Mulheres lidam com seus dramas que – é claro – provêm sempre de relacionamentos amorosos. Buscando um refúgio dos problemas cotidianos, decidem montar um clube de leitura dedicado exclusivamente à obra de Jane Austen. As discussões sobre a leitura revelam ao público (e mais tarde aos integrantes) que os conflitos apresentados pela escritora britânica no século XVIII se repetem no mundo contemporâneo. Em parte porque sentimentos são atemporais e em parte porque certos padrões comportamentais e modelos de conduta, principalmente femininos, foram tão reforçados ao longo do tempo que é muito difícil que nos libertemos deles.
No enredo de desventuras amorosas femininas, o filme mostra-se formulaico e carregado demais no sentimentalismo. Por fim, a escolha de mostrar relances das seis obras de Jane Auste através de pequenos excertos que se relacionam às vidas dos protagonistas falha como homenagem à escritora porque deixa tudo raso demais.
Não à toa, a palavra fã é derivada de “fanático”, cujo significado, mesmo que neutralizado pelo uso corrente, é de alguém devotado em excesso, i.e., portador de uma louca obsessão. Annie, a fã retratada por Kathy Bates no filme, dá uma força especial a esta dimensão de loucura que acompanha a adoração a alguém.
A premissa do filme é bastante simples, e seu roteiro rapidamente nos dá a noção do que ocupará boa parte de sua extensão: a interação entre Paul e Annie. Esta agilidade em apresentar o ponto principal, permite que se desenvolva desde cedo o grande trunfo do filme, que reside na criação e no crescimento de tensão.
A mudança na personalidade de Annie é ressaltada através de uma representação quase caricata. O exagero não incomoda, mas serve para acentuar a imprevisibilidade de seu comportamento.
O ambiente claustrofóbico e a limitação física de Paul fizeram-me lembrar dos excelentes "Janela Indiscreta" e "O Que Terá Acontecido à Baby Jane?".
O filme francês adota, em alguma medida, o mesmo estilo das comédias de high school americanas, principalmente nos seus esteriótipos. O menino “desenturmado” tenta uma aproximação com os populares, que o rejeitam reiteradamente. Há então o acolhimento do grupo de “esquisitos”, com quem o protagonista invariavelmente acaba se identificando depois de alguma resistência. Diferente de boa parte das obras estadunidenses do gênero, porém, traz personagens com traços mais suaves e bem desenvolvidos, imprimindo neles uma naturalidade maior. O filme acerta em não carregar no tom dos diálogos e interpretações, fazendo com que situações vividas sejam totalmente críveis e, portanto, capazes de gerar simpatia. Um filme leve, fácil e divertido.
O filme, como muitos do estúdio, investe pesado em surrealismo. Seu enredo é estruturado de maneira algo anárquica, sendo impossível prever seus desdobramentos. Assim, para a sua total apreciação, faz-se necessário um certo desprendimento da expectativa pelos padrões tradicionais de narrativa. Esta tarefa não impõe muita dificuldade, graças aos belos artifícios visuais e a construção primorosa do mundo fantástico no qual se deve imergir. Vencida esta possível resistência, Miyazaki entrega mais um belo trabalho, com reflexões importantes tecidas de forma suave, mas nunca superficial. O filme fala muito sobre (auto) imagem e aceitação, tema sempre e cada vez mais relevante em um mundo que usa a aparência para rotular e valorar. Não é meu Miyazaki preferido, mas ainda é muito bom.
Há não muito tempo, li a notícia de que a pandemia que vivemos e que gerará miséria por muitas gerações, produziu, na contramão, mais riqueza aos muitos ricos. Ninguém poderia esperar diferente, mas a previsibilidade deixa o absurdo menos grave? “O Capital” traz uma abordagem previsível sobre o sistema bancário e o mercado financeiro. Não há nada de novo sendo dito. Mas se o problema persiste e se agrava no tempo, não se pode esperar um discurso diferente. “É nas crises que se formam as grandes fortunas”, nos diz, bem atual, um dos personagens.
A crise referida na frase é desencadeada pelo protagonista, Marc, que, alçado a diretor de um poderoso banco europeu - e percebendo que o novo posto só lhe foi outorgado porque os acionistas o veem como “descartável” - se deixa dominar pelo espírito do local e busca meios de acumular mais dinheiro e poder, mesmo que à custa do infortúnio de milhares de outros.
Marc, um bom filho da classe média assalariada, tem consciência dos malefícios do sistema que integra e dos seus próprios atos, o que se demonstra em cenas imaginadas pelo personagem, onde sempre se coloca como alguém capaz de desprezar tudo aquilo. No entanto, na realidade, ele não só é incapaz de se posicionar, como aceita passivamente e contribui para a perpetuação do sistema degradado.
Fiz essa revisita ao trabalho mais polêmico de Pasolini depois de ter assistido, recentemente, a dois documentários sobre homens condenados por abuso: João de Deus e Jeffrey Epstein. Os relatos escabrosos das vítimas deixam claro que o comportamento destes predadores está ligado não tanto a impulsos sexuais incontroláveis, mas sim a uma relação de poder e dominação, ligada ao prazer de deixar o outro humilhado e subjugado, seja através da força do capital ou de supostos “dons espirituais”.
No caso do filme, a força que alimenta as perversões está na formação de uma estrutura de Estado baseada na violência e em discursos desumanizantes. Os idealizadores que desfrutam do ambiente de “prazer sem limites” - abuso sexual atroz, coprofagia e tortura (apenas para apontar os “círculos”) – são o Aristocrata, o Magistrado, o Bispo e o Banqueiro, deixando bastante evidente a crítica aos “pilares” da sociedade, que se portam como detentores da decência e da moral, mas que, na verdade, escravizam o povo.
A repugnante obra nos alerta, ainda, sobre como a “liberdade sexual” que por vezes nos é ofertada trata-se de uma farsa na medida em que o sistema controla sub-repticiamente – mas de maneira reiterada – nossos corpos, nossa sexualidade e nossos pensamentos.
O filme “Tolkien” dedica-se a dramatizar alguns períodos da vida do escritor, mas sem revelar particular interesse em desenvolver o seu personagem ou em gerar alguma afinidade entre o público e o biografado. A maneira como os relacionamentos de Tolkien são mostrados – família, padre, tutora, amigos, professores, amada – permite apenas um envolvimento parcial por parte do espectador. Os episódios que compõem a obra, apresentados em flashbacks (opção que não acrescenta nada ao filme, aliás) até sugerem como se construíram as influências e motivações daquele que viria a ser um escritor de renome, porém de forma muito direta e pouco inspirada, às vezes pendendo para o artificial. Há várias boas cenas, com diálogos interessantes e boa química entre os personagens, em um vislumbre do que o filme poderia ter sido se melhor trabalhado. Mas, infelizmente, o roteiro conforma-se em ser pouco ambicioso, o que traz como resultado um filme morno.
Talvez “Malcolm X” seja a “cinebiografia” que melhor se aproxime do sentido puro do termo. Spike Lee reconstrói a vida do personagem (um magistral Denzel Washington) com máximo detalhamento – daí as 3h30min de duração – o que oportuniza o aprofundamento em questões que moldaram o pensamento do controverso líder político/religioso. Ao se demorar nos episódios marcantes da vida de Malcolm, e em como as suas ideias foram formadas a partir desses momentos-chave, o filme possibilita ao espectador que construa um entendimento muito mais amplo dos porquês do discurso extremista que marcou boa parte da sua trajetória pública.
O filme está centrado no cotidiano de uma família argentina bastante disfuncional. Sem se preocupar muito com a narrativa, o objetivo da então estreante diretora Lucrecia Martel parece ser transmitir a vacuidade da vida daquelas pessoas.
Trata-se de uma experiência de imersão (na lama): o pântano do título pode ser sentido na medida em que as situações tragam o espectador para um ambiente de opressiva decadência (da piscina sempre e cada vez mais suja, do desprezo e da calúnia constante à empregada) onde todos parecem acometidos por um certo torpor (sempre estirados na cama), causado talvez pelo álcool, talvez pelo calor, talvez pelo vazio existencial.
Este retrato irônico de um certo estrato social argentino, seus preconceitos e debilidades, é feito a partir de fragmentos e de muitos personagens, sem deixar muito claro o tipo de relacionamento que uns tem com os outros. As cenas são largadas sem que haja um desenvolvimento. Essa ausência de narrativa é aparentemente intencional e cumpre seu propósito em parte, mas acaba por tornar o filme distante demais e um pouco cansativo.
A protagonista, possivelmente fugindo de algo em seu passado, embarca em um trem que a levará ao Texas, uma terra inóspita e açoitada frequentemente pelo vento, que revolve a areia e tudo cobre. Ainda no trem, é assediada por um homem, que faz questão de alertá-la sobre como o vento enlouquece a todos naquelas paragens. O ânimo da mulher é novamente abatido quando chega a casa de acolhida: embora o primo a trate bem, sua esposa logo deixa claro que sua presença lhe é incômoda. Enquanto isso, os homens da cidade, assim como o vento, seguem atormentando.
O diretor faz questão de deixar explícita a relação entre o vento e a angústia da personagem, deixando que a força da natureza que a todos submete seja ela também uma força condutora da trama, por vezes assumindo um “caráter” quase humano. A repetição desse artifício, combinada aos longos planos, aborrece um pouco.
Apesar de não ser experta em cinema mudo da década de 20 – e justamente por isso ter grande dificuldade de fazer uma avaliação contextualizada – pode-se perceber que o filme é de vanguarda, seja no roteiro, na protagonista feminina ou na parte técnica.
Parece que muita coisa acontece na tela - muita ação, muita violência, muitas coisas estranhas - e, ao mesmo tempo, um incômodo tremendo é gerado pela dificuldade de se estabelecer o que é importante ali. “Sobre o que é esse filme mesmo?” E esta sensação, em vez de se dissipar, cresce ao longo do filme. Talvez eu esteja despreparada para entender o filme, ou talvez ele mesmo não se importe em fazer-se inteligível – hipótese que me parece plausível na metade final e, mais especialmente, nos últimos vinte minutos.
O filme me era totalmente desconhecido, assim como sua diretora. Não tendo a menor ideia do que esperar, portanto, fui conduzida por uma história que, de início, tem um aspecto documental, tratando, com imagens reais, da retirada de moradores de locais de interesse para a construção de estruturas que abrigariam a Rio 2016. A produção conta com moradores reais, que interagem com a protagonista, uma advogada (defensora pública?) empenhada em fazer com que os direitos daquelas pessoas sejam resguardados no processo e nas negociações. Do seu lado, também ela vive em um prédio que está sendo esvaziado para dar lugar a uma nova construção. Em meio à reflexão principal, que trata sobre pertencimento, sobre a relação e a conexão das pessoas com o ambiente em que vivem, com a cidade e com a sua moradia – encerrada na inspirada e significativa sequência final – há também esperadas, mas nem por isso menos válidas, críticas ao governo e ao seu braço armado, a polícia. Como ponto negativo, devo ressaltar que a relação entre a protagonista e o arquiteto parece fora de lugar e é mal resolvida. O mesmo pode ser dito de outras tramas, que são quase abandonadas. Gostaria de ter visto uma maior coesão.
Estreia do diretor e filme que, conforme a percepção de muitos, inaugurou a nova onda francesa, "Nas Garras do Vício" conta a história de François, um homem que retorna à sua cidade natal, uma localidade pequena e rural no interior da França, em busca de descanso. Logo ao chegar, avista seu amigo, Serge, cambaleando pela rua e incapaz de reconhecê-lo, vez que havia se tornado um alcoólatra. Movido pelo afeto que ainda possui pelo amigo que há muito não encontrava, François dedica-se a entender no que Serge havia se tornado para poder ajudá-lo. Entrementes, inteira-se de outras histórias dos habitantes do local, que ora lhe parecem muito diferentes.
O cenário criado pelo diretor, que envolve alcoolismo, autodestruição, violência e até incesto pareceu-me, por vezes, muito radical em seus esteriótipos. Faltou sutileza, também, na construção das relações entre os personagens. Mesmo assim, o bom uso da técnica mantém o interesse em acompanhar o filme, que tem uma poderosa sequência final.
O filme, passado em meados dos anos 30, emula a atmosfera tradicional dos filmes noir clássicos, centrando-se a história na investigação conduzida pelo detetive particular Gittes que, enganado no início, rapidamente é arrastado por revelações que envolvem política, dinheiro e um complexo e misterioso drama familiar. A interpretação de Jack Nicholson, amparada por um roteiro muito bem construído em torno do personagem, contribui decisivamente para que o filme cresça. Os trejeitos do detetive, sua personalidade e seus métodos são, mais do que os desdobramentos do caso, o grande trunfo da obra. O já mencionado roteiro, no ponto mais revelador da trama, agrada ao fugir do caminho mais fácil e conduz para um final de tom marcadamente sombrio e pessimista que pode incomodar mas, talvez por isso mesmo, seja memorável.
“Boy” é um filme neozelandês de um diretor à época iniciante, Taika Waititi. Logo na abertura, uma citação extraída de “E.T. - o extraterrestre” prenuncia não só a temática do filme – como era de se esperar – mas também introduz a primeira das referências à cultura pop oitentista.
Com penetração global, americanos como Spielberg e Michael Jackson fazem parte do mundo do protagonista, um menino que leva uma vida dura de pobreza e desamor no extremo oposto do mundo. Fazem parte, ainda, da vida de seu pai, um imaturo “fora-da-lei” que imagina-se, ele mesmo, em um filme.
Assim, a criança e o adulto fantasiam para que a vida se torne suportável. Porém o segundo, destituído de toda a inocência, mostra-se apenas egoísta e negligente nessa atitude, recusando-se a enxergar e assumir as responsabilidades que lhe cabem. O primeiro, por sua vez, amadurece ao abandonar a imagem idealizada que criou deste mesmo pai.
Ao contrário do que possa imaginar, o filme é leve e divertido. O estilo de humor e excentricidade da obra guardam mesmo alguma semelhança com o cinema de Wes Anderson. São muitas as cenas em que a realidade é transmutada, e assim suavizada, pela perspectiva de Boy, que imagina, por exemplo, um número musical em uma violenta briga de bar. Bom filme.
Nunca assisti ao desenho que originou o filme “Dora e a Cidade Perdida”, de maneira que dependia do filme para qualquer impressão sobre a protagonista (que não fosse sua qualidade de “aventureira”). Apresentaram-me, então, aos adoráveis Dora, seus pais e seu primo e, diante do carisma que emanam, foi inevitável simpatizar imediatamente.
Após uma breve introdução da vida na selva desde a infância, uma passagem temporal entrega Dora adolescente e pronta para, pela primeira vez, frequentar a escola regular. O excesso de energia e a incapacidade de entender os códigos sociais do lugar, garantem, além do constrangimento do primo, algumas cenas tão amáveis quanto divertidas.
O momento aventureiro, é claro, também chega, e Dora se junta a uma inesperada turma por uma jornada que incorpora ao filme elementos que remetem aos clássicos de “caça ao tesouro”, porém com a manutenção do ambiente infantil e lúdico, condizente com o público-alvo da obra. Além disso, há de se destacar o bem azeitado elenco e uma bem-vinda celebração da latinidade.
Um viúvo cheio de segredos e atitudes suspeitas e um investigador atormentado passam uma longa e chuvosa noite em um necrotério. O motivo? O desaparecimento do cadáver da esposa do primeiro, de cujo paradeiro não se tem nenhuma pista. A obra propõe, a partir de então, que o espectador desvende o misterioso caso, devendo descobrir qual dos envolvidos manipula melhor o outro. De início temos, assim, um filme baseado na estrutura do “quem matou?”, que busca revelar em flashbacks o passado, montando a história e as motivações de todos a conta-gotas. Há potencial de entretenimento, sem dúvidas, mas o roteiro, no afã de causar surpresa a todo momento, esbarra em demasia na falta de coerência e de verossimilhança. O excesso de coincidências e as diversas pontas soltas diminuem a obra, que mostra-se apenas regular no conjunto.
Os Estados Unidos dos anos 60/70 viviam um ambiente de tensão social profunda, com movimentos variados que buscavam a ruptura de estruturas que não só perpetuavam, como aumentavam as desigualdades entre brancos e negros, homens e mulheres e pobres e ricos. A Guerra Fria estava em curso, assim como a Guerra do Vietnã, de maneira que a demonização do comunismo mantinha-se viva e as estratégias do macartismo ainda ecoavam na sociedade.
Neste cenário, Angela Davis, mulher negra e comunista filiada ao PC, passa ao centro do debate público após ser demitida da UCLA por seus posicionamentos políticos. A arbitrariedade, que feria frontalmente a liberdade de cátedra, foi duramente criticada por seus pares professores, e alcançou mesmo a Casa Branca, quando o então presidente Reagan demonstrou seu apoio à decisão da instituição.
Angela ganhou notoriedade, e seus movimentos passaram a ser acompanhados, gerando aversão em parte da população, que enviava-lhe ameaças de morte carregadas do mais abjeto racismo. O papel de “inimiga pública” foi reforçado quando o FBI a colocou na sua célebre lista de “10 mais procurados”, após suposto envolvimento em um auxílio à fuga de Tribunal, que resultou em mortes.
O documentário, como toda boa obra do gênero, dedica-se à construção deste panorama, com a revelação dos vícios presentes nos sistemas político e judicial, bem como na sociedade americana. A estratégia da defesa e os desdobramentos do processo e do julgamento também são destaque. Ainda, a obra traz inúmeras imagens de arquivo e entrevistas com a própria Angela, um ícone de luta dos nossos tempos. Que muitos outros surjam.
Na primeira parte do filme, somos apresentados a um casal que compartilha seu tempo na lan house, no veterinário, no cinema, no barzinho e… é isso. Parece uma colagem intitulada “Nossos Momentos 😍”, daquele tipo que só interessa ao próprio casal. Foi necessária uma dose alta de paciência, já que o filme se arrasta nesse cotidiano banal dos dois por uma hora. Na segunda parte, um filme diferente se desenha, introduzindo uma lenda tailandesa que, tenho certeza, é cheia de significados e interpretações. Mas talvez elas sejam imperscrutáveis ao Ocidente, ou a mim mesmo: a única sensação que tive foi a dos meus olhos pesando de sono. Suportei mais uma hora de um filme quase mudo, ambientado num mato escuro, remotamente conectado à primeira parte. Eu poderia dizer, depois da enfadonha experiência, que o filme trata da regressão ao estado natural ou da assunção do animalesco em nós, mas eu não estaria me baseando no que é efetivamente entregue, e sim numa vontade pura de encontrar sentido em uma história monótona de casal que é cortada por takes intermináveis de mato, embebidos na aura mística dada pela narrativa de fundo.
Um Lobisomem Americano em Londres mistura a comédia típica dos filmes oitentistas e o exagero e sanguinolência (hoje quase cômicos) dos clássicos de terror. Os tons contrastantes (horror/gore e comédia/pastelão) são mantidos até o final da trama que, porém, tem dificuldades para estruturar-se adequadamente. Assim, a transição entre os gêneros é sempre atropelada e algo incômoda. Ademais, a introdução de um romance pouco crível potencializa o problema, além de criar um arco desnecessário, que resulta no insípido final. Excetuadas estas questões, a experiência de Um Lobisomem Americano em Londres ainda me foi muito agradável. Talvez sensibilizada pela nostalgia, achei o filme um bom entretenimento, leve e fácil de assistir. Destaco também cenas muito bem trabalhadas no suspense, e outras genuinamente engraçadas. Por fim, os efeitos visuais práticos são impressionantes, com sua qualidade chancelada pelo Oscar de maquiagem que recebeu.
O filme abre como uma declarada propaganda antiguerra (do Vietnã), discurso algo datado que mantém, mesmo que enfraquecido, por toda a sua extensão. Este pano de fundo, diferente do que se anunciava, apenas serve como pretexto para contar um melodrama típico: a abnegada Jane Fonda, privada de seu marido, vai trabalhar como voluntária em um hospital para os veteranos de guerra. No local, reencontra um antigo colega, que ficou paraplégico em combate. Como se pode perceber nessa breve descrição, o enredo é bastante carregado e seus desdobramentos são previsíveis.
Falar diretamente de um filme que investe tanto na subjetividade não é fácil. De início, o texto me agradou, ainda que houvesse pouca estrutura narrativa. As cenas se sucedem sem muito apego ao desenvolvimento de uma história, mostrando unicamente as reflexões – poetizadas – dos personagens sobre a experiência humana. Porém, ao longo do filme, a ausência de um fio condutor e o ritmo lento eventualmente deixaram Asas do Desejo etéreo demais. Infelizmente, em virtude dessa falta de concretude, meu envolvimento com o que estava acontecendo restou comprometido. Ainda assim, há muita beleza e sensibilidade na obra, cujo conteúdo, a meu ver, estaria melhor abrigado em um livro.
A chegada do homem à Lua é, sem dúvidas, um feito extraordinário. Talvez por isso, o passo de Neil Armstrong tenda a ser sentido como um momento de grande efusividade. O filme de Damien Chazelle se dedica a desconstruir este sentimento, relembrando os múltiplos fracassos e as dificuldades do projeto. Ainda, o programa espacial angariava antipatia de boa parte da sociedade por seus altos custos. Ryan Gosling entrega um astronauta contido em suas emoções e burocrático em seu trabalho, representação distante da do heroi americano que costuma lhe caber. A meu ver, há mesmo a sugestão de que esteja com depressão, desencadeada por um fato do passado que sempre lhe retorna à mente. Ainda que eu tenha compreendido a intenção, a estéril narrativa torna o filme de difícil conexão com o protagonista e, consequentemente, enfadonho. As atuações são boas, a direção também, mas faltou coração.
Neste filme menos conhecido dos irmãos Coen, Billy Bob Thornton interpreta com competência o lacônico barbeiro Ed Crane, a quem oportunidade de mudar de vida se apresenta. Neste ponto, o filme bem que poderia tomar emprestado de Fargo o subtítulo que a distribuidora brasileira lhe deu: uma comédia de erros. A história, muito bem contada, é desenvolvida a partir das imprevisíveis consequências das escolhas do protagonista. O filme transmite perfeitamente a personalidade de Ed, alguém que não tem prazer no mundo que o cerca ou na própria vida. Os eventos, que crescem em gravidade, são por ele vividos e narrados sem nenhuma emoção ou análise. Como se fosse um espectador da própria vida, ele permanece impassível diante dos acontecimentos. O homem que não estava lá.
O Clube de Leitura de Jane Austen
3.7 331 Assista AgoraMulheres lidam com seus dramas que – é claro – provêm sempre de relacionamentos amorosos. Buscando um refúgio dos problemas cotidianos, decidem montar um clube de leitura dedicado exclusivamente à obra de Jane Austen. As discussões sobre a leitura revelam ao público (e mais tarde aos integrantes) que os conflitos apresentados pela escritora britânica no século XVIII se repetem no mundo contemporâneo. Em parte porque sentimentos são atemporais e em parte porque certos padrões comportamentais e modelos de conduta, principalmente femininos, foram tão reforçados ao longo do tempo que é muito difícil que nos libertemos deles.
No enredo de desventuras amorosas femininas, o filme mostra-se formulaico e carregado demais no sentimentalismo. Por fim, a escolha de mostrar relances das seis obras de Jane Auste através de pequenos excertos que se relacionam às vidas dos protagonistas falha como homenagem à escritora porque deixa tudo raso demais.
Louca Obsessão
4.1 1,3K Assista AgoraNão à toa, a palavra fã é derivada de “fanático”, cujo significado, mesmo que neutralizado pelo uso corrente, é de alguém devotado em excesso, i.e., portador de uma louca obsessão. Annie, a fã retratada por Kathy Bates no filme, dá uma força especial a esta dimensão de loucura que acompanha a adoração a alguém.
A premissa do filme é bastante simples, e seu roteiro rapidamente nos dá a noção do que ocupará boa parte de sua extensão: a interação entre Paul e Annie. Esta agilidade em apresentar o ponto principal, permite que se desenvolva desde cedo o grande trunfo do filme, que reside na criação e no crescimento de tensão.
A mudança na personalidade de Annie é ressaltada através de uma representação quase caricata. O exagero não incomoda, mas serve para acentuar a imprevisibilidade de seu comportamento.
O ambiente claustrofóbico e a limitação física de Paul fizeram-me lembrar dos excelentes "Janela Indiscreta" e "O Que Terá Acontecido à Baby Jane?".
O Novato
3.8 42O filme francês adota, em alguma medida, o mesmo estilo das comédias de high school americanas, principalmente nos seus esteriótipos. O menino “desenturmado” tenta uma aproximação com os populares, que o rejeitam reiteradamente. Há então o acolhimento do grupo de “esquisitos”, com quem o protagonista invariavelmente acaba se identificando depois de alguma resistência.
Diferente de boa parte das obras estadunidenses do gênero, porém, traz personagens com traços mais suaves e bem desenvolvidos, imprimindo neles uma naturalidade maior. O filme acerta em não carregar no tom dos diálogos e interpretações, fazendo com que situações vividas sejam totalmente críveis e, portanto, capazes de gerar simpatia. Um filme leve, fácil e divertido.
O Castelo Animado
4.4 1,3K Assista AgoraO filme, como muitos do estúdio, investe pesado em surrealismo. Seu enredo é estruturado de maneira algo anárquica, sendo impossível prever seus desdobramentos. Assim, para a sua total apreciação, faz-se necessário um certo desprendimento da expectativa pelos padrões tradicionais de narrativa. Esta tarefa não impõe muita dificuldade, graças aos belos artifícios visuais e a construção primorosa do mundo fantástico no qual se deve imergir.
Vencida esta possível resistência, Miyazaki entrega mais um belo trabalho, com reflexões importantes tecidas de forma suave, mas nunca superficial. O filme fala muito sobre (auto) imagem e aceitação, tema sempre e cada vez mais relevante em um mundo que usa a aparência para rotular e valorar.
Não é meu Miyazaki preferido, mas ainda é muito bom.
O Capital
3.8 96Há não muito tempo, li a notícia de que a pandemia que vivemos e que gerará miséria por muitas gerações, produziu, na contramão, mais riqueza aos muitos ricos. Ninguém poderia esperar diferente, mas a previsibilidade deixa o absurdo menos grave? “O Capital” traz uma abordagem previsível sobre o sistema bancário e o mercado financeiro. Não há nada de novo sendo dito. Mas se o problema persiste e se agrava no tempo, não se pode esperar um discurso diferente. “É nas crises que se formam as grandes fortunas”, nos diz, bem atual, um dos personagens.
A crise referida na frase é desencadeada pelo protagonista, Marc, que, alçado a diretor de um poderoso banco europeu - e percebendo que o novo posto só lhe foi outorgado porque os acionistas o veem como “descartável” - se deixa dominar pelo espírito do local e busca meios de acumular mais dinheiro e poder, mesmo que à custa do infortúnio de milhares de outros.
Marc, um bom filho da classe média assalariada, tem consciência dos malefícios do sistema que integra e dos seus próprios atos, o que se demonstra em cenas imaginadas pelo personagem, onde sempre se coloca como alguém capaz de desprezar tudo aquilo. No entanto, na realidade, ele não só é incapaz de se posicionar, como aceita passivamente e contribui para a perpetuação do sistema degradado.
“O dinheiro apodrece tudo”.
Salò, ou os 120 Dias de Sodoma
3.2 1,0KFiz essa revisita ao trabalho mais polêmico de Pasolini depois de ter assistido, recentemente, a dois documentários sobre homens condenados por abuso: João de Deus e Jeffrey Epstein. Os relatos escabrosos das vítimas deixam claro que o comportamento destes predadores está ligado não tanto a impulsos sexuais incontroláveis, mas sim a uma relação de poder e dominação, ligada ao prazer de deixar o outro humilhado e subjugado, seja através da força do capital ou de supostos “dons espirituais”.
No caso do filme, a força que alimenta as perversões está na formação de uma estrutura de Estado baseada na violência e em discursos desumanizantes. Os idealizadores que desfrutam do ambiente de “prazer sem limites” - abuso sexual atroz, coprofagia e tortura (apenas para apontar os “círculos”) – são o Aristocrata, o Magistrado, o Bispo e o Banqueiro, deixando bastante evidente a crítica aos “pilares” da sociedade, que se portam como detentores da decência e da moral, mas que, na verdade, escravizam o povo.
A repugnante obra nos alerta, ainda, sobre como a “liberdade sexual” que por vezes nos é ofertada trata-se de uma farsa na medida em que o sistema controla sub-repticiamente – mas de maneira reiterada – nossos corpos, nossa sexualidade e nossos pensamentos.
Tolkien
3.5 162 Assista AgoraO filme “Tolkien” dedica-se a dramatizar alguns períodos da vida do escritor, mas sem revelar particular interesse em desenvolver o seu personagem ou em gerar alguma afinidade entre o público e o biografado. A maneira como os relacionamentos de Tolkien são mostrados – família, padre, tutora, amigos, professores, amada – permite apenas um envolvimento parcial por parte do espectador.
Os episódios que compõem a obra, apresentados em flashbacks (opção que não acrescenta nada ao filme, aliás) até sugerem como se construíram as influências e motivações daquele que viria a ser um escritor de renome, porém de forma muito direta e pouco inspirada, às vezes pendendo para o artificial.
Há várias boas cenas, com diálogos interessantes e boa química entre os personagens, em um vislumbre do que o filme poderia ter sido se melhor trabalhado. Mas, infelizmente, o roteiro conforma-se em ser pouco ambicioso, o que traz como resultado um filme morno.
Malcolm X
4.1 267 Assista AgoraTalvez “Malcolm X” seja a “cinebiografia” que melhor se aproxime do sentido puro do termo. Spike Lee reconstrói a vida do personagem (um magistral Denzel Washington) com máximo detalhamento – daí as 3h30min de duração – o que oportuniza o aprofundamento em questões que moldaram o pensamento do controverso líder político/religioso. Ao se demorar nos episódios marcantes da vida de Malcolm, e em como as suas ideias foram formadas a partir desses momentos-chave, o filme possibilita ao espectador que construa um entendimento muito mais amplo dos porquês do discurso extremista que marcou boa parte da sua trajetória pública.
O Pântano
3.8 94 Assista AgoraO filme está centrado no cotidiano de uma família argentina bastante disfuncional. Sem se preocupar muito com a narrativa, o objetivo da então estreante diretora Lucrecia Martel parece ser transmitir a vacuidade da vida daquelas pessoas.
Trata-se de uma experiência de imersão (na lama): o pântano do título pode ser sentido na medida em que as situações tragam o espectador para um ambiente de opressiva decadência (da piscina sempre e cada vez mais suja, do desprezo e da calúnia constante à empregada) onde todos parecem acometidos por um certo torpor (sempre estirados na cama), causado talvez pelo álcool, talvez pelo calor, talvez pelo vazio existencial.
Este retrato irônico de um certo estrato social argentino, seus preconceitos e debilidades, é feito a partir de fragmentos e de muitos personagens, sem deixar muito claro o tipo de relacionamento que uns tem com os outros. As cenas são largadas sem que haja um desenvolvimento. Essa ausência de narrativa é aparentemente intencional e cumpre seu propósito em parte, mas acaba por tornar o filme distante demais e um pouco cansativo.
Vento e Areia
4.4 34A protagonista, possivelmente fugindo de algo em seu passado, embarca em um trem que a levará ao Texas, uma terra inóspita e açoitada frequentemente pelo vento, que revolve a areia e tudo cobre. Ainda no trem, é assediada por um homem, que faz questão de alertá-la sobre como o vento enlouquece a todos naquelas paragens. O ânimo da mulher é novamente abatido quando chega a casa de acolhida: embora o primo a trate bem, sua esposa logo deixa claro que sua presença lhe é incômoda. Enquanto isso, os homens da cidade, assim como o vento, seguem atormentando.
O diretor faz questão de deixar explícita a relação entre o vento e a angústia da personagem, deixando que a força da natureza que a todos submete seja ela também uma força condutora da trama, por vezes assumindo um “caráter” quase humano. A repetição desse artifício, combinada aos longos planos, aborrece um pouco.
Apesar de não ser experta em cinema mudo da década de 20 – e justamente por isso ter grande dificuldade de fazer uma avaliação contextualizada – pode-se perceber que o filme é de vanguarda, seja no roteiro, na protagonista feminina ou na parte técnica.
Akira
4.3 868 Assista AgoraParece que muita coisa acontece na tela - muita ação, muita violência, muitas coisas estranhas - e, ao mesmo tempo, um incômodo tremendo é gerado pela dificuldade de se estabelecer o que é importante ali.
“Sobre o que é esse filme mesmo?”
E esta sensação, em vez de se dissipar, cresce ao longo do filme. Talvez eu esteja despreparada para entender o filme, ou talvez ele mesmo não se importe em fazer-se inteligível – hipótese que me parece plausível na metade final e, mais especialmente, nos últimos vinte minutos.
Mormaço
3.4 33O filme me era totalmente desconhecido, assim como sua diretora. Não tendo a menor ideia do que esperar, portanto, fui conduzida por uma história que, de início, tem um aspecto documental, tratando, com imagens reais, da retirada de moradores de locais de interesse para a construção de estruturas que abrigariam a Rio 2016. A produção conta com moradores reais, que interagem com a protagonista, uma advogada (defensora pública?) empenhada em fazer com que os direitos daquelas pessoas sejam resguardados no processo e nas negociações. Do seu lado, também ela vive em um prédio que está sendo esvaziado para dar lugar a uma nova construção. Em meio à reflexão principal, que trata sobre pertencimento, sobre a relação e a conexão das pessoas com o ambiente em que vivem, com a cidade e com a sua moradia – encerrada na inspirada e significativa sequência final – há também esperadas, mas nem por isso menos válidas, críticas ao governo e ao seu braço armado, a polícia.
Como ponto negativo, devo ressaltar que a relação entre a protagonista e o arquiteto parece fora de lugar e é mal resolvida. O mesmo pode ser dito de outras tramas, que são quase abandonadas. Gostaria de ter visto uma maior coesão.
Nas Garras do Vício
3.9 28Estreia do diretor e filme que, conforme a percepção de muitos, inaugurou a nova onda francesa, "Nas Garras do Vício" conta a história de François, um homem que retorna à sua cidade natal, uma localidade pequena e rural no interior da França, em busca de descanso. Logo ao chegar, avista seu amigo, Serge, cambaleando pela rua e incapaz de reconhecê-lo, vez que havia se tornado um alcoólatra. Movido pelo afeto que ainda possui pelo amigo que há muito não encontrava, François dedica-se a entender no que Serge havia se tornado para poder ajudá-lo. Entrementes, inteira-se de outras histórias dos habitantes do local, que ora lhe parecem muito diferentes.
O cenário criado pelo diretor, que envolve alcoolismo, autodestruição, violência e até incesto pareceu-me, por vezes, muito radical em seus esteriótipos. Faltou sutileza, também, na construção das relações entre os personagens. Mesmo assim, o bom uso da técnica mantém o interesse em acompanhar o filme, que tem uma poderosa sequência final.
Chinatown
4.1 635 Assista AgoraO filme, passado em meados dos anos 30, emula a atmosfera tradicional dos filmes noir clássicos, centrando-se a história na investigação conduzida pelo detetive particular Gittes que, enganado no início, rapidamente é arrastado por revelações que envolvem política, dinheiro e um complexo e misterioso drama familiar.
A interpretação de Jack Nicholson, amparada por um roteiro muito bem construído em torno do personagem, contribui decisivamente para que o filme cresça. Os trejeitos do detetive, sua personalidade e seus métodos são, mais do que os desdobramentos do caso, o grande trunfo da obra.
O já mencionado roteiro, no ponto mais revelador da trama, agrada ao fugir do caminho mais fácil e conduz para um final de tom marcadamente sombrio e pessimista que pode incomodar mas, talvez por isso mesmo, seja memorável.
Boy
3.9 79 Assista Agora“Boy” é um filme neozelandês de um diretor à época iniciante, Taika Waititi. Logo na abertura, uma citação extraída de “E.T. - o extraterrestre” prenuncia não só a temática do filme – como era de se esperar – mas também introduz a primeira das referências à cultura pop oitentista.
Com penetração global, americanos como Spielberg e Michael Jackson fazem parte do mundo do protagonista, um menino que leva uma vida dura de pobreza e desamor no extremo oposto do mundo. Fazem parte, ainda, da vida de seu pai, um imaturo “fora-da-lei” que imagina-se, ele mesmo, em um filme.
Assim, a criança e o adulto fantasiam para que a vida se torne suportável. Porém o segundo, destituído de toda a inocência, mostra-se apenas egoísta e negligente nessa atitude, recusando-se a enxergar e assumir as responsabilidades que lhe cabem. O primeiro, por sua vez, amadurece ao abandonar a imagem idealizada que criou deste mesmo pai.
Ao contrário do que possa imaginar, o filme é leve e divertido. O estilo de humor e excentricidade da obra guardam mesmo alguma semelhança com o cinema de Wes Anderson. São muitas as cenas em que a realidade é transmutada, e assim suavizada, pela perspectiva de Boy, que imagina, por exemplo, um número musical em uma violenta briga de bar. Bom filme.
Dora e a Cidade Perdida
3.2 151 Assista AgoraNunca assisti ao desenho que originou o filme “Dora e a Cidade Perdida”, de maneira que dependia do filme para qualquer impressão sobre a protagonista (que não fosse sua qualidade de “aventureira”). Apresentaram-me, então, aos adoráveis Dora, seus pais e seu primo e, diante do carisma que emanam, foi inevitável simpatizar imediatamente.
Após uma breve introdução da vida na selva desde a infância, uma passagem temporal entrega Dora adolescente e pronta para, pela primeira vez, frequentar a escola regular. O excesso de energia e a incapacidade de entender os códigos sociais do lugar, garantem, além do constrangimento do primo, algumas cenas tão amáveis quanto divertidas.
O momento aventureiro, é claro, também chega, e Dora se junta a uma inesperada turma por uma jornada que incorpora ao filme elementos que remetem aos clássicos de “caça ao tesouro”, porém com a manutenção do ambiente infantil e lúdico, condizente com o público-alvo da obra. Além disso, há de se destacar o bem azeitado elenco e uma bem-vinda celebração da latinidade.
O Corpo
4.1 1,0KUm viúvo cheio de segredos e atitudes suspeitas e um investigador atormentado passam uma longa e chuvosa noite em um necrotério. O motivo? O desaparecimento do cadáver da esposa do primeiro, de cujo paradeiro não se tem nenhuma pista. A obra propõe, a partir de então, que o espectador desvende o misterioso caso, devendo descobrir qual dos envolvidos manipula melhor o outro. De início temos, assim, um filme baseado na estrutura do “quem matou?”, que busca revelar em flashbacks o passado, montando a história e as motivações de todos a conta-gotas. Há potencial de entretenimento, sem dúvidas, mas o roteiro, no afã de causar surpresa a todo momento, esbarra em demasia na falta de coerência e de verossimilhança. O excesso de coincidências e as diversas pontas soltas diminuem a obra, que mostra-se apenas regular no conjunto.
Libertem Angela Davis
4.4 36Os Estados Unidos dos anos 60/70 viviam um ambiente de tensão social profunda, com movimentos variados que buscavam a ruptura de estruturas que não só perpetuavam, como aumentavam as desigualdades entre brancos e negros, homens e mulheres e pobres e ricos. A Guerra Fria estava em curso, assim como a Guerra do Vietnã, de maneira que a demonização do comunismo mantinha-se viva e as estratégias do macartismo ainda ecoavam na sociedade.
Neste cenário, Angela Davis, mulher negra e comunista filiada ao PC, passa ao centro do debate público após ser demitida da UCLA por seus posicionamentos políticos. A arbitrariedade, que feria frontalmente a liberdade de cátedra, foi duramente criticada por seus pares professores, e alcançou mesmo a Casa Branca, quando o então presidente Reagan demonstrou seu apoio à decisão da instituição.
Angela ganhou notoriedade, e seus movimentos passaram a ser acompanhados, gerando aversão em parte da população, que enviava-lhe ameaças de morte carregadas do mais abjeto racismo. O papel de “inimiga pública” foi reforçado quando o FBI a colocou na sua célebre lista de “10 mais procurados”, após suposto envolvimento em um auxílio à fuga de Tribunal, que resultou em mortes.
O documentário, como toda boa obra do gênero, dedica-se à construção deste panorama, com a revelação dos vícios presentes nos sistemas político e judicial, bem como na sociedade americana. A estratégia da defesa e os desdobramentos do processo e do julgamento também são destaque. Ainda, a obra traz inúmeras imagens de arquivo e entrevistas com a própria Angela, um ícone de luta dos nossos tempos. Que muitos outros surjam.
Mal dos Trópicos
4.0 85Na primeira parte do filme, somos apresentados a um casal que compartilha seu tempo na lan house, no veterinário, no cinema, no barzinho e… é isso. Parece uma colagem intitulada “Nossos Momentos 😍”, daquele tipo que só interessa ao próprio casal. Foi necessária uma dose alta de paciência, já que o filme se arrasta nesse cotidiano banal dos dois por uma hora.
Na segunda parte, um filme diferente se desenha, introduzindo uma lenda tailandesa que, tenho certeza, é cheia de significados e interpretações. Mas talvez elas sejam imperscrutáveis ao Ocidente, ou a mim mesmo: a única sensação que tive foi a dos meus olhos pesando de sono.
Suportei mais uma hora de um filme quase mudo, ambientado num mato escuro, remotamente conectado à primeira parte.
Eu poderia dizer, depois da enfadonha experiência, que o filme trata da regressão ao estado natural ou da assunção do animalesco em nós, mas eu não estaria me baseando no que é efetivamente entregue, e sim numa vontade pura de encontrar sentido em uma história monótona de casal que é cortada por takes intermináveis de mato, embebidos na aura mística dada pela narrativa de fundo.
Um Lobisomem Americano em Londres
3.7 612Um Lobisomem Americano em Londres mistura a comédia típica dos filmes oitentistas e o exagero e sanguinolência (hoje quase cômicos) dos clássicos de terror. Os tons contrastantes (horror/gore e comédia/pastelão) são mantidos até o final da trama que, porém, tem dificuldades para estruturar-se adequadamente. Assim, a transição entre os gêneros é sempre atropelada e algo incômoda. Ademais, a introdução de um romance pouco crível potencializa o problema, além de criar um arco desnecessário, que resulta no insípido final.
Excetuadas estas questões, a experiência de Um Lobisomem Americano em Londres ainda me foi muito agradável. Talvez sensibilizada pela nostalgia, achei o filme um bom entretenimento, leve e fácil de assistir. Destaco também cenas muito bem trabalhadas no suspense, e outras genuinamente engraçadas. Por fim, os efeitos visuais práticos são impressionantes, com sua qualidade chancelada pelo Oscar de maquiagem que recebeu.
Amargo Regresso
3.8 62 Assista AgoraO filme abre como uma declarada propaganda antiguerra (do Vietnã), discurso algo datado que mantém, mesmo que enfraquecido, por toda a sua extensão. Este pano de fundo, diferente do que se anunciava, apenas serve como pretexto para contar um melodrama típico: a abnegada Jane Fonda, privada de seu marido, vai trabalhar como voluntária em um hospital para os veteranos de guerra. No local, reencontra um antigo colega, que ficou paraplégico em combate. Como se pode perceber nessa breve descrição, o enredo é bastante carregado e seus desdobramentos são previsíveis.
Asas do Desejo
4.3 493 Assista AgoraFalar diretamente de um filme que investe tanto na subjetividade não é fácil. De início, o texto me agradou, ainda que houvesse pouca estrutura narrativa. As cenas se sucedem sem muito apego ao desenvolvimento de uma história, mostrando unicamente as reflexões – poetizadas – dos personagens sobre a experiência humana. Porém, ao longo do filme, a ausência de um fio condutor e o ritmo lento eventualmente deixaram Asas do Desejo etéreo demais. Infelizmente, em virtude dessa falta de concretude, meu envolvimento com o que estava acontecendo restou comprometido. Ainda assim, há muita beleza e sensibilidade na obra, cujo conteúdo, a meu ver, estaria melhor abrigado em um livro.
O Primeiro Homem
3.6 649 Assista AgoraA chegada do homem à Lua é, sem dúvidas, um feito extraordinário. Talvez por isso, o passo de Neil Armstrong tenda a ser sentido como um momento de grande efusividade. O filme de Damien Chazelle se dedica a desconstruir este sentimento, relembrando os múltiplos fracassos e as dificuldades do projeto. Ainda, o programa espacial angariava antipatia de boa parte da sociedade por seus altos custos. Ryan Gosling entrega um astronauta contido em suas emoções e burocrático em seu trabalho, representação distante da do heroi americano que costuma lhe caber. A meu ver, há mesmo a sugestão de que esteja com depressão, desencadeada por um fato do passado que sempre lhe retorna à mente.
Ainda que eu tenha compreendido a intenção, a estéril narrativa torna o filme de difícil conexão com o protagonista e, consequentemente, enfadonho. As atuações são boas, a direção também, mas faltou coração.
O Homem Que Não Estava Lá
4.0 229 Assista AgoraNeste filme menos conhecido dos irmãos Coen, Billy Bob Thornton interpreta com competência o lacônico barbeiro Ed Crane, a quem oportunidade de mudar de vida se apresenta. Neste ponto, o filme bem que poderia tomar emprestado de Fargo o subtítulo que a distribuidora brasileira lhe deu: uma comédia de erros. A história, muito bem contada, é desenvolvida a partir das imprevisíveis consequências das escolhas do protagonista.
O filme transmite perfeitamente a personalidade de Ed, alguém que não tem prazer no mundo que o cerca ou na própria vida. Os eventos, que crescem em gravidade, são por ele vividos e narrados sem nenhuma emoção ou análise. Como se fosse um espectador da própria vida, ele permanece impassível diante dos acontecimentos. O homem que não estava lá.