Gosto muito do Bo. Terrivelmente original e criativo, fiquei com a sensação o tempo todo de que o stand up, o musical e o cinema são formas que não bastam pra ele. Nada chocante para alguém construído pela internet, que como ele mesmo coloca no ápice desse especial, quer oferecer um pouco de tudo o tempo inteiro. Acho que se ele percebesse, no entanto, que o cinema é uma forma com tantas possibilidades quanto ele pode explorar, teríamos aí um gigante cineasta.
Ótimo paralelo com Dostoiévski em um mundo sem castigo, onde o acaso toma o lugar de deus. Muito diferente de tudo que o Woody Allen costuma fazer, sem jamais deixar de lado sua criatividade.
Wes Anderson antes dos vícios. Todo o estilo do diretor já é perceptível aqui, mas ainda não dominam completamente o filme, o que é bom. Sinto que seus filmes atuais tem um peso maior de seu estilo (que a cada novo lançamento parece mais automático e processado) de que de força diretora. É fácil entender porque Scorsese gosta tanto desse primeiro longa de Anderson.
Nolan é obcecado com o tempo. Penso em "Amnésia", em que o tempo não é senão uma ampulheta para o personagem principal, que quando virada reinicia sua vida sem maiores detalhes. Mas também em "A Origem", em que a distinção entre o tempo no sonho e o tempo na realidade é crucial para a trama. Ou na importância da simultaneidade em "Dunkirk". E claro, "Interestelar", onde o flerte é com a dilatação do tempo na relatividade de Einstein. Sendo ou não um de seus grandes filmes, e apesar de qualquer defeito, é em "Tenet" que Nolan encontra seu apogeu no tratamento do tempo, pois assim como a entropia reversa muda o sentido natural de causa e efeito, também o próprio filme é invertido, corre formalmente de trás para a frente, e é quando o longa termina que tudo começa.
Esse filme, ao contrário do que dizem, saiu em um péssimo momento. A questão principal do Borat como personagem é que ele evoca, a partir de uma narrativa fictícia, comportamentos e visões de mundo reais que, exatamente por serem explicitadas a partir do contraste entre ficção e verdade, tornam-se ridículas. No primeiro, quando o personagem faz aflorar na sociedade coisas que estão, pelo menos em certo grau, recalcadas, a sátira sucede de forma espantosa, exibindo um lado do mundo em ascenção que é cômico, embora assustador. Aqui, em 2020, parece impossível repetir o processo em um mundo em que as contradições e bestialidades do conservadorismo (diga-se fascismo, em muitos casos) não estão mais socialmente recalcadas mas, pelo contrário, amplamente expostas. O salto entre ficção e realidade que gera humor no primeiro filme - a primeira fazendo aflorar a segunda e dessa distância (ainda) saudável produzindo comicidade - não é mais possível em 2020. Agora o salto parece cada vez menor. No mundo da pós-verdade a ficção se mistura com a realidade, e não se distancia dela. O universo do qual Borat zombava é agora grande demais para o próprio personagem, diminuído pelo mundo real. E que espere para se enganar quem acha que a queda de Trump carrega novos ventos - seus mais de 70 milhões de votos apontam o oposto. O mundo segue cômico demais para Borat.
Vi esse filme logo depois de ler o conto "O Poço", de Mário de Andrade. Triste da leitura, fui afogar as mágoas em um filme do Melville, sem saber que sairia pior. Se, no decorrer do filme, uma chama de resistência é acendida no telespectador, é apenas para ser apagada com água fria no corte final. Os rostos dos personagens, tristes por perderem uma grande companheira, são acompanhados das sentenças terríveis daqueles que os inspiraram na vida real, mortos antes da almejada vitória. Quanto ao filme, uma obra prima. O aspecto da paciência, ressaltado constantemente como arma mor da resistência francesa, é transposto para a forma do filme que, a partir do ritmo, direção de atores e fotografia, cria incrível tensão nos tremendos silêncios do longa. Lembro-me particularmente da cena em que Phillipe mata o soldado nazista antes de fugir, no começo do filme. O silêncio de minutos, a tensão corporal nos dois personagens ao banco e a câmera que, (muito) vagarosamente se aproximando do soldado alemão, convida-nos à agir precocemente, compõe uma das sequências mais sublimes de Melville. De lição fica-nos a mesma paciência que o diretor tivera em sua luta durante a guerra. Afinal, estão mortos os grandes heróis de Melville, está desempregado o magruço de Mário, e, embora derrotado o nazismo, segue Joaquim Prestes com suas várias lapiseiras e três canetas-tinteiro (uma era de ouro). E já bate à porta o nazismo. Paciência.
Alguns filmes de Jean-Pierre Melville - os primeiros, em sua maioria - fogem ao ideal Noir por qual o diretor viria a ser conhecido. Nestes a carga existencialista transborda das telas. A transição ao Noir, que lhe garante ganho estético e lhe custa parte do aspecto existencial (agora limitado ao velho mundo do crime seus dilemas morais) se dá aos poucos. Depois dos filosóficos "Le Silence de la Mer" e "Les Enfants Terribles", desconsiderando "Quand tu liras cette lettre" (simples jogada comercial bem sucedida para que criasse seu estúdio), Melville dá inicio ao Noir com "Bob Le Flambeur" e "Deux Hommes Dans Manhattan"; parando, logo em seguida, para revisitar em "Leon Morin, Prêtre" suas preocupações existenciais naquele que seria seu maior sucesso na área. Desconsiderando o "Melville-Noir" dos anos seguintes, versão sua que mais marcou a história do cinema, em "Leon Morin, Prêtre" Melville coloca uma militante do Partido Comunista na França a dialogar com um padre acerca da existência de Deus. Como pano de fundo ao interessante debate, a crescente invasão Nazista no país intensifica aquela que já era, a essa altura, a decisão maior da geração que presenciara as duas Guerras: Deus, Freud e o comunismo, como colocou Drummond. O último é lentamente abandonado - mais por assimilação que oposição - com a conversão de Barny ao catolicismo. A dúvida é logo movida para os combatentes restantes e em uma tensão sexual crescente o conflito entre Deus e sexo não se resolve na tela, apesar das profundas discussões teológicas e do panteão psicanalítico que dá forma ao desejo acumulativo de Barny.. Com sutiliza, Melville coroa a incerteza de sua geração com a dubiedade da frase final: "Nos veremos outra vez. Não neste mundo... em outro".
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Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa
4.2 1,8K Assista Agora4,5 apenas porque perderam a chance de recriar a cena do meme com os três apontando um pro outro
Bo Burnham: Inside
4.3 109 Assista AgoraGosto muito do Bo. Terrivelmente original e criativo, fiquei com a sensação o tempo todo de que o stand up, o musical e o cinema são formas que não bastam pra ele. Nada chocante para alguém construído pela internet, que como ele mesmo coloca no ápice desse especial, quer oferecer um pouco de tudo o tempo inteiro. Acho que se ele percebesse, no entanto, que o cinema é uma forma com tantas possibilidades quanto ele pode explorar, teríamos aí um gigante cineasta.
Ponto Final: Match Point
3.9 1,4K Assista AgoraÓtimo paralelo com Dostoiévski em um mundo sem castigo, onde o acaso toma o lugar de deus. Muito diferente de tudo que o Woody Allen costuma fazer, sem jamais deixar de lado sua criatividade.
Pura Adrenalina
3.4 90Wes Anderson antes dos vícios. Todo o estilo do diretor já é perceptível aqui, mas ainda não dominam completamente o filme, o que é bom. Sinto que seus filmes atuais tem um peso maior de seu estilo (que a cada novo lançamento parece mais automático e processado) de que de força diretora. É fácil entender porque Scorsese gosta tanto desse primeiro longa de Anderson.
O Homem Que Copiava
3.5 900 Assista AgoraPor vezes o cinema brasileiro surpreende com uma sensibilidade ímpar. Caso desse filme.
Tenet
3.4 1,3K Assista AgoraNolan é obcecado com o tempo. Penso em "Amnésia", em que o tempo não é senão uma ampulheta para o personagem principal, que quando virada reinicia sua vida sem maiores detalhes. Mas também em "A Origem", em que a distinção entre o tempo no sonho e o tempo na realidade é crucial para a trama. Ou na importância da simultaneidade em "Dunkirk". E claro, "Interestelar", onde o flerte é com a dilatação do tempo na relatividade de Einstein.
Sendo ou não um de seus grandes filmes, e apesar de qualquer defeito, é em "Tenet" que Nolan encontra seu apogeu no tratamento do tempo, pois assim como a entropia reversa muda o sentido natural de causa e efeito, também o próprio filme é invertido, corre formalmente de trás para a frente, e é quando o longa termina que tudo começa.
Borat: Fita de Cinema Seguinte
3.6 551 Assista AgoraEsse filme, ao contrário do que dizem, saiu em um péssimo momento. A questão principal do Borat como personagem é que ele evoca, a partir de uma narrativa fictícia, comportamentos e visões de mundo reais que, exatamente por serem explicitadas a partir do contraste entre ficção e verdade, tornam-se ridículas.
No primeiro, quando o personagem faz aflorar na sociedade coisas que estão, pelo menos em certo grau, recalcadas, a sátira sucede de forma espantosa, exibindo um lado do mundo em ascenção que é cômico, embora assustador.
Aqui, em 2020, parece impossível repetir o processo em um mundo em que as contradições e bestialidades do conservadorismo (diga-se fascismo, em muitos casos) não estão mais socialmente recalcadas mas, pelo contrário, amplamente expostas. O salto entre ficção e realidade que gera humor no primeiro filme - a primeira fazendo aflorar a segunda e dessa distância (ainda) saudável produzindo comicidade - não é mais possível em 2020.
Agora o salto parece cada vez menor. No mundo da pós-verdade a ficção se mistura com a realidade, e não se distancia dela. O universo do qual Borat zombava é agora grande demais para o próprio personagem, diminuído pelo mundo real. E que espere para se enganar quem acha que a queda de Trump carrega novos ventos - seus mais de 70 milhões de votos apontam o oposto. O mundo segue cômico demais para Borat.
O Exército das Sombras
4.2 26Vi esse filme logo depois de ler o conto "O Poço", de Mário de Andrade. Triste da leitura, fui afogar as mágoas em um filme do Melville, sem saber que sairia pior. Se, no decorrer do filme, uma chama de resistência é acendida no telespectador, é apenas para ser apagada com água fria no corte final. Os rostos dos personagens, tristes por perderem uma grande companheira, são acompanhados das sentenças terríveis daqueles que os inspiraram na vida real, mortos antes da almejada vitória.
Quanto ao filme, uma obra prima. O aspecto da paciência, ressaltado constantemente como arma mor da resistência francesa, é transposto para a forma do filme que, a partir do ritmo, direção de atores e fotografia, cria incrível tensão nos tremendos silêncios do longa. Lembro-me particularmente da cena em que Phillipe mata o soldado nazista antes de fugir, no começo do filme. O silêncio de minutos, a tensão corporal nos dois personagens ao banco e a câmera que, (muito) vagarosamente se aproximando do soldado alemão, convida-nos à agir precocemente, compõe uma das sequências mais sublimes de Melville.
De lição fica-nos a mesma paciência que o diretor tivera em sua luta durante a guerra. Afinal, estão mortos os grandes heróis de Melville, está desempregado o magruço de Mário, e, embora derrotado o nazismo, segue Joaquim Prestes com suas várias lapiseiras e três canetas-tinteiro (uma era de ouro). E já bate à porta o nazismo. Paciência.
Leon Morin, o Padre
4.1 25Alguns filmes de Jean-Pierre Melville - os primeiros, em sua maioria - fogem ao ideal Noir por qual o diretor viria a ser conhecido. Nestes a carga existencialista transborda das telas. A transição ao Noir, que lhe garante ganho estético e lhe custa parte do aspecto existencial (agora limitado ao velho mundo do crime seus dilemas morais) se dá aos poucos. Depois dos filosóficos "Le Silence de la Mer" e "Les Enfants Terribles", desconsiderando "Quand tu liras cette lettre" (simples jogada comercial bem sucedida para que criasse seu estúdio), Melville dá inicio ao Noir com "Bob Le Flambeur" e "Deux Hommes Dans Manhattan"; parando, logo em seguida, para revisitar em "Leon Morin, Prêtre" suas preocupações existenciais naquele que seria seu maior sucesso na área.
Desconsiderando o "Melville-Noir" dos anos seguintes, versão sua que mais marcou a história do cinema, em "Leon Morin, Prêtre" Melville coloca uma militante do Partido Comunista na França a dialogar com um padre acerca da existência de Deus. Como pano de fundo ao interessante debate, a crescente invasão Nazista no país intensifica aquela que já era, a essa altura, a decisão maior da geração que presenciara as duas Guerras: Deus, Freud e o comunismo, como colocou Drummond. O último é lentamente abandonado - mais por assimilação que oposição - com a conversão de Barny ao catolicismo. A dúvida é logo movida para os combatentes restantes e em uma tensão sexual crescente o conflito entre Deus e sexo não se resolve na tela, apesar das profundas discussões teológicas e do panteão psicanalítico que dá forma ao desejo acumulativo de Barny.. Com sutiliza, Melville coroa a incerteza de sua geração com a dubiedade da frase final: "Nos veremos outra vez. Não neste mundo... em outro".