Um desses thrillers que alimentam nosso gosto por thrillers e não fazem muito além disso. Não que todo filme deva ser aquele a reinventar um gênero: "O Presente" é competente o bastante para nos deixar tensos e curiosos, o que é justamente o que ele se propõe fazer. Sobre a obviedade ou não do presente final: isso não importa. Ando me surpreendendo com a quantidade de gente que se prende às coisas mais simplórias sobre um filme para dizer sobre ele suas qualidades ou seus defeitos. É um "plot twist" nem ultrajante, nem impressionante, que vale mais pelo que mantém escondido do que pelo que revela. Como vi em um comentário abaixo, e achei correto, lembra um desses filmes que vemos no Supercine da Globo - e esses filmes tem o seu valor, tem o seu prazer.
Uma hagiografia inofensiva do mais fetichizado artista brasileiro (que de seu nome tenham derivado o adjetivo "chicólatra" para designar seus fãs é apenas uma das mil evidências de tal fetiche). Um filme para quem conhece Chico Buarque, mas não muito; as músicas apresentadas pertencem mais ao Lado B do compositor - nenhuma delas, por exemplo, faz parte do seu famoso catálogo de canções políticas. O documentário não diz nada de novo ou de surpreendente sobre a figura documentada; o filme peca por seu excesso de reverência, como se falar de Chico fosse tocar com dedos cuidadosíssimos um pano raro e frágil. Valeria mais a pena ler o muito bom "O Irmão Alemão" - e em certos momentos esse "Chico: Artista Brasileiro" parece uma propaganda para o livro - do que ver essa redundância simpática.
O que as duas diretoras fazem com esse filme é, em uma palavra, lindo. Não existe nenhuma preocupação supérflua, nenhum maneirismo desnecessário, nenhuma afetação: se as diretoras falam com suas personagens, é porque elas devem falar, é porque essas personagens não são só personagens. A reclamação de que a "intrusão" das diretoras "dificultaria" a "imersão" no filme me obriga a usar muitas aspas: isso não diz nada, nem sobre cinema, nem sobre o que foi feito aqui. A verdade é que a tal "necessidade de imersão" é uma fôrma envelhecida que alguns abobados insistem em querer utilizar em todos os filmes, indiscriminadamente. Resulta que não sabem ver o que está acontecendo de fato . Se se borram as fronteiras entre ficção e realidade, se diz, na verdade, que tais fronteiras não existem: os sujeitos-atores-personagens são os mesmos, e atuar é também se expor profundamente - outros filmes já falaram de tal condição, mas quase sempre de forma "catártica", "operística", palavrosa. Sobre a maternidade, um de seus temas principais, acho que "Olmo e a Gaivota" fala melhor do que qualquer outro filme que me vem a memória. É sempre um prazer ver um filme tão cuidadoso, tão preciso, tão bom.
Um elogio à lentidão: esse filme não teria nem metade de sua força, condensada no final e diluída ao longo, se não fosse o seu ritmo lento. O rosto de Charlotte Rampling faz tudo que é preciso, e ele exige uma câmera contemplativa. A monotonia da vida cotidiana é apenas um fundo. Se fosse escrito e se fosse (mais) extremo, poderia ser um conto da Clarice Lispector - talvez não o filme inteiro, mas só sua última cena, com a dança, a luz azul, o desespero silencioso; o momento em que a vida cotidiana já não se pode mais sustentar. Uma surpresa muito agradável. Os que reclamam de sua lentidão são tarados da velocidade.
A sequência inicial (que talvez seja mesmo a melhor sequência do filme) é boa, mas verborrágica: alguém ainda se anima com planos-sequência óbvios? Basta um plano-sequência pra receber os elogios rasgados de espectadores entusiasmados? De resto, um filme minimamente divertido, mas que não mobiliza absolutamente nada. O terceiro ato é uma bagunça terrível. Christoph Waltz está genérico e previsível demais pra atrair qualquer interesse por seu vilão. "Spectre" não me irritou em sua mediocridade, mas foi por pouco. Depois de "Mad Max", nenhum filme de ação pode ser o clichê de filme de ação.
Na melhor das hipóteses, é trivial. Na pior, detestável. Na real, tremendamente enfadonho. Nem reclamo que Woody Allen se repita; reclamo, sim, de sua autoindulgência, de um senso despropositado de satisfação com qualquer diálogo mais ou menos intelectual ou mais ou menos engraçado que ele escreve.
A verdade é que "O Homem Irracional" não é inteligente e tampouco engraçado: hmm, faz pensar que ele cite nomes como Kant e Kierkegaard e que repita ao ponto do desespero alguns conceitos metafísicos e o livro de Dostoiévski; har har har, quão divertido acompanhar um professor que confunde profundidade com tédio, sua groupie facilmente impressionável e um resto de personagens que só servem de pano de fundo.
Woody Allen é muito bom diretor, e dirigiu em sua carreira algumas obras-primas, mas deixemos de afetação: urge abandonar esses tiques linguísticos "não é muito bom, mas é Woody Allen", "excelentes diálogos, como sempre!" e afins. Nada disso comunica coisa alguma, especialmente sobre um filme tão irrelevante quanto esse novo: não sejamos a Emma Stone de olhinhos esbugalhados pra qualquer bobaginha, seja a cantilena insuportável do professor Abe Lucas, sejam os piores filmes de um diretor que gostamos.
Sentado no cinema, olhando para a tela durante os créditos, pensei: e então? De que valeu esse passeio por uma galeria de monstruosidades, de caricaturas tão absurdas e cujo grotesco parece existir para o nosso prazer?
A resposta é que valeu, mas não o bastante. Como quase todos os filmes do Cronenberg que vi, este "Mapas para as Estrelas" é desconfortável e, nesse sentido, tremendamente efetivo. Qualquer sorte de desinteresse ou imparcialidade é destruído pelo desejo sincero do diretor de nos chocar com personagens vis. Seguindo essa linha, todos os atores conseguiram cumprir bem seus papeis, com particular destaque à Julianne Moore, que, exageradíssima, diverte, e ao John Cusack, superficialmente civil e pacífico, profundamente perverso.
O efeito hipnótico de personalidades torpes é comumente utilizado para efeitos de exploração. Nós extraímos prazer em assistir de longe a psicopatas, assassinos, mentecaptos, enfim, figuras cuja presença próxima nos seria repulsiva. No entanto, um filme não pode fundar-se somente nesse efeito, ou ele afundará sob o peso desse niilismo fácil: o que esse filme diz sobre fama, Hollywood, vaidade, família, fantasias sexuais, amor, e, palavra repetida várias vezes aqui, "liberdade", quando todos os personagens que o povoam são irreconciliáveis com o mundo real? Como escrevi logo acima, não o bastante. O resultado, aqui, é um filme divertido, sim, pela mão do absurdo, e chocante, mas irremediavelmente vazio: não posso dizer que essas estrelas estão apagadas; elas estão, certamente, mortas.
"Sniper Americano" desconhece todos os cinquenta tons de cinza, e aí reside sua maior força e sua maior fraqueza. Chris Kyle, um all-american boy (ou manchild), interpretado de forma primorosa por Bradley Cooper, é um dos mocinhos; toda a população do Iraque é bandida ou, na melhor das hipóteses, vítima indefesa: Clint Eastwood fez do Velho Oeste um Velho Oriente Médio. Ao mesmo tempo que esse maniqueísmo deveria facilitar a identificação com o protagonista e, portanto, potencializar os efeitos dramáticos do filme, é também isso que torna o filme mais cansativo se essa identificação não acontece totalmente: admito que, em vários momentos do filme, eu mal podia esperar que uma bala explodisse o cérebro do protagonista e me permitisse acompanhar outras histórias - o que dizer dos soldados americanos, por exemplo, que "perderam a fé" durante a guerra? E a mulher de Kyle, que ficou em casa tendo que cuidar dos filhos enquanto o marido estava no Iraque? E o atirador iraquiano Mustafá, qual é a desse cara?
Mas estamos presos à mira da arma de Chris Kyle, e que sorte a nossa que o seu intérprete é um ator tão competente quanto o Bradley Cooper. Mesmo com a insistência do diretor que simpatizemos com o protagonista, um ator pior poderia ter tornado esse filme uma experiência agonizante; Cooper, no entanto, cria um Kyle carismático e alegre, e quando ele descende em uma espiral de agonia após ir para a guerra, está aí a tragédia, e nós a reconhecemos - em alguns casos, para quem gostou do filme, sentimos. Quanto mais penso na atuação de Cooper, mais eu gosto do filme, e então lembro que Eastwood nos obrigou a acompanhá-lo excessivamente de perto, mas sem a lupa adequada, manipulando nossas reações com alguns clichês de guerra que já cheiravam a mofo na década de 70. A direção do veterano, no entanto, não é ruim - ou melhor, não é tecnicamente ruim. Ele é absolutamente competente em criar tensão nas cenas durante a guerra, que são as melhores do filme, e admito que fiquei quase sem fôlego na cena da tempestade de areia - apesar de sentir, alguns segundos depois, raiva, ao perceber que muito do que eu vi eram mecanismos dramáticos óbvios.
Conheço gente boa que viu esse filme e adorou sua força catártica, da disputa entre o Bem e o Mal; o que sinto em relação a esse filme é que só consegui apreciá-lo, por gosto pessoal, em partes. Cada vez mais impaciente com simplificações narrativas ou previsibilidades dramáticas, me peguei sendo o espectador errado para esse filme. E em relação ao jingoísmo patriota de Eastwood aqui, uma linha: é bobo, mas não é a pior coisa do filme; é mais um sintoma do que é a doença.
Uma pequena reclamação antes dos meus elogios: não gostei da direção de Ava DuVernay em algumas cenas, especificamente naquelas focadas em diálogos entre dois personagens: uma repetição de plano e contra-plano meio desinteressante e uma insistência em localizar os personagens nos extremos da tela.
Essa reclamação, nascida das profundezas da minha chatice pessoal e recém-adquirida com certos clichês cinematográficos, não é, no entanto, grande o bastante - nem sequer perto disso - para desmerecer esse filme que é, em um ano recheado de cinebiografias na corrida pelo Oscar, o melhor expoente desse gênero. "O Jogo da Imitação" e "Teoria de Tudo" não chegam perto de sua potência temática e narrativa, e "Foxcatcher" se perde em um alarido que ele mesmo produz. "Selma", por sua vez, contando a história de uma das marchas realizadas pelo imenso Martin Luther King, Jr., consegue com sucesso cumprir a sua função de retrato do passado, reflexão sobre o presente e declaração sobre o futuro. Em tempos de tragédias como a de Ferguson - e uma das mortes que acontece no filme nos obriga a refletir sobre a atemporalidade perversa de certas violências -, "Selma" nos lembra que nem tudo está bem, mas que a força da resistência e da resiliência dos negros é fundamental para a demolição do racismo sistêmico.
É importante, no entanto, reafirmar a qualidade deste filme para além da importância de sua mensagem, e aqui cito alguns dos muitos aspectos formais que me agradaram: o uso de passagens de documentos oficiais do FBI é inspirado por deixar clara a existência de uma disputa de narrativas entre manifestantes e agentes de governo (e do status quo segregacionista), lançando uma sombra de mau agouro até sobre momentos de descontração; o uso do slow motion durante as cenas de morte, que dilata o tempo e nos obriga a sentir a dor da perda de cada uma daquelas pessoas; a atuação primorosa de David Oyelowo, que consegue reunir a sensibilidade, o pragmatismo e a potência política de Dr. King (vejam, por exemplo,
a cena em que ele discursa após a morte do jovem militante, um misto de raiva, tristeza e retórica religiosa e política)
; a edição da cena na ponte, que reúne uma sequência de imagens de violência sem se tornar apelativa ou excessivamente melodramática.
Se paro de citar qualidades, é por cansar de escrever e saber que poucas, pouquíssimas pessoas lerão esse meu textão de filmow, mas poderia continuar por mais e mais linhas. "Selma" é um filme de extrema relevância, valor técnico e que merece ser visto e apreciado.
Quando nos primeiros minutos de "A Teoria de Tudo" nós vemos Stephen Hawking andando de bicicleta ao som de uma Música Grandiosa™ (um tipo de música que costuma tocar nessas cinebiografias inspiracionais), eu percebi que não ia gostar desse filme. O que se seguiria iria somente definir a extensão do meu desgosto, se absoluto ou parcial.
Que feliz fui quando, no acender das luzes, percebi que a forte atuação de Eddie Redmayne havia com sucesso garantido um desgosto somente parcial de minha parte. Claro, o filme é bobo e melodramático, com toda cena querendo nos deixar com uma sensação grata de prazer fácil. Sim, o roteiro foge dos conflitos da vida e da personalidade de Hawking como o Diabo foge da cruz. Certamente a direção é insípida e a fotografia consegue somente saltar entre um banho de azul melancólico e raios de luz amarelada. E não há dúvida que um filme contando a história de uma das mentes mais brilhantes do século XX - talvez a mais brilhante - poderia ser bem mais ousado, bem menos formuláico (e "A Teoria de Tudo" não é a única cinebiografia esse ano que sofre com o mesmo problema: o enfadonho "O Jogo da Imitação" também narra a história de um gênio, mas com a habilidade de um homem muito, muito simples).
E ainda eu saí do cinema desgostando bem menos do que eu poderia prever. Eddie Redmayne, que eu só conhecia antes do horroroso "Os Miseráveis", está inspirado no papel do físico: a deterioração das capacidades motoras de Hawking obriga ao ator uma sensibilidade física rara; e a sua habilidade em atuar somente com a expressão dos olhos no estágio mais avançado da doença é também admirável. Alguns atores abraçam papéis de personagens com deficiência como uma forma fácil de surpreender os críticos e talvez garantir alguns prêmios; Redmayne, no entanto, nos apresenta uma atuação de qualidade inegável. Se isso não basta para tornar o filme algo além do mediano (ou "bonzinho"), é o suficiente para o tornar aceitável e, em alguns momentos, agradável.
Alfred Hitchcock disse certa vez que muitos filmes americanos haviam se tornado "imagens que falam", e que eles nada tinham a ver com a "arte do cinema". Imagino o que esse grande diretor diria ao ver tamanha mediocridade cinematográfica como se vê em "O Jogo da Imitação". A história é triste, mas também inspiradora? Certamente. Mas de histórias tristes, mas também inspiradoras, já bastam as que lemos nos sites de notícia. Quando eu vou no cinema eu espero algo muito superior ao melodrama barato.
Alan Turing, um gênio injustiçado, inspirou uma burrice cuja notoriedade é injusta. Um exemplo: no começo do filme, ouvimos a voz do matemático cobrando nossa atenção, dizendo que não fará concessões para se fazer entender nem irá parar ou se repetir. Justo, e muito corajoso; quase tive a esperança de estar vendo algo que seguisse essa mesma ousadia. Ledo engano: a frase que serve de mote "inspirado e inspirador" para o filme, algo sobre de quem se menos espera mais se faz ("Ratatouille" já nos havia dito isso, com muito mais inteligência), é repetida não menos que três ou quatro vezes. Outro exemplo:
a Bíblia que acusa o espião russo não só está na mesa dele (o que faz pensar se ele é mesmo um gênio ou uma anta), como possui uma marcação na passagem exata que foi utilizada. Não bastasse isso, o filme ainda utiliza um flashback sonoro, repetindo as palavras do personagem de Matthew Goode sobre o uso da passagem bíblica, para nos assegurar de que sim, este homem é o espião. Se o filme usasse setas e letreiros, seria mais sutil.
Turing prometeu não se repetir; Morten Tyldum, o diretor, preferiu se repetir com um martelo.
Eu poderia me estender mais sobre porque esse filme é uma bobagem, mas vou citar somente mais alguns pontos: a direção é absolutamente morosa e sem inspiração, articulando muito pouca informação através da linguagem cinematográfica e usando diálogos expositivos; o roteiro troca insight por lugar-comum; a atuação de Benedict Cumberbatch é apenas correta, um Sherlock 2.0, feito para arrancar suspiros das mocinhas jovens na platéia; sua relação com a Keira Knightley é burocrática, uma obrigação nesses filmes "inspiracionais". Aliás, "burocrático" é o termo mais apropriado para "O Jogo da Imitação": ele busca atingir todas as notas necessárias para deixar o espectador com aquela sensação gostosa e genérica de que acabou de ver algo de boa qualidade - e não surpreende em nada que a empresa dos Weinstein seja a produtora -, mesmo que para isso ele tenha que se tornar um filme ruim pela sua irrelevância.
O que Riggan Thomson ignora? Ela está no título do filme e ainda assim eu me peguei esquecendo dessa frase importante: "a inesperada virtude da ignorância". Saí do cinema tão preocupado com uma possível resolução do problema final - acredito que quase todos, ou muitos, saem assim - que acabei ignorando (perdoem a piada) esse parênteses.
E só agora me perguntei: o que Riggan Thomson ignora? Ele ignora sua própria condição, seja de ator decadente, seja de sujeito delirante? O Birdman, seu alter-ego(maníaco), é um elemento duplo no jogo da ignorância: ao mesmo tempo que ele tenta Riggan com promessas de glória dentro de uma idiotia hollywoodiana, ele é a acusação de sua própria consciência, um outro cujo discurso é mais do que menos rechaçado: o bom ator abraça, mas também nega o ícone fácil. Este jogo, no entanto, só é possível dentro de um nível aguçado de auto-consciência. Riggan sabe do risco de Birdman, e também sabe reconhecer que além dele existe outra coisa mais importante.
Se não é esta a ignorância, então, qual é? Ignorância das técnicas teatrais, em uma leitura menos interpretativa e mais ligada à trama do filme? Isso parece excessivamente simplista para um filme que tenta - e em larga medida consegue, com alguns poucos fracassos - dizer coisas importantes sobre arte. E, no entanto, é em um contexto parecido que a frase do título aparece aqui:
a crítica a usa em seu texto sobre a peça, surpresa por ter visto algo verdadeiro vindo de um ator comercial; do lugar de onde vê essa crítica, o sucesso artístico da peça só se justifica a partir da ignorância.
Apesar disso, ainda acho essa leitura limitada: nós conhecemos os dilemas do personagem de Michael Keaton e sabemos muito bem que a ignorância não é sua característica mais marcante - ou, se ela é no começo do filme, ela deixa de ser no final. Insisto que Riggan se torna um verdadeiro artista (ou o que esse filme acredita que um verdadeiro artista é) a partir de uma tomada de consciência; a ignorância, se possui uma virtude, é como contraponto, como acusação, e não como afirmação. O Birdman é importante, mas não por ser um modelo: é a partir dele, ao lado dele e, finalmente, contra ele, que se desenvolve aqui o artista.
A atuação do Mark Ruffalo é o centro emocional do filme, e a cena em que ele grava sua parte no documentário sobre John du Pont é a melhor; além disso, não sei muito bem o que dizer sobre este filme. O tom sóbrio e sisudo da direção de Bennett Miller é um aspecto positivo ou acaba tornando o filme estéril? Steve Carell, com um olhar agudo atrás de um nariz prostético tenebroso, cria um John du Pont misterioso ou apenas desinteressante, repetindo a mesma e cansada nota de melancolia e solidão? Será que o Channing Tatum criou um Mark Schultz que vai além de alguns tiques, com seus tapas na cara e sua mandíbula cerrada? "Foxcatcher" é, afinal, sobre o quê? A falência do discurso patriota? A arrogância dos ricos? A insegurança de um homem frente ao poder de sua mãe e de sua dinastia? O desejo de grandeza quando não se é grande? Todas as anteriores? Nenhuma delas? Para um filme tão silencioso, essa cacofonia temática surpreende.
"Foxcatcher" lança muitas perguntas e não responde um bom bocado. Entre cavalos, riqueza, luta greco-romana, paternidade, maternidade, história americana, patriotismo, armas de fogo e loucura, saí do cinema confuso: enquanto estou certo de que vi algumas qualidades, também estou certo de que vi vários defeitos. Dou três estrelas como quem escreve um ponto final: se eu pensar mais algumas horas, talvez dê cinco estrelas, ou talvez dê somente uma; não estou interessado, no entanto, em pensar mais sobre a história desses três homens e a tragédia que os uniu, e ainda não consegui dizer se ela nos informa alguma coisa - como o filme faz intuir - ou se ela simplesmente aconteceu, ausente de qualquer sentido, ausente de qualquer razão.
O filme é tão metalinguístico que eu acho que eles se esqueceram de fazer um filme, ou: repetir o que se fez anteriormente admitindo que se está repetindo o que se fez anteriormente não torna a piada mais engraçada; repetir isso à exaustão torna ela chatíssima.
"The Babadook" se move em um ritmo diverso do que estão acostumados aqueles que acompanham o terror contemporâneo. Ao invés de investir na tática do "susto por segundo", o filme constrói muito da sua tensão a partir da rotina da personagem principal: Amelia, deprimida e insatisfeita com sua vida e com a maternidade, mal consegue se manter sob o controle de qualquer situação. O monstro (ou fantasma, ou entidade, ou o que quer que seja) aparece no filme, então,
como uma espécie de alegoria para a própria dificuldade da protagonista de construir uma vida além da trágica morte do seu marido. O final, em que ela serve ao Babadook minhocas, esperando apaziguar sua fúria, é uma descrição absolutamente sensível da relação do depressivo com o seu problema.
Sobre o filho: vi muita gente criticando o filme por apresentar a nós uma criança difícil, desagradável. Eu julgo que o filme triunfou justamente por isso. Explico:
ao construir a primeira metade do filme (ou pouco mais ou pouco menos) baseada na dificuldade que é criar essa criança, "The Babadook" consegue investir em uma segunda metade que se aprofunda na loucura da mãe e em suas tentativas homicidas, influenciadas pelo espírito maligno. É fundamental perceber que a chave do filme se altera: se na primeira metade a criança é o problema, na segunda metade ela é a única solução possível.
Quem falhou em reconhecer essa lógica, falhou em abdicar de uma ideia primeira - e incompleta - de como se dava a dinâmica familiar neste filme.
O que eu disse, no entanto, não é capaz de descrever o quão angustiante - e também aterrorizante - esse filme pode ser: para tanto, se deve assistir a "The Babadook". Um triunfo, finalmente, que merece extensos elogios.
Antropocentrismo desenvolvimentista fantasiado de feel-good humanista. Pois é esta nossa sina, ou, segundo esse filme cínico, nossa vocação, nossa honra e nossa predestinação:
O Presente
3.4 832 Assista AgoraUm desses thrillers que alimentam nosso gosto por thrillers e não fazem muito além disso. Não que todo filme deva ser aquele a reinventar um gênero: "O Presente" é competente o bastante para nos deixar tensos e curiosos, o que é justamente o que ele se propõe fazer. Sobre a obviedade ou não do presente final: isso não importa. Ando me surpreendendo com a quantidade de gente que se prende às coisas mais simplórias sobre um filme para dizer sobre ele suas qualidades ou seus defeitos. É um "plot twist" nem ultrajante, nem impressionante, que vale mais pelo que mantém escondido do que pelo que revela. Como vi em um comentário abaixo, e achei correto, lembra um desses filmes que vemos no Supercine da Globo - e esses filmes tem o seu valor, tem o seu prazer.
Chico: Artista Brasileiro
4.3 85Uma hagiografia inofensiva do mais fetichizado artista brasileiro (que de seu nome tenham derivado o adjetivo "chicólatra" para designar seus fãs é apenas uma das mil evidências de tal fetiche). Um filme para quem conhece Chico Buarque, mas não muito; as músicas apresentadas pertencem mais ao Lado B do compositor - nenhuma delas, por exemplo, faz parte do seu famoso catálogo de canções políticas. O documentário não diz nada de novo ou de surpreendente sobre a figura documentada; o filme peca por seu excesso de reverência, como se falar de Chico fosse tocar com dedos cuidadosíssimos um pano raro e frágil. Valeria mais a pena ler o muito bom "O Irmão Alemão" - e em certos momentos esse "Chico: Artista Brasileiro" parece uma propaganda para o livro - do que ver essa redundância simpática.
Olmo e a Gaivota
3.9 149O que as duas diretoras fazem com esse filme é, em uma palavra, lindo. Não existe nenhuma preocupação supérflua, nenhum maneirismo desnecessário, nenhuma afetação: se as diretoras falam com suas personagens, é porque elas devem falar, é porque essas personagens não são só personagens. A reclamação de que a "intrusão" das diretoras "dificultaria" a "imersão" no filme me obriga a usar muitas aspas: isso não diz nada, nem sobre cinema, nem sobre o que foi feito aqui. A verdade é que a tal "necessidade de imersão" é uma fôrma envelhecida que alguns abobados insistem em querer utilizar em todos os filmes, indiscriminadamente. Resulta que não sabem ver o que está acontecendo de fato . Se se borram as fronteiras entre ficção e realidade, se diz, na verdade, que tais fronteiras não existem: os sujeitos-atores-personagens são os mesmos, e atuar é também se expor profundamente - outros filmes já falaram de tal condição, mas quase sempre de forma "catártica", "operística", palavrosa. Sobre a maternidade, um de seus temas principais, acho que "Olmo e a Gaivota" fala melhor do que qualquer outro filme que me vem a memória. É sempre um prazer ver um filme tão cuidadoso, tão preciso, tão bom.
45 Anos
3.7 254 Assista AgoraUm elogio à lentidão: esse filme não teria nem metade de sua força, condensada no final e diluída ao longo, se não fosse o seu ritmo lento. O rosto de Charlotte Rampling faz tudo que é preciso, e ele exige uma câmera contemplativa. A monotonia da vida cotidiana é apenas um fundo. Se fosse escrito e se fosse (mais) extremo, poderia ser um conto da Clarice Lispector - talvez não o filme inteiro, mas só sua última cena, com a dança, a luz azul, o desespero silencioso; o momento em que a vida cotidiana já não se pode mais sustentar. Uma surpresa muito agradável. Os que reclamam de sua lentidão são tarados da velocidade.
007 Contra Spectre
3.3 1,0K Assista AgoraA sequência inicial (que talvez seja mesmo a melhor sequência do filme) é boa, mas verborrágica: alguém ainda se anima com planos-sequência óbvios? Basta um plano-sequência pra receber os elogios rasgados de espectadores entusiasmados? De resto, um filme minimamente divertido, mas que não mobiliza absolutamente nada. O terceiro ato é uma bagunça terrível. Christoph Waltz está genérico e previsível demais pra atrair qualquer interesse por seu vilão. "Spectre" não me irritou em sua mediocridade, mas foi por pouco. Depois de "Mad Max", nenhum filme de ação pode ser o clichê de filme de ação.
O Homem Irracional
3.5 555 Assista AgoraNa melhor das hipóteses, é trivial. Na pior, detestável. Na real, tremendamente enfadonho. Nem reclamo que Woody Allen se repita; reclamo, sim, de sua autoindulgência, de um senso despropositado de satisfação com qualquer diálogo mais ou menos intelectual ou mais ou menos engraçado que ele escreve.
A verdade é que "O Homem Irracional" não é inteligente e tampouco engraçado: hmm, faz pensar que ele cite nomes como Kant e Kierkegaard e que repita ao ponto do desespero alguns conceitos metafísicos e o livro de Dostoiévski; har har har, quão divertido acompanhar um professor que confunde profundidade com tédio, sua groupie facilmente impressionável e um resto de personagens que só servem de pano de fundo.
Woody Allen é muito bom diretor, e dirigiu em sua carreira algumas obras-primas, mas deixemos de afetação: urge abandonar esses tiques linguísticos "não é muito bom, mas é Woody Allen", "excelentes diálogos, como sempre!" e afins. Nada disso comunica coisa alguma, especialmente sobre um filme tão irrelevante quanto esse novo: não sejamos a Emma Stone de olhinhos esbugalhados pra qualquer bobaginha, seja a cantilena insuportável do professor Abe Lucas, sejam os piores filmes de um diretor que gostamos.
Mapas para as Estrelas
3.3 477 Assista AgoraSentado no cinema, olhando para a tela durante os créditos, pensei: e então? De que valeu esse passeio por uma galeria de monstruosidades, de caricaturas tão absurdas e cujo grotesco parece existir para o nosso prazer?
A resposta é que valeu, mas não o bastante. Como quase todos os filmes do Cronenberg que vi, este "Mapas para as Estrelas" é desconfortável e, nesse sentido, tremendamente efetivo. Qualquer sorte de desinteresse ou imparcialidade é destruído pelo desejo sincero do diretor de nos chocar com personagens vis. Seguindo essa linha, todos os atores conseguiram cumprir bem seus papeis, com particular destaque à Julianne Moore, que, exageradíssima, diverte, e ao John Cusack, superficialmente civil e pacífico, profundamente perverso.
O efeito hipnótico de personalidades torpes é comumente utilizado para efeitos de exploração. Nós extraímos prazer em assistir de longe a psicopatas, assassinos, mentecaptos, enfim, figuras cuja presença próxima nos seria repulsiva. No entanto, um filme não pode fundar-se somente nesse efeito, ou ele afundará sob o peso desse niilismo fácil: o que esse filme diz sobre fama, Hollywood, vaidade, família, fantasias sexuais, amor, e, palavra repetida várias vezes aqui, "liberdade", quando todos os personagens que o povoam são irreconciliáveis com o mundo real? Como escrevi logo acima, não o bastante. O resultado, aqui, é um filme divertido, sim, pela mão do absurdo, e chocante, mas irremediavelmente vazio: não posso dizer que essas estrelas estão apagadas; elas estão, certamente, mortas.
Sniper Americano
3.6 1,9K Assista Agora"Sniper Americano" desconhece todos os cinquenta tons de cinza, e aí reside sua maior força e sua maior fraqueza. Chris Kyle, um all-american boy (ou manchild), interpretado de forma primorosa por Bradley Cooper, é um dos mocinhos; toda a população do Iraque é bandida ou, na melhor das hipóteses, vítima indefesa: Clint Eastwood fez do Velho Oeste um Velho Oriente Médio. Ao mesmo tempo que esse maniqueísmo deveria facilitar a identificação com o protagonista e, portanto, potencializar os efeitos dramáticos do filme, é também isso que torna o filme mais cansativo se essa identificação não acontece totalmente: admito que, em vários momentos do filme, eu mal podia esperar que uma bala explodisse o cérebro do protagonista e me permitisse acompanhar outras histórias - o que dizer dos soldados americanos, por exemplo, que "perderam a fé" durante a guerra? E a mulher de Kyle, que ficou em casa tendo que cuidar dos filhos enquanto o marido estava no Iraque? E o atirador iraquiano Mustafá, qual é a desse cara?
Mas estamos presos à mira da arma de Chris Kyle, e que sorte a nossa que o seu intérprete é um ator tão competente quanto o Bradley Cooper. Mesmo com a insistência do diretor que simpatizemos com o protagonista, um ator pior poderia ter tornado esse filme uma experiência agonizante; Cooper, no entanto, cria um Kyle carismático e alegre, e quando ele descende em uma espiral de agonia após ir para a guerra, está aí a tragédia, e nós a reconhecemos - em alguns casos, para quem gostou do filme, sentimos. Quanto mais penso na atuação de Cooper, mais eu gosto do filme, e então lembro que Eastwood nos obrigou a acompanhá-lo excessivamente de perto, mas sem a lupa adequada, manipulando nossas reações com alguns clichês de guerra que já cheiravam a mofo na década de 70. A direção do veterano, no entanto, não é ruim - ou melhor, não é tecnicamente ruim. Ele é absolutamente competente em criar tensão nas cenas durante a guerra, que são as melhores do filme, e admito que fiquei quase sem fôlego na cena da tempestade de areia - apesar de sentir, alguns segundos depois, raiva, ao perceber que muito do que eu vi eram mecanismos dramáticos óbvios.
Conheço gente boa que viu esse filme e adorou sua força catártica, da disputa entre o Bem e o Mal; o que sinto em relação a esse filme é que só consegui apreciá-lo, por gosto pessoal, em partes. Cada vez mais impaciente com simplificações narrativas ou previsibilidades dramáticas, me peguei sendo o espectador errado para esse filme. E em relação ao jingoísmo patriota de Eastwood aqui, uma linha: é bobo, mas não é a pior coisa do filme; é mais um sintoma do que é a doença.
Selma: Uma Luta Pela Igualdade
4.2 793Uma pequena reclamação antes dos meus elogios: não gostei da direção de Ava DuVernay em algumas cenas, especificamente naquelas focadas em diálogos entre dois personagens: uma repetição de plano e contra-plano meio desinteressante e uma insistência em localizar os personagens nos extremos da tela.
Essa reclamação, nascida das profundezas da minha chatice pessoal e recém-adquirida com certos clichês cinematográficos, não é, no entanto, grande o bastante - nem sequer perto disso - para desmerecer esse filme que é, em um ano recheado de cinebiografias na corrida pelo Oscar, o melhor expoente desse gênero. "O Jogo da Imitação" e "Teoria de Tudo" não chegam perto de sua potência temática e narrativa, e "Foxcatcher" se perde em um alarido que ele mesmo produz. "Selma", por sua vez, contando a história de uma das marchas realizadas pelo imenso Martin Luther King, Jr., consegue com sucesso cumprir a sua função de retrato do passado, reflexão sobre o presente e declaração sobre o futuro. Em tempos de tragédias como a de Ferguson - e uma das mortes que acontece no filme nos obriga a refletir sobre a atemporalidade perversa de certas violências -, "Selma" nos lembra que nem tudo está bem, mas que a força da resistência e da resiliência dos negros é fundamental para a demolição do racismo sistêmico.
É importante, no entanto, reafirmar a qualidade deste filme para além da importância de sua mensagem, e aqui cito alguns dos muitos aspectos formais que me agradaram: o uso de passagens de documentos oficiais do FBI é inspirado por deixar clara a existência de uma disputa de narrativas entre manifestantes e agentes de governo (e do status quo segregacionista), lançando uma sombra de mau agouro até sobre momentos de descontração; o uso do slow motion durante as cenas de morte, que dilata o tempo e nos obriga a sentir a dor da perda de cada uma daquelas pessoas; a atuação primorosa de David Oyelowo, que consegue reunir a sensibilidade, o pragmatismo e a potência política de Dr. King (vejam, por exemplo,
a cena em que ele discursa após a morte do jovem militante, um misto de raiva, tristeza e retórica religiosa e política)
Se paro de citar qualidades, é por cansar de escrever e saber que poucas, pouquíssimas pessoas lerão esse meu textão de filmow, mas poderia continuar por mais e mais linhas. "Selma" é um filme de extrema relevância, valor técnico e que merece ser visto e apreciado.
A Teoria de Tudo
4.1 3,4K Assista AgoraQuando nos primeiros minutos de "A Teoria de Tudo" nós vemos Stephen Hawking andando de bicicleta ao som de uma Música Grandiosa™ (um tipo de música que costuma tocar nessas cinebiografias inspiracionais), eu percebi que não ia gostar desse filme. O que se seguiria iria somente definir a extensão do meu desgosto, se absoluto ou parcial.
Que feliz fui quando, no acender das luzes, percebi que a forte atuação de Eddie Redmayne havia com sucesso garantido um desgosto somente parcial de minha parte. Claro, o filme é bobo e melodramático, com toda cena querendo nos deixar com uma sensação grata de prazer fácil. Sim, o roteiro foge dos conflitos da vida e da personalidade de Hawking como o Diabo foge da cruz. Certamente a direção é insípida e a fotografia consegue somente saltar entre um banho de azul melancólico e raios de luz amarelada. E não há dúvida que um filme contando a história de uma das mentes mais brilhantes do século XX - talvez a mais brilhante - poderia ser bem mais ousado, bem menos formuláico (e "A Teoria de Tudo" não é a única cinebiografia esse ano que sofre com o mesmo problema: o enfadonho "O Jogo da Imitação" também narra a história de um gênio, mas com a habilidade de um homem muito, muito simples).
E ainda eu saí do cinema desgostando bem menos do que eu poderia prever. Eddie Redmayne, que eu só conhecia antes do horroroso "Os Miseráveis", está inspirado no papel do físico: a deterioração das capacidades motoras de Hawking obriga ao ator uma sensibilidade física rara; e a sua habilidade em atuar somente com a expressão dos olhos no estágio mais avançado da doença é também admirável. Alguns atores abraçam papéis de personagens com deficiência como uma forma fácil de surpreender os críticos e talvez garantir alguns prêmios; Redmayne, no entanto, nos apresenta uma atuação de qualidade inegável. Se isso não basta para tornar o filme algo além do mediano (ou "bonzinho"), é o suficiente para o tornar aceitável e, em alguns momentos, agradável.
O Jogo da Imitação
4.3 3,0K Assista AgoraAlfred Hitchcock disse certa vez que muitos filmes americanos haviam se tornado "imagens que falam", e que eles nada tinham a ver com a "arte do cinema". Imagino o que esse grande diretor diria ao ver tamanha mediocridade cinematográfica como se vê em "O Jogo da Imitação". A história é triste, mas também inspiradora? Certamente. Mas de histórias tristes, mas também inspiradoras, já bastam as que lemos nos sites de notícia. Quando eu vou no cinema eu espero algo muito superior ao melodrama barato.
Alan Turing, um gênio injustiçado, inspirou uma burrice cuja notoriedade é injusta. Um exemplo: no começo do filme, ouvimos a voz do matemático cobrando nossa atenção, dizendo que não fará concessões para se fazer entender nem irá parar ou se repetir. Justo, e muito corajoso; quase tive a esperança de estar vendo algo que seguisse essa mesma ousadia. Ledo engano: a frase que serve de mote "inspirado e inspirador" para o filme, algo sobre de quem se menos espera mais se faz ("Ratatouille" já nos havia dito isso, com muito mais inteligência), é repetida não menos que três ou quatro vezes. Outro exemplo:
a Bíblia que acusa o espião russo não só está na mesa dele (o que faz pensar se ele é mesmo um gênio ou uma anta), como possui uma marcação na passagem exata que foi utilizada. Não bastasse isso, o filme ainda utiliza um flashback sonoro, repetindo as palavras do personagem de Matthew Goode sobre o uso da passagem bíblica, para nos assegurar de que sim, este homem é o espião. Se o filme usasse setas e letreiros, seria mais sutil.
Eu poderia me estender mais sobre porque esse filme é uma bobagem, mas vou citar somente mais alguns pontos: a direção é absolutamente morosa e sem inspiração, articulando muito pouca informação através da linguagem cinematográfica e usando diálogos expositivos; o roteiro troca insight por lugar-comum; a atuação de Benedict Cumberbatch é apenas correta, um Sherlock 2.0, feito para arrancar suspiros das mocinhas jovens na platéia; sua relação com a Keira Knightley é burocrática, uma obrigação nesses filmes "inspiracionais". Aliás, "burocrático" é o termo mais apropriado para "O Jogo da Imitação": ele busca atingir todas as notas necessárias para deixar o espectador com aquela sensação gostosa e genérica de que acabou de ver algo de boa qualidade - e não surpreende em nada que a empresa dos Weinstein seja a produtora -, mesmo que para isso ele tenha que se tornar um filme ruim pela sua irrelevância.
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
3.8 3,4K Assista AgoraO que Riggan Thomson ignora? Ela está no título do filme e ainda assim eu me peguei esquecendo dessa frase importante: "a inesperada virtude da ignorância". Saí do cinema tão preocupado com uma possível resolução do problema final - acredito que quase todos, ou muitos, saem assim - que acabei ignorando (perdoem a piada) esse parênteses.
E só agora me perguntei: o que Riggan Thomson ignora? Ele ignora sua própria condição, seja de ator decadente, seja de sujeito delirante? O Birdman, seu alter-ego(maníaco), é um elemento duplo no jogo da ignorância: ao mesmo tempo que ele tenta Riggan com promessas de glória dentro de uma idiotia hollywoodiana, ele é a acusação de sua própria consciência, um outro cujo discurso é mais do que menos rechaçado: o bom ator abraça, mas também nega o ícone fácil. Este jogo, no entanto, só é possível dentro de um nível aguçado de auto-consciência. Riggan sabe do risco de Birdman, e também sabe reconhecer que além dele existe outra coisa mais importante.
Se não é esta a ignorância, então, qual é? Ignorância das técnicas teatrais, em uma leitura menos interpretativa e mais ligada à trama do filme? Isso parece excessivamente simplista para um filme que tenta - e em larga medida consegue, com alguns poucos fracassos - dizer coisas importantes sobre arte. E, no entanto, é em um contexto parecido que a frase do título aparece aqui:
a crítica a usa em seu texto sobre a peça, surpresa por ter visto algo verdadeiro vindo de um ator comercial; do lugar de onde vê essa crítica, o sucesso artístico da peça só se justifica a partir da ignorância.
Apesar disso, ainda acho essa leitura limitada: nós conhecemos os dilemas do personagem de Michael Keaton e sabemos muito bem que a ignorância não é sua característica mais marcante - ou, se ela é no começo do filme, ela deixa de ser no final. Insisto que Riggan se torna um verdadeiro artista (ou o que esse filme acredita que um verdadeiro artista é) a partir de uma tomada de consciência; a ignorância, se possui uma virtude, é como contraponto, como acusação, e não como afirmação. O Birdman é importante, mas não por ser um modelo: é a partir dele, ao lado dele e, finalmente, contra ele, que se desenvolve aqui o artista.
Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo
3.3 808 Assista AgoraA atuação do Mark Ruffalo é o centro emocional do filme, e a cena em que ele grava sua parte no documentário sobre John du Pont é a melhor; além disso, não sei muito bem o que dizer sobre este filme. O tom sóbrio e sisudo da direção de Bennett Miller é um aspecto positivo ou acaba tornando o filme estéril? Steve Carell, com um olhar agudo atrás de um nariz prostético tenebroso, cria um John du Pont misterioso ou apenas desinteressante, repetindo a mesma e cansada nota de melancolia e solidão? Será que o Channing Tatum criou um Mark Schultz que vai além de alguns tiques, com seus tapas na cara e sua mandíbula cerrada? "Foxcatcher" é, afinal, sobre o quê? A falência do discurso patriota? A arrogância dos ricos? A insegurança de um homem frente ao poder de sua mãe e de sua dinastia? O desejo de grandeza quando não se é grande? Todas as anteriores? Nenhuma delas? Para um filme tão silencioso, essa cacofonia temática surpreende.
"Foxcatcher" lança muitas perguntas e não responde um bom bocado. Entre cavalos, riqueza, luta greco-romana, paternidade, maternidade, história americana, patriotismo, armas de fogo e loucura, saí do cinema confuso: enquanto estou certo de que vi algumas qualidades, também estou certo de que vi vários defeitos. Dou três estrelas como quem escreve um ponto final: se eu pensar mais algumas horas, talvez dê cinco estrelas, ou talvez dê somente uma; não estou interessado, no entanto, em pensar mais sobre a história desses três homens e a tragédia que os uniu, e ainda não consegui dizer se ela nos informa alguma coisa - como o filme faz intuir - ou se ela simplesmente aconteceu, ausente de qualquer sentido, ausente de qualquer razão.
Anjos da Lei 2
3.5 748 Assista AgoraO filme é tão metalinguístico que eu acho que eles se esqueceram de fazer um filme, ou: repetir o que se fez anteriormente admitindo que se está repetindo o que se fez anteriormente não torna a piada mais engraçada; repetir isso à exaustão torna ela chatíssima.
O Babadook
3.5 2,0K"The Babadook" se move em um ritmo diverso do que estão acostumados aqueles que acompanham o terror contemporâneo. Ao invés de investir na tática do "susto por segundo", o filme constrói muito da sua tensão a partir da rotina da personagem principal: Amelia, deprimida e insatisfeita com sua vida e com a maternidade, mal consegue se manter sob o controle de qualquer situação. O monstro (ou fantasma, ou entidade, ou o que quer que seja) aparece no filme, então,
como uma espécie de alegoria para a própria dificuldade da protagonista de construir uma vida além da trágica morte do seu marido. O final, em que ela serve ao Babadook minhocas, esperando apaziguar sua fúria, é uma descrição absolutamente sensível da relação do depressivo com o seu problema.
Sobre o filho: vi muita gente criticando o filme por apresentar a nós uma criança difícil, desagradável. Eu julgo que o filme triunfou justamente por isso. Explico:
ao construir a primeira metade do filme (ou pouco mais ou pouco menos) baseada na dificuldade que é criar essa criança, "The Babadook" consegue investir em uma segunda metade que se aprofunda na loucura da mãe e em suas tentativas homicidas, influenciadas pelo espírito maligno. É fundamental perceber que a chave do filme se altera: se na primeira metade a criança é o problema, na segunda metade ela é a única solução possível.
O que eu disse, no entanto, não é capaz de descrever o quão angustiante - e também aterrorizante - esse filme pode ser: para tanto, se deve assistir a "The Babadook". Um triunfo, finalmente, que merece extensos elogios.
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraAntropocentrismo desenvolvimentista fantasiado de feel-good humanista. Pois é esta nossa sina, ou, segundo esse filme cínico, nossa vocação, nossa honra e nossa predestinação:
construir impérios - visando suas ruínas - em cima da nossa terra devastada, e seguir sorridentes e seguir satisfeitos.
O pior que vi do Nolan, com certo conforto.