Marcelo

Rainha não é um filme comum, mas tem as qualidades que todos os grandes filmes tem em comum: consistência narrativa e conceitual, ritmo, plasticidade, densidade, beleza, verdade. Em Rainha, a diretora Sabrina Fidalgo também explora uma cultura de cinema que flerta com a universalização da obra. Mas as referências a Spike Lee, Stanley Kubrick e Glauber Rocha não teriam sabor se na receita de Rainha já não houvessem ingredientes de uma conspiração palaciana estilo Shakespeare. O resultado é uma narrativa tocante, de enfrentamento e glória vivida por Rita, uma jovem negra que sonha, ano após ano, em sagrar-se Rainha da bateria da escola de samba da sua comunidade, fazendo todos os sacrifícios físicos e emocionais para isso. Rita, vivida pela brilhante Ana Flávia Cavalcanti, representa a realeza potencial em cada mulher, cujo reino interno batalha para ampliar suas fronteiras com o mundo real. Como é linda a voz da mãe a pedir bênçãos aos orixás para a filha, dando a ela o desfile mais importante. Vemos a viela se tornar uma representação quase onírica de uma Marquês de Sapucaí, criando um paralelo entre os dois sentidos da palavra sonho.
Sabrina Fidalgo é uma representante legítima de uma nova geração de mulheres que demonstra foco na pauta do desenvolvimento técnico e, sobretudo, criativo em consequência das oportunidades que as minorias constroem para sua arte. Por isso Rainha parece plural como todo bom cinema. A sua rica coesão de atributos a serviço da narrativa é um sinal de que a diretora ouviu muito a todos os excelentes profissionais de seu time. E, da mesma forma, ouviu muito a si mesma.