca ou donzelesca, e isso é ótimo. São pessoas, com qualidades, defeitos e contradições infinitas, como todo mundo que assiste.
[visto em 27/08/16]
Janela Indiscreta
4.3 1,2K Assista AgoraÉ difícil falar qualquer coisa nova sobre um clássico do cinema, talvez até impossível. O lance de como o suspense é psicológico em Hitchcock, o papel de cúmplice que o espectador assume na história intromissão de Jefferies, a métafora das relações, tudo já foi dito. E o fato de mesmo 50 anos depois de seu lançamento, tendo influenciado uma série de cineastas e filmes, ele ainda tocar quem o assiste, envolvendo em sua narrativa e estética, é um primor. Obra de arte mesmo.
Me chamou atenção o quanto a janela indiscreta do Jefferies tem muito da nossa condição atual nas redes sociais. É um voyeurismo generalizado, sustentado por um exibicionismo sem fim. E todo mundo criando um monte de historinha na cabeça, usando as carinhas do feed de notícias do Facebook como personagem.
Legal a relação metafórica do filme com as relações amorosas que Ari apontou em seu comentário (https://filmow.com/comentarios/4974198/). O que me tocou muito também foi a afirmação de que nenhuma certeza humana é permanente, que o que faz a pessoa e as relações são os momentos e que um segundo pode mudar tudo
: o casal que se amava enlouquecidamente e começa a brigar porque o marido largou o emprego, a bailarina que ~~vivia em excessos~~ até o amor de sua vida voltar do exército, o próprio assassino que em um momento foi tão atencioso com o cachorro da vizinha e depois o assassinou... e, claro, a "Srta. Solitária", que desiste do suicídio ao ouvir a música do vizinho tocando. Sem contar no próprio casal principal, né? Que inicialmente envolve Jefferies com uma perna quebrada, e nem um pouco disposto a casa com Lisa por considerá-la "perfeita demais"... até que ela viola a lei, embarca em suas louca investigação, se muda de vez pra sua casa e fica do seu lado (enquanto ele, quase casado, tá com as duas pernas quebradas, dormindo e alheio à vida dos outros agora que tem satisfação na sua própria vida).
[visto em 26/08/16]
Cinquenta Tons de Preto
1.6 394É até difícil comentar, rs. Porque o filme não é nada diferente do que promete: um besteirol baseado em um dos piores filmes dos últimos tempos. Consegue arrancar algumas risadas sim, mas é difícil tirar risadas de diversão escrachando mais ainda a ruindade de uma história que já causa risadas por aversão.
Batman vs Superman - A Origem da Justiça
3.4 5,0K Assista AgoraO hype anterior levantou minha sobrancelha e o pau que a crítica desceu no filme na época do lançamento me parecia bem fundamentado. Resultado: assisti o filme com as expectativas sob controle e, gente, não é que curti?
Em "Homem de Aço" Snyder tentou colocar em prática a proposta de criar um universo de super-heróis que fosse também sombrio e verossímil. Lá ele falhou estrondosamente, a meu ver. Aqui, a mão parece ter acertado mais
: as personagens principais FAZEM SENTIDO com seus nortes morais e conflitos, o protagonismo do Batman (não do Bruce Wayne, importante frisar) detetive à moda antiga e a própria atuação de Jesse Eisenberg como um Lex Luthor inteiramente novo e nitidamente psicótico, é tudo bem bom. Ver Batman e Superman, dois super heróis com modos de ação bem distintos, se unindo a partir da dor que compartilham em questões familiares foi bonito também.
A discussão sobre poder que o longa traz é interessante.
E o mais interessante de tudo é ver justamente o Superman ocupando o local da dúvida sobre o que fazer com todo poder que tem.
Confesso que achei a cena de Bruce ~~flutuando~~ junto aos morcegos no começo bastante irritante e me afastou na primeira vez que tentei assistir. Mas na segunda tentativa passei por cima disso e não me arrependo. A Lois Lane também me irritou, como havia feito em "Homem de Aço". É impressionante como essa personagem é horrível e Amy Adams consegue fazer ela ainda pior. Sorte que a Mulher Maravilha tá aí pra salvar o dia.
Filme bem bacana, divertido, coerente e que cumpre bem sua proposta.
A única coisa que não me desceu muito bem foi a motivação do Luthor. Digo, okay, deu pra sacar que ele tem probleminha mental e quer ver o circo pegar fogo. Mas ele não é um Coringa do Nolan, não é um agente do caos, não é uma entidade - é uma pessoa. Fiquei com a impressão de que vão desenvolver isso melhor depois. E tomara mesmo. Eu, que nunca fui lá grande fã da DC e nem fiquei ansioso pra ver esse filme antes, estarei no aguardo.
[visto em 25/07/16]
O Declínio do Império Americano
3.8 82 Assista AgoraÉ bem comum ver gente definindo o trabalho da galera de História como "fazer fofoca sobre gente morta". E, bom... não é uma conversa de todo errada. Taí "Declínio do Império Americano" pra pongar nessa história de um modo inteligente e divertido - mas também cansativo e muito, mas muito datado e problemático.
Porque é isso que todas as personagens, funcionárias de um Departamento de História de uma Universidade canadense, fazem ao longo de todo filme: f o f o c a. E, de modo bastante cínico e irônico, demonstram o ponto central do título enquanto não levam a sério a existência de uma crise de valores nessa sociedade ocidental oitentista na prática de suas relações pessoais e profissionais.
O transcorrer do filme também leva à risca a máxima de Oscar Wilde - "tudo na vida é sobre sexo... menos o sexo, sexo é sobre poder". Aqui, a forma de lidar com a sexualidade entrega as incoerências e verdades secretas de todos. E é aqui que entra o problema também. A narrativa quebra a dicotomia entre mulher-amor e homem-sexo, e isso é legal. Mas o reforço à ideia de uma suposta natureza poligâmica masculina incomoda, assim como a associação entre homossexualidade e DSTs. A cereja do bolo de problemas é a personagem de Louise: a única personagem que adota abertamente posições feministas é justamente a que relaciona em sua vida privada prazer a submissão. Entendo o quão coerente isso é para apontar as contradições das personagens, sim, mas essas contradições específicas no contexto específico dessa produção, no fim dos anos 80, ganha uma conotação política bem reacionária.
No fim das contas, rende umas risadas e cumpre bem seu propósito de demonstrar a existência dessa tal crise de valores (muito graças às boas interpretações do elenco também). Mas seu compromisso político latente diminuiu bastante meu interesse na obra. Vale a pena, mas não vi essa obra-prima toda que haviam me falado.
[visto em 24/07/16]
Amor, Felicidade Ou Casamento
2.5 193Esse filme parece uma comédia romântica dos início dos anos 200 filmada com quase 10 anos de atraso
: tem personagem principal irreal, tem o grande desafio da história sendo bem bobinho, tem situações ABSURDAS acontecendo com o padrinho de casamento/alívio cômico e tem final feliz pra todo mundo. Divertido, mas bem pouco relacionável. O gênero evoluiu bastante nos últimos dez anos, no sentido de criar histórias mais próximas da realidade da maior parte das pessoas. E de proporcionar elencos mais diversos - peloamordedeus, são 90 minutos de apenas gente branca em cena (contei 3 figurantes negras: o casal recém-casado da terapia de casal no boliche e a organizadora do blind date), que horror.
[visto em 17/07/16]
007 Contra Spectre
3.3 1,0K Assista AgoraSou mais um do grupo de pessoas que passou a curtir os filmes de 007 depois da reformulação que o Martin Campbell promoveu em "Casino Royale", com toda a verossimilhança da ação e o foco no desenvolvimento de Bond como pessoa. Infelizmente os filmes seguintes se perderam no equilíbrio entre esse novo paradigma de filmes de espionagem pós-Identidade Bourne e a velha estética Bondiana. Pensei que "Spectre" fecharia bem o arco, ao amarrar as pontas da quadrilogia e voltar, de um jeito ou de outro, ao primeiro filme. Nossa, como me enganei.
Como em "Skyfall", mais uma vez temos um vilão que cria uma sombra enorme e amedrontadora, mas que fala mais do que faz. Aqui, o caso é ainda pior: diante da relação pessoal que Franz tem com Bond, o efeito que um causa no outro é muito pequeno em nível emocional. As personagens de Monica Belucci e Léa Seydoux também são muito pouco convincentes, e o fim do programa 00 me fez pensar que conseguiria ver M em ação (o que seria certamente um ponto alto do filme, mas não rolou).
O que mais me decepcionou foi a ~~quebra estética~~ construída ao longo dos últimos três filmes.
Afinal, o que mais choca em "Casino Royale" é o final nem um pouco feliz, com Bond perdendo seu grande amor e tendo que lidar com a dor. Dali em diante, só vemos finais felizes, que tem na ~~deserção~~ do 007 seu ápice. Coerente com a tradição Bondiana, talvez, mas completamente incoerente com o tom amargo e verossímil que este arco narrativa parecia estar disposto a adotar no seu primeiro capítulo.
Pra não dizer que não falei das flores
: a equipe Moneypenny-M-Q funciona, a sincronia entre eles é ótima e o desenvolvimento das personagens em torno de Bond nos últimos dois filmes é muito boa. A discussão em torno de privacidade e democracia que o filme levanta, pouco tempo depois do escândalo de espionagem da NSA, é também bem útil e importante. E a interpretação em "Writing's on the Wall" QUASE me fez gostar de Sam Smith, hahaha
Então: "Spectre" diverte e entretém, mas só se você desligar o cérebro. Porque para assistir tentando pensar em algo... olha, consegue ser pior que "Quantum of Solace".
[visto em 16/07/16]
Ele Está de Volta
3.8 680No meio de uma crescente mundial fascista, esse argumento se torna ao mesmo tempo interessante e assustador. E a estética de mockumentary que ele assume em alguns momentos é o ponto mais alto do filme, e o que mais incomoda.
Porque você vê um cara vestido de Hitler andando no meio de pontos turísticos e falando com pessoas... e sendo tratado como uma atração por quem passa. Fotos, saudações, piadas. Palavras de apoio. Declarações absurdas de apoio ao ódio. Ao longo de todo o filme somente uma pessoa interpela as gravações para hostilizar a ideia. E mesmo que isso tenha ocorrido mais vezes e retirado da montagem final, o volume de apoio que a personagem percebe em seus trânsitos urbanos já é o suficiente pra dar raiva e medo.
De resto, o filme traz alguns pontos muito legais,
a reflexão sobre a faceta autoritária e irresponsável que todos temos, a busca insana por audiência que os meios produtos de conteúdos empreendem em todos as mídias, a louca hierarquia moral que torna engraçado vociferar ódio contra grupos historicamente desfavorecidos desde que nenhum animal seja machucado no processo e o próprio final de Fabian, sendo internado por passar a se posicionar contra o Hitler lá. Mas, na boa? Esperava mais. Como comédia, acaba dependendo somente da capacidade de Oliver Masucci de ~~improvisar~~ nas entrevistas e encontros, porque a narrativa mesmo da história e das personagens é bem sem graça. Isso sem contar o aspecto ético da coisa: sabendo que estamos numa crescente odiosa no mundo, é válido criar esse tipo de situação mesmo que para denunciar esse fascismo iminente? E as pessoas que sofreram diretamente com o regime nazista e se depararam com esse cara nas ruas de Berlin? E as família que até hoje carregam essa dor? Questões complexas, e que o filme faz questão de ignorar.
Boa ideia, mas não tanto quanto achei inicialmente. O filme é legal, mas é bom assistir sem expectativas.
[visto em 19/06/16]
40 - Amor
2.7 2Assistir filmes sem ter muita noção sobre eles, porque é o que tá passando no cinema na hora, me parece a forma mais genuína de ver filmes. Foi assim que assisti "Terre Battue" e logo de cara recebi uma das melhores sequências iniciais que já assisti.
Porque aquela cena de Jérôme deixando o escritório, se despedindo dos colegas de modo comedido, vendo o peso dos cumprimentos aumentando a cada "até logo, obrigado", chegando ao ápice na salva de palmas dos vendedores que saudam pela última vez seu diretor regional... para isso tudo ser quebrado no momento em que ele atravessa a porta automática e mete a mão no bolso pra buscar a chave do carro, desativar o alarme, abrir a porta do motorista, seguir a vida. O corte brusco no som das palmas parece edição, mas é só a vida mesmo, e essa mania concreta de toda e qualquer catarse emocional ser interrompida pelas buzinas do cotidiano.
Me chamou muito atenção o quanto o protagonista aqui é a epítome do homem branco privilegiado:
ele seria rebaixado dentro da empresa porque o resultado de sua gestão está abaixo do esperado, mas se recusa a aceitar isso por ter essa crença inquestionável em suas capacidades profissionais (que, no final, se mostram insuficientes e defasadas, uma vez que o plano de negócio que apresentou em busca de investimentos é tido como arcaico e defasado); cria um projeto novo do nada, sem ter a menor concretude, contando com um dinheiro que não tem MESMO quando seu contrato de saída da empresa anterior o impedia de tomar parte em qualquer negócio que representasse a menor concorrência que fosse a seu ex-empregador; negliencia tudo e todos ao seu redor em nome daquilo que considera mais importante pra si, desde a paixão espotiva do filho à realização profissional da esposa; e desrespeita tudo e todos em nome de sua própria conveniência (até seu hábito de comprar sapatos par aa esposa entra aqui, pois é algo que ele faz para alimentar sua autoimagem de marido zeloso, mesmo ela demonstrando pouquíssima empolgação com os presentes recebidos).
Nesse ritmo, a atitude de Ugo não foi mais que previsível.
Afinal, seu pai passa por cima de tudo que é concreto e real em nome de sua "paixão" por trabalhar no varejo de sapatos. Então, no primeiro momento em que sua paixão pelo tênis é colocada à prova, ele mimetiza a ação do pai: passa por cima das regras, ignora a humanidade de seu oponente e faz o que fez.
Laura me parece a personagem mais negligenciada pela história.
Porque é uma mulher profissionalmente bem sucedida, cujo sucesso é ignorado pelo marido, que ainda assume às tarefas domésticas sozinha e que percebe que não tem mais condições de continuar naquela relação quando vê seu marido tomando decisões cada vez menos concretas, se importando cada vez menos com o impacto das consequências de seus atos sobre a família. Essa mulher tem uma história, cara, e sentimentos muito maiores do que a frustração em não entender mais o marido e o zelo cego sobre o filho. A redução dessa mulher a um apêndice da vida do marido e do filho foi algo que me incomodou bastante. Ao menos a blindagem em torno do desempenho esportivo de Ugo não é uma responsabilidade somente dela: tanto a ausência de acompanhamento do pai, quanto o comportamento paternalista da treinadora são parte do que mantém o menino em sua zona de conforto quando deveria na verdade estar buscando romper todos os seus limites. O único que de fato o impulsiona nesse sentido é o treinador Sardi, que reforça o quanto perseguir uma paixão envolve muito mais sofrimento e trabalho duro do que prazer. E é por focar no prazer e menosprezar o a importância do sofrimento que tanto Ugo quanto Jérôme se vêem, ao final, impedidos de viver suas paixões. Porque se trata de um pacote completo. E se você só corre atrás da metade, acaba sem nem um pedacinho sequer do bolo inteiro.
No final das contas, o filme me surpreendeu pelas reflexões em que me lançou, sobre o sentimento de paixão, sobre o que significa perseguir uma paixão, sobre o que é necessário para viver de fato a paixão. E a força das sequências iniciais e finais também, uau. Filme bem legal, mesmo.
[visto em 15/06/16]
Hardcore: Missão Extrema
3.5 384Desde que "A Bruxa de Blair" inaugurou essa onda de filmes em primeira pessoa que a execução de um longa de ação utilizando essa técnica parece questão de tempo. Acontece que até ontem, eu pelo menos nunca havia visto nenhum (tirando um ou outro cura ou videoclipe), talvez até por toda a lógica "gamer" que mora na utilização desse tipo de quadro pra sequências de ação. Daí "Hardcore Henry" pega essa associação e abraça com força pra entregar um filme de ação que é, no mínimo, divertido.
O enredo é fraco? É. Os alívios cômicos falham na maior parte do tempo? Falham. Tem muita merda misógina? Tem. Mas se o ponto é fazer a audiência se sentir jogando um game de ação, o filme consegue isso muito bem, tanto pelos tropos e clichês narrativos quanto pela própria condução das sequências - os tiroteios são ótimos, as aparições de Jimmy são divertidas e o vilão realmente parece insuperável por quase toda a história.
Dava pra fazer beeeeeem melhor, tanto em termos de conceito quanto de execução (tem uns CGs que, minha nossa...), mas dá pra sacar que o foco da produção aqui não foi fazer um puta filme de ação, e sim fazer um gameplay live action. E até agora tô tentando entender porque gastaram tanta grana pra botar o Tim Roth no filme por uma mísera cena.
[visto em 30/05/16]
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista AgoraGeralmente, é comum os bons filmes de terror atingirem 1 de 3 perguntas que são colocadas diantes de eles: (1) é visualmente interessante?; (2) tem algo de original/inovador/próprio no roteiro?; (3) dá margem pra leituras profundas da realidade? E o que acontece? "It Follows" recebe as três e responde as três.
O conceito visual do filme se funde justamente com o que traz de original na História - falar do amadurecimento de uma geração que desde cedo caminha na corda-bamba da autoconsciência. Aqui, os adolescentes leem Doistoievski, se questionam sobre o sentido da vida e veem os clássicos da ficção científica do século XX... ao mesmo tempo em que querem foder o vizinho, a amiga de infância, as prostitutas na rua, foder, foder, foder. Visualmente isso se faz presente à medida que a cinematografia foi lá no Tumblr sacar o look and feel e aplicou direitinho aqui. Tudo isso aliado com uma boa construção de pânico permanente que mistura o show off sobrenatural clássico com a tensão psicológica que os asiáticos ensinaram bem na década passada.
A meu ver, o que o roteiro tem de original é justamente sua capacidade de fazer bem o que é a principal proposta do cinema de horror (fornecer uma alegoria que espelha medos reais e com os quais a audiência pode se relacionar) enquanto defende uma leitura psicossocial sobre uma geração e aponta um caminho pra ela.
Porque "it" são as DSTs, é a ideia judaico-cristão de punição pelo sexo que já é em si um clichê no cinema de horror, é o rebuceteio, é a incapacidade emocional de lidar com as mudanças, é o medo de ser adulto, é o medo da morte, é a crise de ansiedade que mistura tudo isso e pode ser engatilhada a qualquer momento em qualquer lugar por qualquer coisa dentro do campo de visão e que te lembra de que você não tá no controle de absolutamente nada pois do nada uma merda colossal pode passar e levar tudo que te sustenta (o processo visual de amadurecimento se faz presente na própria palheta de cores do filme, que começa focando no rosa, marrom e azul em tons claros e termina bem mais pesado e explorando contraste entre branco cinza e preto). E, no fim, o caminho apontado é uma mudança de percepção: em vez de se entregar ao desespero do mal inevitável, que uma hora vai te alcançar, o mais construtivo a fazer é aceitar sua existência e seguir caminhando. Um passo de cada vez.
Capitão América: Guerra Civil
3.9 2,4K Assista Agora"Guerra Civil" prometia uma quebra dramática e cheia de tensão no MCU, uma separação, uma mudança sem precedentes e cujas consequências repercutiriam até a "Guerra Infinita". O filme não é ruim, na verdade é até bom. O problema foi todo esse: prometer demais.
A trama original de fala de uma guerra de verdade, cheia de sangue, mortes e erros para todos os lados. Aqui, a maior parte dos embates é levada com bastante leveza. Apesar de levar de modo bastante sensato o clima de divisão até a metade do filme mais ou menos, "Guerra Civil" assume descaramente o lado do Capitão na metade final (puder, né, o filme é do cara).
Em termos de desenvolvimento de personagens, não há do que reclamar. As
sementes plantadas aqui vão germinar bastante: a mágoa de Natasha com Tony, a culpa de Visão, o trauma de Wanda, a própria consequência do racha sendo levado a cabo pela incapacidade de diálogo de Tony com o Capitão quando este último esteve disposto a assiná-lo... tudo isso vai dar treta suficiente na Guerra Infinita. As personagens apresentadas também são maravilhosas. Pantera Negra e Homem-Aranha chegam com tudo, sim, mas não salvam. Porque o problema de "Guerra Civil" não é de texto, é de conceito mesmo. Não há guerra, a única participação "civil" é a do acidente em Lagos, e no final temos apenas mocinhos separados pelas circunstâncias.
[visto em 28/04/16]
Sr. Turner
3.3 77Filme britânico, sobre a história de um pintor de paisagens do século XIX: isso é elemento suficiente para que a audiência se prepare pra mais de duas horas de uma história beeeeem leeeeeenta. O que eu particularmente demorei de sacar (e que, no fim, despertou um interesse enquanto assistia) foi o quanto essa lentidão não se tratava somente de um recurso estilístico para garantir a inacessibilidade da obra ao grande público, mas sim era parte da própria estética vitoriana do longa.
Boas biografias costumam ser capazes de nos aproximar de figuras que parecem distantes, pelo tempo ou por sua trajetória, e mais ainda de nos fazer ver o quanto aquelas pessoas eram parte de um contexto (e eram, ao mesmo tempo, produtoras e produtos dele). Foi muito bacana ver Turner ser pintado aqui com contornos reais e sem indulgências.
Era um escroto sim, que abusava de sua criada, negligenciava de modo quase absurdo as filhas, se relacionava de modo superficial com quase todos que conhecia. Sua relação mais profunda se dá justamente com a arte.
A expressividade comum a seus quadros, a forma como estes se encaixam na sua própria trajetória de vida, tudo isso contrasta amargamente com a quase que total inexpressividade da personalidade de Turner construída aqui. Aliás, essa falta de expressão vai além, é uma tônica do filme e é tão hegemônica que transforma os momentos de maior impacto emocional do filme em cenas quase constrangedoras (o choro de William após a morte de seu pai, o flerte com a Sra. Booth, o sexo com Hannah, etc). Erro na condução da narrativa? Insensibilidade artística da direção? Que nada: nada melhor para contar a história de um homem vitoriano do que por sua audiência pra sentir toda a indiferença que nascia daquela austeridade. A arte de Turner é seu único meio de real expressão de sentimentos em uma sociedade cuja própria ideia de expressão é censurada. E a admiração do seu público vem também desta censura - afinal, boa parte deles sequer tinha este único meio para expressar seus sentimentos mais profundos.
Ri demais na cena do chá na casa dos Ruskin, em que o protagonista irritado com as críticas do jovem crítico John Ruskin a um já falecido pintor questiona se ele preferiria um bife e uma torta de rim ou uma vitela e uma torteiro de cordeiro. O ponto ali era um só, e fico me perguntando com os críticos de cinema devem ter se sentido com aquela alfinetada certeira bem abaixo de suas costelas. Afinal, sentar e julgar a arte, a expressão e o sentimento de alguém é realmente algo bom, construtivo, principalmente quando não se tem noção alguma do que de fato foi necessário para que aquela obra chegasse a existir ali diante de seu público? Diante da nítida intenção de desmerecer a crítica de Ruskin com essa direta alegação de sua falta de contato com a ~~vida real~~, acho que Turner (e talvez Leigh) responderiam de forma negativa a essa questão.
No fim, a reflexão sobre a misoginia do próprio Turner é forte.
A mulher que o sustentara e apoiara a seu jeito por todo auge da carreira termina esquecida, definhando; a que o acolhe no começo do seu declínio e fica a seu lado nos piores momentos, sorri apesar de sua morte. A certeza é que o gênio artístico do pintor não teria como se expressar não fosse a dedicação absoluta dessas duas mulheres, que abriram mão de suas próprias vidas para apoiá-lo. E não há beleza alguma nisso, como a solidão de Hannah aponta.
O filme é lindo e conta com uma atuação muito boa do protagonista e de quase todo mundo que tem considerável tempo de tela (tirando o patético John Ruskin de Josh McGuire e o irritante Haydon de Martin Savage, mas é preciso pensar o quanto disso não é culpa do texto, não é verdade?). A cinematografia impressiona e compõe bem o tom da narrativa ao escolher o simples, afinal, estamos falando do início do reinado da Rainha Vitória e como historiador aprecio esses comprometimentos históricos. Gostei do filme, é uma boa pedida para quem gosta de ver historicidades reconstituídas em forma e conteúdo no cinema, mas possivelmente entediaria até a morte quem se interesse menos por esse caminho narrativo.
[visto em 27/04/16]
Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer
4.0 888 Assista AgoraÉ legal ver filmes que pegam uma certa história que junta tendências e fazem algo inesperado a respeito, repetindo elementos suficientes pra que essas tendências sejam reconhecidas mas passando ao largo dos clichês. "Me and Earl and the Dying Girl" faz isso. Porque, né, você olha a história e vê vários clichês potenciais emergindo: high school, garoto branco mezzo-solitário-mezzo-autodepreciatiavo, amigo negro, menina com câncer, lição de vida. A chave que torna este um filme bem particular é que ele faz questão de lembrar o que é óbvio na realidade: nenhuma escola é igual, muito menos os garotos brancos, os amigos negros, as meninas com câncer e as lições que a vida pode nos dar.
Para Greg, a grande lição teve a ver com constatar que seu medo de solidão acabava sendo uma profecia autorrealizável já que ele mesmo construía uma barreira intransponível entre ele e o mundo. O necessário pra isso não foi ~~a garota que vai morrer~~, mas o nascimento de um laço expontâneo, que nasceu sinceramente da simples oportunidade de convivência. Ele tinha algo parecido com Earl, claro, mas a distância de Greg também imperava naquela relação - mas só do lado dele, tanto que Earl o descreve com perfeição na conversa com Rachel na escada.
Inclusive, Earl é um ponto altíssimo. Pela sinceridade que a personagem traz como marca principal também, mas é muito legal ver uma personagem negra que foge do estereótipo do "amigo negro". Ele não tá ali como símbolo de street wise (apesar da intervenção na briga do amigo, e do próprio soco dado em Greg - que, na real, foram duas ações que acho que todo mundo no lugar dele faria igual, principalmente por nenhum dos dois caras que ele bateu oferecerem de fato alguma resistência) e o que uniu ele e Greg foi a curiosidade, o gosto pelo exótico e o amor pelo cinema. Isso é ótimo. E a relação que ele estabelece com a Rachel, a forma como dá a real pro Greg quando ele tá sendo um vacilão, acho que tornam ele o personagem mais próximo da audiência no filme (e aí o título em português vai além de ser apenas uma forma de manter a rima do título original).
Rachel é a grande chama no centro do filme, que, ao meu ver, é menos explorada do que poderia. Okay, no final das contas esse filme não é sobre ela, mas sim sobre Greg. Mas ela nos fornece uma outra experiência de raciocínio, não apenas sobre a condição do câncer (e o quão exaustivo e desgastante o processo é, o quanto é insuportável e o quanto a fragilidade decorrente do tratamento pode expor ainda mais fragilidades emocionais que as pessoas já possam ter - além, claro, de toda a problemática do suicídio, NECESSÁRIA para se tratar toda e qualquer doença com potencial de letalidade) mas sobre a própria condição da adolescência e, ousaria dizer, da vida.
É curioso, porque olho pra esse filme e fico tentado a rotulá-lo como mais uma história de "mulher no refrigerador", aquele tropo em que uma personagem feminina é sacrificada para o amadurecimento de uma personagem masculina, mas não consigo. Porque Rachel não é levada ao limite por ninguém especificamente, ela simplesmente opta por desistir por não aguentar mais. E o ato construtivo de Greg decorrente de sua morte é a tentativa de recuperar a vaga na faculdade, algo que inclusive ela se aplicou mais que ele pra conseguir inicialmente, com a carta e tudo mais. Esse ato dela ganha até outro significado na relação entre eles quando percebemos que Greg ao longo de todo filme não faz nada por si, porque decidiu fazer, ele sempre é convencido ou puxado pelos outros. Olhando por esse ponto, qual o amadurecimento que a morte dela causou? Absolutamente nenhum, pois ele está lá tentando entrar na faculdade porque foi Rachel quem mandou.
De um ponto de vista ~~cinematográfico~~, o filme tem um conceito visual bem definido e focado na high school, mesmo que nem tantas cenas assim se passem na escola.
Constrói uma atmosfera leve na primeira metade, o que faz muito sentido uma vez que tá abordando coisas que o prório Greg conhece e lida bem, reforçando o quão confortável ele se sente inerte em meio aquilo. A segunda metade ganha outros tons, brincando de ir e voltar a essa leveza, e representa bem a forma como Greg lida com tudo de novo que tá vivendo: ele tá meio transtornado, mas continua buscando suas referências de conforto pra seguir inerte, sem chamar a responsabilidade, sem sair do canto. O que representa uma grande superação dessa inércia é o filme que exibe pra Rachel, que traz uma ruptura estilística com todos os outros filmes que fez com Earl e vimos no decorrer da história, apontando pra uma tomada de consciência sobre sua própria inércia e a constatação da necessidade de se mexer. Mas, sabe o mais legal?
Ninguém pode garantir que depois daquela cena final, de enviar o filme pra Pitt State, ele de fato tomou um rumo. Porque as coisas que a gente vive e aprende (sobre si e sobre os outros) não são livros numa prateleira, que abrimos e lemos determinada página quando precisamos. Tá mais pra um monte de balas de canhão ricocheteando dentro da gente e que às, aleatoriamente ou não, acertam o alvo e se fazem sentir. O professor McCarthy fala sobre sermos capazes de desvendar coisas sobre pessoas após a morte delas. Só que não é só sobre pessoas, é sobre tudo que tem um final. Porque o fim pode até chegar pra uma vida, uma história, uma amizade. Mas dentro da gente, cada pedaço dessa segmento de reta que cessou continua, e sendo parte do nosso próprio segmento. E cada vez que encaramos um ponto desse segmento dá pra ver - ele é formado de muitos outros pontinhos menores.
[visto em 13/04/16]
Deadpool
4.0 3,0K Assista AgoraTodo o hype em torno do filme me deixou muito empolgado, mesmo. Afinal, Deadpool já é um personagem cheio de potencial cômico, com capacidade de entregar cenas de ação ótimas e divertidas. E esse filme consegue oferece justamente isso. Ryan Reynolds encarna Wade Wilson com maestria e o texto adaptou muito bem o tom do personagem pro cinema. O filme é legal, cheio de referências, com boas atuações e excelentes piadas, bem dirigido e com uma direção de arte legal, ponto. Mas é uma ~~pausa pro cérebro respirar~~, tão somente. E num momento em que o legal dos filmes de super-heróis é sua capacidade de divertir enquanto bota pra pensar, "Deadpool" acaba parecendo um pouco incompleto apesar de bem coerente com a proposta da personagem. Vale a pena ver numa tarde de sábado :)
[visto em 09/04/16]
The Comedy
3.4 6O surto de comediantes de stand-up que inundou a cultura pop nos últimos 10 anos é algo enorme, principalmente nos EUA. E a saturação desse mercado criou uma horda de piadistas sem limites, online e offline, preparados para comediar tudo e todos, de preferência da forma mais ofensiva possível. "The zuera never ends", certo? "The Comedy" oferece uma visão da inércia privilegiada que se esconde por trás desse cinismo (pseudo? anti?) cômico.
Swanson é um homem branco rico, que nunca precisou bater um prego numa barra de sabão pra se virar. Seu pai está morrendo, e esse é o tipo de situação que balança o íntimo de qualquer ser humano, certo? O lance é que o compromisso de Rick Alverson não é com uma narrativa linear, com focos e planos de fundo, com sequência de acontecimentos relacionados diretamente - o que ele busca afirmar é justamente a necessidade do cinema abordar a natureza estranha e aleatoriamente caótica da vida real. A personalidade escrota de Swanson se torna palpável através do que ele e seus amigos chamam ~~humor~~, sim, mas a graça do cinema de Alverson está nas ambiguidades. O cara que vai em um bar no meio de uma vizinhança majoritariamente negra pra fazer piadas racistas, que paga $400 pra dirigir um táxi e assediar mulheres nas ruas, que vê como piada ameaçar estuprar uma colega de trabalho, é o mesmo que descarrega sua raiva da situação de quase-morte do pai cavando um buraco, que tenta aliviar estresse de sua vida pedalando com toda força que tem, que entrega sua fragilidade emocional no ombro da cunhada. Mas, claro, sempre dando contornos absurdos a seus atos, afinal a comédia em questão é justamente a que acontece fora dos palcos. Por isso que na tentativa de se mostrar menos inútil do que aparenta ele vai buscar um emprego de lavador de pratos. Por isso que para levar a intelectual de esquerda pra cama, ele bota pra fora meio mundo de abobrinhas racistas, xenofóbicas e conservadoras. É tudo sobre romper os limites, ser edgy, mas sem nunca parecer estar tentando. É o tal do ~~medo do fracasso~~ que ele, como bom hipster, disfarça de piada pra que ninguém perceba sua inércia e não note que suas tentativas não são apenas uma punchline.
Um dos fracassos de Swanson está justamente na sua capacidade de interagir de fato com as outras pessoas. O que ele tem a oferecer é apenas um show, uma perfomance verborrágica pra onde nem ele mesmo sabe aonde vai dar. A resposta alheia é desnecessária, e a rejeição silenciosa diante de seus números é a reação que ele anseia como confirmação de si, da força de sua transgressão. E aí reside o fracasso da personagem enquanto comediante, e de sua vida enquanto comédia. O segredo do humor está no inesperado (e Alverson demonstra acreditar nisso, com a cena inicial que vem do nada pra nos deixar entender que "The Comedy" não é "mais uma comédia") mas também no engajamento espontâneo que a cena final do longa guarda pra nós. Entre a anticomédia e a comédia há a vida cotidiana, sem roteiro e sem sentido, que você pode ler como quiser mas cujos fatos você provavelmente só conseguirá dar significado depois de acontecidos.
[visto em 28/03/16]
A Ilha dos Mortos
2.2 346Depois "Diary of the Dead" de mais uma vez revolucionar o gênero que inventou, Romero resolveu voltar ao básico, juntando o mesmo mundo destruído por um ataque zumbi, muito gore e texto bem fraco. A diferença de "Survival of the Dead" pros clássicos de zumbi é o final
- aqui temos esperança, em vez da desilusão inaugurada com aquele fim de "Night of the Living Dead" e que se reafirmou em quase todos os filmes de George Romero (mas que não é algo inovador, visto que o próprio diretor já havia recorrido a ela, e nem torna o final necessariamente doce ou otimista).
Por um lado, a ideia de adaptação dos zumbis já estava presente em "Land of the Dead"
(lá, evidenciada pela capacidade de andar no fundo do mar, aqui pela capacidade de comer algo que não humanos). Ela traz consigo o significado da descontrole existente dentro da própria horda consumista e acéfala, a ideia de que uma vez transformados essas pessoas se tornam imprevisíveis e vão devorar o que for preciso para continuar perambulando por aí.
- vimos os mortos acorrentados repetindo os hábitos que eram mais fortes em suas vidas, como o carteiro entregando cartas, o lenhador cortando madeira, a Jane cavalgando no cavalo e, no fim, O'Flynn e Muldon se desafiando.
E é essa tradição que, no seu pego a individualidade dos seus, pode resgatar os comedores de carne descerebrados. Mas este modo de vida está fadado a desaparecer, pois o ataque zumbi é imparável e adaptável ao que encontra em sua frente.
A esperança fica por conta das pessoas vivas, rumando para algum outro lugar aonde terão que lutar por suas vidas contra outros zumbis e outras pessoas mal-intencionadas (e terminar o filme com o grupo de protagonistas vivo é algo relativamente raro em Romero). E o significado disso é deveras otimista, ainda mais em tempos de agitação política radicalizada em diversos pontos do globo.
[visto em 27/03/16]
As Vozes
3.2 340Ver um filme com elenco de peso dirigido por uma mulher é algo raro. Que essa mulher seja ainda uma quadrinista premiada, então, deve ser mais raro ainda. É o primeiro filme que vejo dirigido por Satrapi desde "Persépolis" e, no final, abri um sorriso besta - afinal, não é todo dia que a gente se depara com uma das artistas mais completas em atividade assim, demonstrando todo seu talento.
A direção dela e a atuação ótima de Ryan Reynolds realmente coloca a gente dentro da cabeça de Jerry.
E aí é possível encarar os assassinatos com a mesma leveza com que a esquizofrenia faz a personagem encarar - e, de modo difícil, o filme faz com que eles não sejam banalizados, pois ao invocar na cena da ~~perseguição~~ de Fiona na floresta o velho clichê de filme de serial killers, ondea mocinha correndo de um cara armado, vestida de roupa íntima branca, e tropeçando no meio da floresta, Marjane faz um lindo trabalho metalinguístico de sinalizar o terror da situação sem nos fazer de fato sentir medo de Jerry.
No fim das contas, o que dá pra sentir por ele é pena.
Pela trajetória de vida escrota e principalmente pela falta de assistência psiquiátrica decente ao longo da vida. Como dá pra ver, suas sessões de terapia eram infrutíferas, não havia uma conexão real entre terapeuta e paciente, era apenas uma burocracia exigida pelo sistema penitenciário. E o resultado, bom, foi aquilo: ele abandonando os remédios por encontrar nas vozes a fuga pra solidão desoladora que o cercava e acabando por surtar. A pior parte é ver que aquela terapeuta tinha capacidade e condições humanas de lidar com Jerry de outra forma. Mas não o fez, sabe-se lá por que motivo.
A abordagem meio lúdica foi bem curiosa, porque nos bota pra torcer que o amor por Lisa ~~o conserte~~, o faça melhorar. Mas Satrapi lembra que a ludicidade aqui é a lente pela qual Jerry vê o mundo e, na prática, nenhum amor pode curar uma doença psiquíca. Esquizofrenia não é um mau humor matinal, que passa com um beijo e um "eu te amo". É uma condição desumanizadora, que destroça sua percepção da realidade ao seu redor e de si mesmo. E que numa sociedade preconceituosa e com vocação pra segregação é uma maldição muito difícil de lidar. Pelo menos o final representou alguma redenção pra Jerry. Pelo menos na morte ele encontrou paz e se livrou da solidão.
Um ponto que tá ecoando na minha mente desde que o filme acabou é o quanto naturalizamos situações abusivas que podem não apenas ser gatilhos para surtos de pessoas que sofrem com doenças psíquicas, como podem se tornar os próprios traumas fundamentais de doenças psíquicas.
A colega de trabalho que prefere não ligar pra desmarcar o encontro por não querer enfrentar o desgaste, o pai abusivo que prefere gritar do que encarar e tentar lidar construtivamente com a condição de seu filho, o próprio descaso médico que torturou sua mãe e construiu na mente de Jerry a aversão ao tratamento de sua condição... parece que cada pedacinho dessa sociedade existe com a missão de destruir todo mundo.
[visto em 26/03/16]
Velozes e Furiosos 7
3.8 1,7K Assista AgoraHá muito que Velozes e Furiosos funciona menos como filme e mais como franquia: a gente assiste porque desenvolveu uma relação com os personagens e pra ver o que vai acontecer com eles. E de quebra confere umas pancada, umas corrida de carro e umas explosão. Assisti o 7 hoje e vi mais um belo exemplar do que a franquia se propõe a fazer, mas confesso que esperei que Brian fosse melhor trabalhado em virtude da morte do Paul Walker. A despedida ficou bonita, no final das contas, mas acho que esperei demais de um típico filme pipoca.
[visto em 14/03/16]