Antes de mais nada, O Pianista (The Pianist, 2002), o mais recente trabalho de Roman Polanski, merece respeito por um detalhe crucial. Numa indústria em que o termo "engajado" normalmente recebe cunho pejorativo, o filme faz parte de uma classe em extinção: a do cinema feito por paixão, vocação e, acima de tudo, uma necessidade quase fisiológica de se expressar. Mas existe um problema aparente: trata-se de mais uma, entre as dezenas de obras a respeito do Holocausto.
Pois bem, a intenção do diretor foi alcançada, pois seu olhar ateu sobre tudo isso é só questionamento. Ele jamais se propõe a responder qualquer uma dessas questões, apenas junta um amontoado de ideias e reescreve o relato segundo seu olhar de cineasta, não disposto a tomar qualquer lado que seja. O Noé de Aronofsky acaba, por fim, sendo fiel somente ao que qualquer blockbuster se propõe: entreter. Portanto, não é de estranhar que seu relato misture criacionismo a evolucionismo, recorra ao apócrifo livro de Enoque e tire de lá um vilão que se contraponha à figura heróica de Noé, fora uns monstrengos de pedra que tocam o terror, jogue Matusalém (Anthony Hopkins) no meio da salada (sendo que na Bíblia não há relatos da convivência entre os dois), insira uma mensagem ambientalista e interprete as escrituras sagradas conforme suas ideias pessoais. Mesmo o personagem principal acaba se encaixando no perfil de outros protagonistas do cineasta, que luta contra tudo e contra todos, inclusive contra suas próprias convicções, para chegar ao seu objetivo, tal qual a bailarina obcecada pela perfeição em Cisne Negro (Black Swan, 2010), o incansável pugilista de O Lutador (The Wrestler, 2008), e o matemático obstinado de Pi (idem, 1998). Assim sendo, a relação de Noé com Deus se mostra a abordagem mais dúbia e arriscada da produção, já que, nas entrelinhas, se pressupõe que o homem jamais entende e verdadeiramente apóia o plano divino de executar a humanidade – apenas obedece, talvez por uma questão de puro instinto de sobrevivência, talvez pela inabalável fé.
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O Pianista
4.4 1,8K Assista AgoraAntes de mais nada, O Pianista (The Pianist, 2002), o mais recente trabalho de Roman Polanski, merece respeito por um detalhe crucial. Numa indústria em que o termo "engajado" normalmente recebe cunho pejorativo, o filme faz parte de uma classe em extinção: a do cinema feito por paixão, vocação e, acima de tudo, uma necessidade quase fisiológica de se expressar. Mas existe um problema aparente: trata-se de mais uma, entre as dezenas de obras a respeito do Holocausto.
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Noé
3.0 2,6K Assista AgoraPois bem, a intenção do diretor foi alcançada, pois seu olhar ateu sobre tudo isso é só questionamento. Ele jamais se propõe a responder qualquer uma dessas questões, apenas junta um amontoado de ideias e reescreve o relato segundo seu olhar de cineasta, não disposto a tomar qualquer lado que seja. O Noé de Aronofsky acaba, por fim, sendo fiel somente ao que qualquer blockbuster se propõe: entreter. Portanto, não é de estranhar que seu relato misture criacionismo a evolucionismo, recorra ao apócrifo livro de Enoque e tire de lá um vilão que se contraponha à figura heróica de Noé, fora uns monstrengos de pedra que tocam o terror, jogue Matusalém (Anthony Hopkins) no meio da salada (sendo que na Bíblia não há relatos da convivência entre os dois), insira uma mensagem ambientalista e interprete as escrituras sagradas conforme suas ideias pessoais. Mesmo o personagem principal acaba se encaixando no perfil de outros protagonistas do cineasta, que luta contra tudo e contra todos, inclusive contra suas próprias convicções, para chegar ao seu objetivo, tal qual a bailarina obcecada pela perfeição em Cisne Negro (Black Swan, 2010), o incansável pugilista de O Lutador (The Wrestler, 2008), e o matemático obstinado de Pi (idem, 1998). Assim sendo, a relação de Noé com Deus se mostra a abordagem mais dúbia e arriscada da produção, já que, nas entrelinhas, se pressupõe que o homem jamais entende e verdadeiramente apóia o plano divino de executar a humanidade – apenas obedece, talvez por uma questão de puro instinto de sobrevivência, talvez pela inabalável fé.