É um excelente filme, com destaque para atuações de todo o elenco, sobretudo para Imelda Staunton. No entanto, se eu pudesse citar um ponto negativo seria a abordagem mal desenvolvida, na segunda parte do filme, da temática central, que é o aborto. Compreendo que é um tema delicado e que provoca muitas discussões, mas é exatamente isso que eu queria ver sendo representado em tela. Queria que o roteiro abordasse com maior profundidade os dilemas éticos pelos quais Vera e toda a sua família passaram porque achei essa parte, em específico, muito apressada. Dito isso, é um ótimo filme e merece ser visto para ajudar a refletir sobre o assunto.
Queria ter gostado mais do filme a ponto de poder dar uma nota maior, mas infelizmente não posso avaliar aquilo que não consegui ver. E olha que tentei duas vezes, mas dormi em ambas. É uma pena, porque a temática é de extrema relevância social, fala sobre colorismo e passabilidade branca. Eu já vi inúmeros filmes que tratam sobre o racismo sob os mais diversos ângulos, mas nenhum que falasse sobre essa temática em especial e sob este ângulo.
É preciso elogiar quatro coisas. A primeira dela são os diálogos extremamente fortes e afiados feito facas. O racismo velado e muitas vezes explícito se mostra em olhares enviesados e palavras duras ditas de forma natural por pessoas brancas que parecem sentir prazer em serem racistas. É uma forma de racismo recreativo que embrulha o estômago e causa desconforto não somente na protagonista, mas também em nós mesmos. Há muita coisa presente também no que não é dito e aquilo que se pode ler através de metáforas visuais, como na cena inicial onde Irene vê, com horror, um homem passando mal em plena rua, sob os olhares inertes dos transeuntes.
Outro destaque são o design de produção e a fotografia. Impecáveis. O visual de época retrata de uma maneira muito crua todo o charme e o glamour da Nova York dos anos 1920, ao mesmo tempo em que ressalta a hipocrisia da alta sociedade daquela época, majoritariamente branca. A fotografia em preto e branco também foi uma boa escolha. Sob ela, as duas protagonistas, Irene e Clare realmente parecem mulheres brancas. Uma construção visual interessante do conceito de passabilidade branca, explicada da forma mais didática possível.
O último ponto positivo são as atuações de Tessa Thompson (Irene) e Ruth Negga (Clare). As duas mulheres de pele clara que se encontram casualmente em um lugar chique de Chicago e passam a exercer um papel crucial uma na vida da outra. Muito interessante notar que apesar de dividirem a mesma cor de pele, as duas são muito diferentes. Irene parece mais consciente da sua cor e da sua origem e sabe que o fato de ser uma mulher negra, ainda que de pele clara, é um fator responsável por lhe fechar inúmeras portas em uma sociedade extremamente racista. Quando ela sai do Harlem e passa a frequentar os lugares que as pessoas brancas costumam ir, percebe os olhares tortos de quem se incomoda com sua presença. Clare, por outro lado, parece realmente acreditar que é uma mulher branca. Ela namora um homem branco que diz os maiores impropérios racistas na sua frente e ela se mostra incapaz de repreendê-lo. Essa cena é uma das mais embaraçosas.
Por outro lado, essas duas mulheres se mostram extremamente complexas. Irene, que inicialmente julga a amiga de infância por suas atitudes, acaba tomando outras igualmente parecidas, ainda que inconscientemente. A relação estranha com a empregada, uma mulher negra de pele retinta é um grande exemplo disso. Clare, por sua vez, se apresenta em inúmeros momentos como uma mulher insegura, que usa da sua passabilidade para ser aceita. E quem poderia julgá-las? A grande mensagem que fica é que o racismo também age de modo a colonizar a mente de mulheres e homens pretos, a ponto de nós mesmos nos acharmos inferiores às pessoas brancas. E essa não uma culpa nossa, mas das estruturas sociais racistas que veiculam na mídia e na cultura essa ideia de superioridade branca.
Mas este filme, embora tenha uma mensagem original e poderosa, tem problemas gigantes. Acho o primeiro ato arrastado em demasia. Na verdade, eu vejo que há bolsões na narrativa onde nada de muito relevante acontece e a trama vai caindo em um tédio arrebatador. E no momento em que somos tragados de volta pela força dos diálogos, muito bem construídos por sinal, somos novamente repelidos por essas situações que não nos trazem nada de novo. É um roteiro muito irregular, uma montanha-russa de momentos brilhantes e outros de puro nada. Uma pena, queria ter gostado mais.
Esse é um daqueles filmes que fazem tudo perfeitamente... Até chegar no final. Eu estava completamente envolvido com a história das duas protagonistas, interpretadas com brilhantismo por Ana Taylor Joy e Thomasin McKenzie, e esperava ansiosamente que aquela trama tivesse um desfecho digno da obra, mas me decepcionei muitíssimo. O filme estava em uma crescente. Inicialmente eu imaginei que ele valorizasse a nostalgia de uma maneira delicada e poética, e pudesse me causar esse sentimento de pertencimento a um passado distante que não tive a oportunidade de vivenciar.
Mas a narrativa foi tomando outros contornos e se tornando cada vez mais densa, à medida em que Eloise, interpretada por McKenzie, vai se tornando cada vez mais obcecada por uma cantora enigmática dos anos 1960 (Taylor Joy). Ela percebe que tem a capacidade de voltar ao passado através dos sonhos, mas à medida em que a trama avança, essa divisão entre passado e presente, sonho e realidade, vai se tornando cada vez mais fluída e isso é magistralmente representado pela técnica de edição e design de produção que confunde o expetador e nos leva direto para dentro da mente de Eloise.
São cenas em que Eloise se olha no espelho e vê Sandie. Ou acorda com uma marca de beijo no pescoço após uma noite de sonho na qual era Sandie quem estava sendo beijada. Logo notamos que há uma conexão entre elas. E o roteiro vai jogando pistas muito convincentes sobre nossas teorias. O longa tem como referência clara "Repulsa ao Sexo", um dos melhores trabalhos de Roman Polanski. São várias as cenas que Sandie é apontada como uma vítima de abusos sexuais ou precisa vender o próprio corpo para conseguir conquistar o que almeja: se tornar uma grande cantora. E o desconforto de Eloise perto de figuras masculinas também é evidente. Imaginamos que, como tem sido a tônica dos filmes de terror dos últimos anos, os traumas psicológicos da protagonista servissem de trampolim para apresentar monstros e psicopatas reais. Mas não é o que acontece aqui. Temos uma primeira grande falha.
O filme dá a entender o tempo inteiro que a conexão entre as duas se dá porque ambas foram abusadas sexualmente, abrindo um espaço para discutir essa questão dentro da temática de um filme de terror. Mas o fato é que o diretor joga tudo isso no ralo em um plot twist decepcionante diante de um filme que conseguiu prender nossa atenção até o último instante. Chega a cena final e você se pergunta: "É só isso?". É como se ele tivesse apresentado um grande trabalho para, nos minutos finais, entregar algo digno de uma nota 6. Aquele plot twist no final: outra grande falha.
Mas é preciso elogiar a qualidade técnica desse filme, que é algo surreal de tão bom! A fotografia brinca com outros elementos cênicos, como letreiros antigos que dispersam uma luz neon dentro do quarto de várias cores. Lembra muito os melhores giallos italianos, como o clássico "Suspiria". O vermelho aliás, está presente em toda a obra: nas ruas do Soho e dentro do quarto da moça onde seus piores pesadelos viram realidade. A cor gera esse clima permanente de tensão, angústia e claustrofobia. Também há muito sangue e cenas nas quais Sandie emula uma Carrie mais psicopata e menos sobrenatural. Mas também há espaço para criaturas sobrenaturais: fantasmas que perseguem nossa heroína em todos os lugares: nas ruas do Soho, no quarto, na biblioteca. Cenas cheias de efeitos especiais que lembram muito "A noite dos mortos vivos". A trilha sonora também é outro espetáculo, destacando sucessos dos anos 1960.
Quanto às atuações e o desenvolvimento dos personagens: as duas protagonistas estão excelentes, mas acho que McKenzie consegue se sobressair porque tem mais tempo de tela e mais cenas que demandam sua energia interpretativa. É angustiante vê-la se deteriorando mentalmente cada vez mais ao passo em que ela é atormentada por fantasmas do passado e psicopatas que só ela vê. As visões de Eloise vão ficando cada vez mais fortes ao longo do filme, enquanto, "no mundo real" a personagem vai tomando atitudes cada vez mais preocupantes, como perseguir seus colegas com facas. Aliás, é preciso dizer que os demais personagens são meros acessórios aqui, com exceção do par romântico de Eloise, o que considero outro grande erro.
Em resumo, Noite Passada em Soho consegue ser um excelente filme até os minutos finais, nos quais o diretor muda a rota para um caminho diametralmente oposto, algo qque empobrece bastante a narrativa e deixa aquele gostinho de poderia ter sido melhor.
Vejo que muita gente parece não ter gostado da atmosfera camp desse filme, mas achei proposital essa escolha de tônica por parte do diretor, já que Tammy Faye era muito cafona, e tudo o que envolvia os telecultos nos anos 1980 e 1990 era cafona. Dito isso, confesso que fiquei encantado com a fotografia, a trilha sonora oitentista que gruda na cabeça, a maquiagem, o trabalho de caracterização, os cenários espalhafatosos e o figurino brega, principalmente da protagonista, que em algumas cenas aparece irreconhecível.
É um filme feito para reverenciar o talento de Jessica Chastain, sem dúvidas, e se ela não receber essa indicação à melhor atriz no OSCAR, será uma tremenda injustiça. A personagem dela é uma das mais complexas que já vi nos últimos anos. Ela consegue transitar muito bem da ingenuidade para a amargura, e um misto de resiliência e resignação, por aguentar estar presa em um casamento sem amor apenas para manter as aparências, ou talvez para se manter fiel aos seus ideais. Ela é uma crente muito convicta e achei respeitosa a forma como o roteiro aborda a fé dela sem julgá-la, deixando isso a cargo do expectador. Em muitos momentos é impossível não simpatizar com sua figura, pois parece haver muita compaixão dentro de si e um genuíno sentimento cristão, que afloram em momentos inusitados, como na sua inesperada ligação com o movimento LGBTQ.
Se essa romantização (ou seria melhor dizer uma justiça à imagem de uma figura controversa na história recente dos EUA) pode ser comprada em relação à Tammy Faye, o mesmo não pode se dizer de seu marido. Quem conhece a história real antes de assistir ao filme, sabe que ele cometeu inúmeros crimes graves, relacionados à corrupção, tráfico de influência, charlatanismo, subornos e relações extraconjugais com mulheres e homens, embora aparecesse na TV buscando dar exemplo de marido comprometido com os valores de uma família tradicional cristã. A cena em que ele aparece chorando na prisão junto à Tammy Faye poderia até comover um desavisado, mas não quem sabe que a personalidade dele está muito mais ligada à alguém sem escrúpulos e sem remorso alguém do que um fariseu arrependido. Jim Baker continua na televisão enganando os fiéis vendendo supostas curas milagrosas para a covid e isso simplesmente foi varrido para debaixo do tapete. Queria ter visto também uma discussão mais responsável sobre a influência dos telecultos não só no campo religioso, como também no campo político, produzindo resultados nefastos nesta seara. Mas novamente, isso é deixado de lado em prol de uma narrativa que foca em momentos sem importância.
O filme também sofre do mesmo marasmo narrativo que afetou "Casa Gucci". Aliás é importante destacar que ambos os filmes compartilham de muitos erros bizarros em comum, como na própria escolha de gênero que, nos dois, não parece estar muito clara. O segundo ato deste filme vai se arrastando de uma maneira muita lenta e o diretor parece não ter controle sobre o roteiro enquanto a história vai tangenciando para outras narrativas que nada têm a ver com o foco principal. As cenas finais me lembraram um pouco o que o Ryan Murphy costuma fazer com as suas séries: o filme deveria ter terminado em uma determinada cena, mas há uma barriga enorme depois dessa cena, a meu ver, sem necessidade alguma. O roteiro quis alongar as consequências do fracasso do casal com cenas completamente desnecessárias, como aquelas em que Tammy vai buscar emprego na televisão ou repele um grupo de adolescentes que zomba de sua aparência.
Mas há pontos muito positivos, como falei logo no início. Toda a parte técnica do filme é um deleite para os olhos, mas eu destaco as cenas musicais que são absolutamente cativantes, em especial, a cena musical final, que além de ser muito bonita visualmente, ainda consegue fazer uma crítica muito sutil aos Estados Unidos e sua hipocrisia disfarçada na religiosidade. Seria tão bom se o filme inteiro tivesse seguido esse padrão visto na cena final!
Queria ter me conectado mais com esse filme porque, a princípio, um longa dirigido por Ridley Scott e estrelado pelo mais alto escalão de estrelas de Hollywood não teria como dar errado. Mas deu muito errado. O filme todo é muito confuso, não se sabe bem qual a verdadeira história que o roteiro quer nos passar. Isso é fruto do ziguezague de gêneros pelos quais a trama passa sem se aprofundar em nenhum. Hora "Casa Gucci" pretende ser um camp satírico, mesclando humor e uma crítica suave ao estilo de vida da burguesia italiana, hora pretende ser um drama policial, hora pretende ser um drama familiar. E falha em todos eles.
Creio que o diretor se perdeu muito no emaranhado de histórias que envolvem a família Gucci, como os inúmeros casos de corrupção, além, é claro da própria trama do assassinato de Maurizio que deveria estar em primeiro plano, mas é colocada de lado enquanto o diretor tenta explorar essas tramas secundárias. Eu acho que esse filme contaria uma história melhor se fosse uma série. Fiquei curioso para entender o que fez Maurizio Gucci perder a direção da própria empresa e Paolo e o pai dele serem presos e perderem tudo, porque, infelizmente, o filme não mostra. Ou pelo menos não mostra com a devida profundidade.
Há erros gritantes de montagem e edição. O filme começa com um ritmo frenético, e um emaranhado de cenas curtas que não dão ao expectador a oportunidade de se conectar com os personagens e as histórias que estão sendo contadas, para depois cair em um ritmo modorrento que faz você olhar para o relógio o tempo todo rezando para que tudo aquilo acabe.
E o que falar das atuações? A meu ver, só duas performances se destacam: Lady Gaga, na pele de Lady Gucci e Al Pacino, vivendo Aldo Gucci. A Lady Gaga conseguiu criar uma Patrizia Gucci muito próxima da verdadeira, em todos os seus trejeitos, falas e modo de se comportar. Esse também é p primeiro personagem dela que eu olho e não penso que ela é a Lady Gaga, mas sim, a personagem que ela está tentando nos vender. Aldo Gucci tem várias cenas muito boas, com os melhores diálogos de toda a trama, e convenhamos que entregar uma boa atuação ao lado de um canastrão feito o personagem do Jared Leto é uma coisa que só mestres do cinema são capazes de fazer.
Aliás, que atuação horrorosa a do Jared Leto! Tudo no personagem dele é muito ruim e de extremo mal gosto: desde a caracterização de quinta categoria até aqueles trejeitos dignos de personagens toscos de filmes medianos da Sessão da Tarde. A atuação dele está completamente fora do tom do restante do elenco, e se a intenção do diretor era transformá-lo em um alívio cômico, devo dizer que ele conseguiu, mas muito provavelmente não da maneira como ele queria, porque rimos do personagem pela vergonha alheia que sentimos.
Adam Driver é um caso a parte. Ele começa muito tímido e tem uma cena, logo no comecinho do filme, onde há um embate entre ele e o pai por causa do relacionamento dele com Patrizia. Existia uma recusa por parte do senhor Gucci em aceitar aquela relação por causa da diferença de classes sociais entre os dois, no que ele acreditava que Patrizia estava se aproximando de seu filho apenas por interesse. O jeito como ele confrontou o pai não me convenceu e a atuação dele estava muito mais próxima de um Edward Cullen em Crepúsculo do que a de Kylo Ren apaixonado. Mas depois ele vai se soltando e entregando um bom trabalho. Uma cena que eu destaco é de uma discussão entre ele e Patrizia, evidenciando um desgaste no casamento, um dos poucos pontos marcantes do filme.
Casa Gucci consegue ser muito bom, no entanto, em relação ao figurino de época, ao cabelo e maquiagem, especialmente a de Lady Gaga que está deslumbrante. Também curto muito a trilha sonora, embora ainda acredito que algumas canções poderiam ter sido tocadas em outros momentos (como na cena do casamento, onde aquela canção não "casou" muito com o que estava sendo retratado em cena). De resto, esse filme é uma das minhas maiores decepções neste ano de 2021.
Eu realmente não imaginava que pudesse gostar tanto desse filme, mas o fato é que foram duas horas e meia que passaram voando. Me senti completamente envolvido com a história do Ken Miles, a ponto de me emocionar várias vezes ao longo do filme, especialmente nas cenas finais. Isso é mérito do roteiro que soube trabalhar muitíssimo bem com a narrativa familiar do automobilista, e também, como não poderia deixar de ser, da atuação do Bale. Matt Damon também não fica atrás e consegue entregar uma de suas melhores performances, arrisco dizer, desde o seu papel em "The Martian". Outro ponto alto são as cenas de corrida, montadas de um modo tão único e cativante, que até quem não é fã de automobilismo é capaz de se envolver e torcer pelo herói das pistas. Um filme, enfim, me surpreendeu de maneira muito positiva e merecidamente foi honrado na cerimônia do OSCAR.
Acho que esse filme é tudo o que "Não olhe para cima" tenta ser mas não consegue. O roteiro consegue trabalhar muito bem todas as subtramas e todos os personagens (até mesmo por conta da quantidade reduzida deles). Dá para entender as motivações e as histórias por trás dos homens de negócio de Wall Street, e até simpatizar com alguns deles. Quanto à trama em si, acho que o McKay tenta a todo custo simplificar os jargões típicos de quem faz parte do mercado financeiro, através de recursos como verbetes que são adicionados à tela, explicando os termos de maneira divertida e informal, e cenas nas quais há a quebra da quarta parede e o personagem conversa diretamente conosco. As infelizmente acho que ele falha em tentar explicar a complexidade da coisa, deixando o longa em alguns momentos, maçante. Esse filme também tem virtudes muito grandes acerca da direção, tanto de elenco (é preciso dizer que as atuações estão sensacionais, em especial a de Steve Carell), quanto de montagem e edição (que privilegia cortes curtos e cenas menos contemplativas, o que ajuda a dar rapidez e agilidade à trama). De resto, acho que a importância desse filme se faz na sua crítica ferrenha ao sistema financeiro, ao "Deus mercado" que privilegia o lucro ao invés da vida (lembra muito nosso tempo pandêmico, não?) e leva à miséria milhares de pessoas. Nota de observação: Brad Pitt estar usando máscara e álcool gel em um filme de 2016 foi uma distopia acidental que nem o McKay conseguiria pensar!
è um filme muito belo sobre perdas, memórias, amadurecimento e crescimento pessoal. è também uma metalinguagem doce e poderosa sobre a importância do cinema em nossas vidas, como escape de uma realidade cruel e assustadora. o personagem central é um moço muito jovem que têm de lidar com problemas de gente adulta de maneira abrupta e consegue sair dessa realidade através de seus sonhos. a história pesa ainda mais quando nos damos conta de que é um dama autobiográfico. gostei do tom que o roteiro dá à narrativa também, mesclando um drama com comédia e algumas cenas de inspiração claramente neo surrealistas. o resultado final, ao menos para mim, é um filme que conseguiu me envolver apesar de sua longa duração e de um amontoado de coisas desconexas, que no final, passam a fazer um pouco mais de sentido.
Infelizmente não consegui me conectar a esse documentário, o que é uma pena, porque gosto bastante da premissa dele, que é um debate importantíssimo para toda a sociedade. Admiro também a coragem dos homens que ousaram se expor e contar uma parte tão delicada de suas vidas. Nos instantes finais, o documentário vai ficando mais emocionante, mas de resto peca bastante em contar uma história que despertasse meu interesse.
Dirigido por Lin Manuel Bandeira, o longa conta a história biográfica de Jonathan Larson, lendario compositor do musical "Rent" da Brodway. Esse filme me surpreendeu bastante pela qualidade técnica, pelas atuações, em especial a de Andrew Garfield, e claro, pelos números musicais muito bem compostos e que conseguem ficar na cabeça durante dias. Andrew Garfield se entregou de corpo e alma nesse personagem, um musicista e ator de teatro prestes a completar 30 anos em 1990, e que vive uma crise existencial típica da idade por ainda não ter se destacado como a grande estrela da Brodway que sonhava em ser. Em vários momentos Andrew consegue nos emocionar vivendo esse personagem sonhador e ambicioso. Jonathan é um desses artistas que fazem de tudo pela arte. Ele vive quebrado, mas não tem coragem de se vender para o mercado publicitário ou trabalhar em um emprego que não gosta só pelo dinheiro. Ele é um artista que realmente acredita no próprio talento e isso é admirável. Mesmo quando seu amigo lhe oferece uma grande oportunidade de emprego, ele recua ao ver que não vale a pena vender os seus próprios ideais, mesmo que seja para pagar algumas contas atrasadas. A forma como Andrew interpreta esse personagem é extremamente cativante e envolvente. Você se vê transposto na tela porque também teve sonhos, também tem a sensação de que o tempo está passando e você ainda não os realizou. A catarse é intensificada pelas canções que conseguem fazer uma ligação muito forte com a vida de Jon. É um musical dentro de um musical muito bem dirigido e interpretado, com canções que vão do improviso, passando pelo jazz e chegando a um rap bem noventista. 1990 também foi um ano marcado pela pandemia de AIDS que assolou o mundo, em especial a comunidade LGBT, e marcou profundamente a vida de Jon Larsson, que teve vários de seus amigos mortos pela doença. O seu melhor amigo, aliás, também contraiu a doença, razão pela qual abandonou os palcos para se envolver com o mundo dos negócios de Wall Strett. Nesse ponto, é importante abrir um parênteses para elogiar a inserção de MJ Rodriguez, a Blanca de "Pose", que faz um link muito bem feito com o assunto, principalmente por já ter trabalhado em uma série que trata sobre o HIV de forma bastante séria e responsável. Outra atuação que merece destaque é a de Robin de Jesus, que interpreta o melhor amigo de Jon e garante algumas das cenas mais tocantes. A parte técnica também se destaca muito positivamente: a fotografia e o trabalho de direção de arte conseguem nos transportar com fidelidade para o universo dos anos 1990. Algumas cenas inclusive emulam um documentário amador gravado pelo próprio Larsson, fato que ajuda muito a tornar a narrativa bem próxima da realidade. Infelizmente, um incidente trágico impediu o diretor de ver seu trabalho sendo reconhecido, mas isso quase não é explorado no filme que prefere seguir a narrativa típica da jornada do herói e acerta bastante. O resultado final é um filme lindo, envolvente, emocionante e certamente um dos que eu irei indicar aos meus amigos e torcer para que seja lembrado na cerimônia do Oscar!
Quais adjetivos usar quando todos os outros parecem ser insuficientes para qualificar o que estamos vendo? Pedro Almodóvar é um dos maiores e mais consagrados diretores de língua espanhola do mundo. Sua vasta filmografia dispensa apresentações. Vai desde o humor escrachado de "Mulheres à beira de um ataque de nervos", até um drama sentimentalista em "Tudo sobre minha mãe". O diretor espanhol sabe transitar da comédia para o drama de forma única e ousada. Sua obra inspirou-se e serviu de inspiração para as telenovelas latino-americanas. Quem assiste qualquer filme dele consegue se identificar nas histórias que estão sendo retratadas porque há muita latinidade, um pouco de novela das 9 à la Manuel Carlos e um pouco de lirismo ibérico. Este filme em especial é mais uma reunião de tudo aquilo que esperamos ver em um filme do Almodóvar. Centrado na história de duas mulheres que se conhecem no hospital, prestes a dar à luz às suas filhas (sendo uma personagem a fotógrafa interpretada por Penélope Cruz e outra, a filha de uma famosa atriz de teatro, interpretada por Milena Smit), o drama acompanha as duas personagens ao longo de toda a narrativa até que um clichê típico de novela brasileira surge e já imaginamos a que rumos o roteiro pode nos levar. Uma trama que repete muitos clichês nunca é agradável, ainda mais para quem está acostumado com o jeito de contar histórias do cineasta espanhol. Mas aqui entra a genialidade de Almodóvar: ele consegue sair dessa armadilha que ele mesmo criou e ainda nos surpreende com um plot twist emocionante. E quando a história parece caminhar para uma direção, há novamente outra reviravolta digna de novela e somos levados a diferentes situações e outras subtramas que se desenrolam de maneira muito coesa à narrativa central. As atuações são certamente o ponto de destaque da película: Penélope Cruz está radiante e certamente receberia uma indicação ao Oscar de melhor atriz se pertencesse ao panteão de Hollywood. Milena Smit também é outro talento promissor: ela interpreta uma jovem mãe que amadurece a partir da maternidade. Um subtexto importante da trama é a questão da ancestralidade, da importância de buscar as raízes e o ponto de partida, além da valorização da família como o ente que acolhe, que protege e que dá vida. Essa necessidade de resgatar o passado se mostra mais importante nas cenas em que o arqueólogo com quem a protagonista mantém um romance visita a aldeia onda ela viveu durante a infância, em busca de vestígios que resgatem fragmentos físicos da ditadura franquista que suprimiu direitos políticos e torturou milhares de inocentes. São temas que já estiveram em outros trabalhos de Almodóvar, como no recente "Dor e Glória" e ressurgem aqui de maneira mais límpida, com diálogos que remetem mais explicitamente a esse período nebuloso da Espanha. Quanto aos detalhes técnicos, outra vez a perspicácia do diretor castelhano se exibe em cores, detalhes e metáforas visuais impactantes. A todo momento, a protagonista mostra as fotos da mãe, da avó e dos outros familiares na parede, numa clara referência ao subtexto de valorização do núcleo familiar já mencionado. As cores vibrantes de outros trabalhos do diretor dão vez às cores mais pastéis e tons terrosos, criando uma atmosfera de acolhimento e aconchego típico de um colo de mãe. O resultado final é um filme que consegue trabalhar temas muito sensíveis de modo acessível, capaz de agradar um público muito variado.
Dirigido por Sian Heder, esse filme é mais um destaque de uma mulher diretora nesse ano de 2021. O longa é uma adaptação de um filme francês, "A família Belier" e conta a história de Ruby, única não deficiente em uma família de pessoas com deficiência auditiva. Seu pai e irmão trabalham como pescadores e sua mãe é dona de casa. Como adolescente, ela precisa lidar com questões como o bullying que sofre por ser filha de PCD's e a irritabilidade que é morar em uma cidade pequena, trabalhar como intérprete para seus pais e seu irmão e o sonho de estudar música em uma faculdade em Boston e se tornar uma grande cantora. Inicialmente eu pensei que esse filme fosse copiar "O som do silêncio" por causa da temática, mas me surpreendi positivamente com o tom adotado pela diretora e roteirista. A comédia parece funcionar muito bem, sobretudo no primeiro ato em que há cenas na qual eles desenvolvem a questão da surdez de maneira leve e bem humorada, envolvendo situações jocosas como um pum. A partir do segundo ato, o filme vai se tornando um drama mais complexo e começamos a entender as motivações da protagonista para além do esteriótipo de uma adolescente que é revoltada com tudo e com todos. A discussão central é como pessoas com deficiência muitas vezes são tratadas como incapazes e "tuteladas" pelos próprios filhos. A personagem Ruby sente essa necessidade de ter sua própria vida e seguir seus próprios sonhos, mas acaba ficando presa a um lugar onde não quer ficar por ser a única pessoa da cidade que sabe falar em linguagem de sinais. O filme levanta ainda essa necessidade de termos uma sociedade adaptada às pessoas com deficiência, mais justa e mais inclusiva. E é o irmão de Ruby quem levanta essa problemática, em uma das cenas mais tocantes do longa. Aliás, precisamos falar do desempenho dos atores: Emília Jones (Ruby) e seu pai na ficção (Frank) interpretado por Troy Kutsur são os dois maiores destaques. Há uma cena em que ela canta para ele e ele, sem poder ouvir, toca o pescoço da filha para sentir as vibrações. É uma das cenas mais bonitas do filme e a primeira vez em que chorei. Meu segundo choro foi na cena de audição para entrar na universidade, na qual, diante de sua família, ela começa a traduzir o que está cantando para a linguagem de sinais. São questões trazidas para dentro do filme de maneira muito madura e responsável, ao mesmo tempo que o filme toma liberdade para inserir elementos típicos de um filme coming of age, como a inserção de um romance juvenil, que poderia levar a história para outro rumo, mas a diretora sabe trabalhar bem para que isso não aconteça. O par romântico formado por Ruby e Miles têm muita química e é muito legal ver os dois juntos, mas Ruby não fica presa na cidade por amar demais o namorado, como ocorreira se a direita quisesse repetir os clichês do gênero. Em resumo, é um filme interessantíssimo e emocionante sobre amor, familia, pertencimento e inclusão, que consegue trabalhar todos esses temas de maneira muito acessível.
Encanto é mais uma animação da Disney cotada para concorrer ao Oscar de Melhor Animação. Ambientada na Colômbia, o longa acompanha a vida de Mirabel Madrigal, única pessoa sem dons em uma família na qual todos os membros possuem algum poder especial e a própria casa onde moram é "encantada". À princípio, pode-se dizer que a narrativa peca ao repetir alguns clichês (a própria trama central já foi abordada de outras maneiras em outras animações da Disney, como o já clássico "Frozen") e esteriótipos envolvendo a Colômbia (que podem ser perdoados porque fazem sentido dentro daquele universo mágico). Tirando alguns desses pontos negativos, o filme consegue entregar um resultado final bastante satisfatório. Elogiar a qualidade técnica das animações do estúdio do Mickey Mouse é chover no molhado. Mas aqui, é admirável o que a equipe de desenhistas conseguiu fazer em relação aos detalhes: cabelos, sinais, pele, dentes e unhas com um nível de perfeccionismo extremo. Os números musicais, assinados por Lin Manuel Miranda (o diretor do ótimo Tick Tick... Boom) também se sobressaem pelas cenas coloridas, pelas letras bem escritas e pelas melodias grudentas (com destaque para We don't talk about Bruno), que homenagem em sua produção a musicalidade latina. A trama central, como já dito, enfantiza a valorização da família e das diferenças, com uma antagonista (a avó da protagonista e matriarca da família Madrigal) que inspira uma série de sentimentos conflitantes no expectador, mas consegue ter um arco de redenção muito bem desenvolvido. A protagonista, Mirabel, é bastante carismática e cria um sentimento de empatia em que vê o longa logo de cara, sem muito esforço. Contudo, por mais que o filme se destaque pelas cenas emocionantes e fofinhas, falta um pouco de consistência na resolução do conflito: tudo acaba de um jeito muito fácil, sem muitas reviravoltas. Nisso, este filme fica muito atrás de animações recentes da Disney, como "Luca". Apesar dos raros pontos negativos, "Encanto" se destaca pelo apelo ao sentimento de pertencimento e à busca pelas nossas raizes e pelo nosso lar.
2021 foi o ano em que pudemos apreciar grandes filmes dirigidos por mulheres. "Eternos" é um blockbuster da Marvel dirigido por Chloe Zhao, de "Nomadland", um dos grandes destaques da temporada de premiações do ano passado. Em "Eternos", ela mostra toda a sua versatilidade para trabalhar com cenas de ação, cheias de CGI e cenas mais dramáticas, em que se sobressaem a força das atuações do elenco e os diálogos muito profundos e cheios de reflexão. Os eternos são, como o próprio nome indica, seres imortais que habitam a terra desde os primórdios da humanidade e são incumbidos de uma missão para tentar salvar a terra do Despertar de um Deus, um ser celestial, que acabaria com o planeta Terra e construiria novas civilizações. É um argumento bem parecido com a saga de Thanos, o que é compreensível, pois se trata de um mesmo universo. Mas sinto que aqui essa história é tratada de forma menos detalhada. Faz um tempo que os filmes da Marvel vêm trazendo uma carga crítica muito forte e nesse filme isso se mostra de vários modos, desde uma cena em que há uma "guerra" entre os colonizadores espanhóis e os povos astecas, e o personagem Druig, interpretado por Barry Keoghan é impedido de intervir, pois se tratava de uma ação humana e os eternos não poderiam interferir naquilo, ao que ele responde que não se tratava de uma guerra e sim, de um genocídio. A crítica social está presente em todo o filme, e o melhor de tudo, não é feita de maneira avulsa, mas é algo inerente à própria narrativa. O grande questionamento colocado é: vale a pena salvar a raça humana da hecatombe sendo que ela própria age para se autodestruir? Partindo para as atuações, é preciso elogiar o trabalho de direção de atores feito por Chloe Zhao: todo o elenco está muito coeso nesse aspecto, com apenas uma atuação que achei fora do tom: Angelina Jolie. A personagem dela, Thena é mal desenvolvida e muitas vezes, colocada em segundo plano. Ela própria não consegue entregar uma atuação que convença, ao menos nos minutos iniciais: vai do teatral a algo "forçado". É uma pena, porque é um atriz que entregou ótimos resultados em outros filmes de ficção científica/fantasia, como é o caso de "Malévola". O restante do elenco composto por Salma Hayek, Kit Harrington, Richard Madden, a protagonista Gemma Chan e até Harry Styles (nas cenas pós créditos) dispensa comentários: estão ótimos. Um destaque muito grande dou ao personagem Ikaris, interpretado por Richard Madden (pausa para dizer que ele é idêntico ao Sebastian Stan). Em determinado ponto, Ikaris passa por uma reviravolta e Richard consegue segurar muito bem a atuação, mostrando um antagonista complexo e cheio de nuances, e acima de tudo, humano, por mais contraditório que isso possa parecer. Elogiar a parte técnica dos longas da Marvel é chover no molhado, mas destaco duas coisas importantes bastante presentes: o controle do CGI (nas cenas de ação ele é utilizado sob medida, nem muito nem pouco) e a reprodução fidelíssima das civilizações antigas (astecas, babilônios, hebreus). Ponto para a equipe de historiadores que ajudaram a embasar o filme nesse aspecto. Mas o filme também tem pontos muito negativos e, alguns deles, bem grandes. Acredito que o roteiro desenvolve muito mal os personagens, dando pouca oportunidade para que possamos criar empatia com eles. O único que foge a essa regra é o Phastos, que tem uma subtrama interessante de ter uma família com outro homem, e ter de abandona-la para salvar a humanidade. Isso faz com que muitas pontas soltas surjam e nos perguntemos qual a necessidade daquele determinado personagem em cena. Outro ponto que me incomodou bastante foi a linha temporal. Entendi que a diretora não quis seguir uma ordem cronológica dos acontecimentos, mas há um defeito em relação a montagem: algumas cenas carecem de uma boa transição para outras cenas e nos perguntamos quando aqueles fatos aconteceram. Em resumo: Eternos é um bom filme nos padrões da Marvel, mas dentro da filmografia de Cloe Zhao aparece como uma peça irregular e destoante.
Possível representante da Noruega ao Oscar, "A pior pessoa do mundo" é dirigido por Joachim Trier, e basicamente narra a história de uma traição e as consequências disso para à vida da protagonista. Apesar de parecer algo aparentemente simples, o roteiro consegue trabalhar com essa e outras temáticas de forma muito poética, e através de suas múltiplas camadas, abrir um punhado de discussões interessantes. A personagem principal, Julie, vivida brilhantemente por Renate Reinsve, é uma millenaial típica que, após largar 3 faculdades, conhece o cara que ela acreditava ser o "amor da sua vida". Mas o relacionamento se desgasta e ela o trai com outro rapaz em uma festa qualquer. A partir daí, ela resolve terminar o relacionamento com Askel para viver um romance com Eivind, interpretado por Herbert Nordrum. O roteiro consegue trabalhar muito bem essa questão da traição como uma possível consequência trágica para a protagonista, que passa a sofrer algumas coisas bem tristes após o término com Askel. Julie parece ser uma mulher que ainda não se encontrou na vida, não sabe com o que quer trabalhar e ainda tem questões familiares a tratar, especialmente com seu pai ausente. Esse aspecto da personagem fica bastante evidente na conversa de término que ela teve com Askel, na qual ele afirmou que ela estava abandonando aquele relacionamento porque projetava nele a figura paterna que ela não teve. E isso realmente vêm a tona como uma ferida não cicatrizada: Julie é incapaz de estabelecer vínculos duradouros com alguém por ter sido rejeitada pelo próprio pai. Ela cria, subconscientemente, um bloqueio em relação a outras pessoas e isso é mostrado em algumas cenas que evidenciam a falta de traquejo dela com crianças e a sua recusa em se tornar mãe, ao menos naquele momento. Isso acaba gerando fagulhas no relacionamento dela com Askel, que, no auge dos seus 40 e poucos anos, sente que não tem mais muito tempo a perder. Essa personalidade mais equiva da protagonista se mostra novamente na cena de término dos dois. Askel dá a entender que ela tem dificuldades para enxergar a realidade das coisas e foge quando algo dá errado, sem ao menos se preocupar em tentar consertar o que está quebrado antes de terminar tudo. Isso inclusive é um dos motivos pelos quais ela nunca encontrou uma carreira que lhe coubesse. E no relacionamento com Eivind ela repete os mesmos erros: após a fase da paixão acabar, a relação entra em um modo automático e ela passa a enxergar os defeitos do parceiro de forma ampliada. E uma gravidez acidental é o motivo pelo qual os dois rompem o namoro, já que ele não quer ser pai, mas ela quer levar a gravidez adiante. O terceiro ato se inicia com a revelação de uma notícia trágica para Askel que o reaproxima de sua antiga esposa. Aqui temos as cenas mais densas e mais carregadas sentimentalmente de toda trama, com um grande destque de atuação dos dois protagonistas. Askel se dá a oportunidade de reavaliar seu relacionamento com Julie em monólogos bastante envolventes e emocionantes. Ela o observa muitas vezes calada, mas pela sua expressão facial, notamos que ela está refletindo sobre as palavras ditas pelo seu ex. Aliás, é importante destacar a atuação de Renate Reinsve, que faz um belíssimo trabalho com sua atuação low, mais contida e mais reservada, mas que consegue passar uma gama de emoções facilmente sentidas pelo expectador. Mérito do diretor também, que faz um trabalho excelente com todo elenco ao escolher um tom de atuação que dê conta de tratar de temas sensíveis sem ser excessivamente melodramático. Mesmo nas cenas mais tocantes, em que Joachim Trier poderia ter escolhido a pieguice, se sobressai uma drama de altíssimo nível, sem apelações. A forma de contar a história também é interessantíssima: dividida em capítulos, há uma progressão lógica dos eventos que criam uma narrativa coesa, que prende o expectador do começo ao fim. Os títulos dos capítulos apresentam mini spoilers, que, longe de nos afastar, nos aproxima mais e mais da trama, criando um clima de curiosidade para ver o que está por vir. Outro destaque importante são as cenas de efeitos especiais e as metáforas nelas contidas. Tanta coisa que eu poderia escrever outro artigo só falando delas. Novamente, tudo isso é mérito da direção certeira de Joachim Trier. A trilha sonora é outro espetáculo: o filme termina com uma verdão em inglês de "águas de março". Belíssimo! Quanto as temáticas abordadas, este filme traz à tona, de maneira implícita, as discussões sobre monogamia: toda a história do filme simplesmente não aconteceria se o casal inicial fosse não monogâmico. Evitaria um monte de problemas se Julie aceitasse que amor e desejo sexual são coisas diferentes e muitas vezes, podem não andar lado a lado.
2021 parece ter sido o ano de Lin Manuel Miranda e In the Heights é mais um filme que conta com a produção dele. O longa narra a história de um jovem dominicano, Usnavi, interpretado por Anthony Ramos, que trabalha em uma mercearia no bairro de Washington Heights, tradicional reduto da comunidade hispano hablante de Nova York, e tem o sonho de juntar dinheiro para retornar ao seu país de origem. É um musical muito colorido, vibrante e que a todo instante exalta a cultura latina. Mas é também um filme cheio de problemas. Admito que fui assistir a esse filme com a expectativa lá em cima, porque Lin Manuel Bandeira, o produtor do filme, dirigiu "Tick Tick Boom", um dos meus preferidos do ano passado. Mas me decepcionei muitíssimo, em primeiro lugar com o pouco refinamento dado à construção dos personagens. A cena inicial é uma música enorme, que mistura rap e salsa e trata de apresentar os personagens. É a única vez no filme que somos apresentados às suas histórias e isso é feito de forma rasa. Não conseguimos nos conectar aos personagens e suas tramas e isso dura mais ou menos até a metade do longa. Quando, enfim, somos fisgados emocionalmente, com um grande número musical da abuelita e sua história de como ela chegou aos EUA, enfrentando muitas dificuldades, já é tarde demais e estamos completamente desinteressados. Outros problemas que se somam a esse são as atuações muito superficiais e o par romântico formado pelos protagonistas que simplesmente não têm química. O par secundário, formado por uma jovem estudante de Stanford e um policial, têm muito mais carisma e consegue engajar bem mais o expectador. Até os números musicais deles são infinitamente melhores. Falando nisso, achei equivocada a escolha do rap para compor o repertório musical do protagonista. As músicas são maçantes, e nem parecem ter sido compostas pelo cara que fez "Hamilton", "Encanto" e o já citado "Tick Tick Boom". Aliás, a comparação com o filme que conta a história de Jon Larsson é inevitável, pendendo negativamente para "In the Heights". Mas nem tudo são espinhos: há números musicais belissimos visualmente e muito bem compostos, como a já citada canção da abuelita, a cena em que eles cantam na piscina e a cena de "Carnaval de Rua", que exalta com muito orgulho toda a história, a cultura e as tradições dos povos latino-americanos, que externam todo seu patriotismo ostentando suas bandeiras. O resultado final é um filme que consegue agradar muito esteticamente e apresentar ao público raros momentos de emoção, mas que se perdem no marasmo dos seus 140 minutos de exibição e do pouco interesse em contar uma história realmente envolvente.
Dirigido por Mike Mills, esse filme é mais uma grande aposta para a temporada de premiações, contando com a atuação do premiado Joaquin Phoenix. O longa narra, ora em tom de documentário, ora em tom de drama, a trajetória de um jornalista famoso dos Estados Unidos que está entrevistando, país afora, um grupo de crianças, fazendo-lhes perguntas sobre o futuro a serem registradas posteriormente em um documentário. À tiracolo, ele leva seu sobrinho para as gravações: uma criança bastante inteligente para a sua idade e que já vivencia alguns dramas de gente grande. O filme gira em torno dessa relação entre tio e sobrinho que vai se construindo. Inicialmente de modo tímido e acabrunhado, o personagem de Joaquin Phoenix parece não levar muito jeito para cuidar de crianças, mas aos poucos, vai criando uma relação de amizade muito bonita com o sobrinho. A criança, por sua vez, enfrenta um drama familiar que parece ter sido causado pelo tio. Mas a trama explora muito pouco essa questão, deixando no ar algumas perguntas que não foram respondidas. O foco são os momentos delicados de companheirismo entre os dois. Nesse interim, crianças aparecem na tela falando sobre suas perspectivas de futuro. E essas inserções são muito bem feitas, com falas que não parecem ter sido ensaiadas, o que dá um ar de espontaneidade e leveza muito grande à narrativa. O próprio Woody Norman, um jovem e promissor talento, consegue desempenhar seu papel de maneira emocionante e cativante. Ele é uma criança muito inteligente e com colocações muito perspicazes sobre a vida. Joaquin Phoenix, interpretando Johnny, também faz um belo trabalho, em uma atuação contida, mas cheia de nuances. Quanto à técnica, é importante destacar a bela fotografia em preto e branco, que consegue dialogar muito bem com as emoções transmitidas em tela. Mas é a força do roteiro, que cria situações emocionantes a todo momento e dos diálogos densos que refletem sobre família, amizade, saudade, angústias a alegrias que torna esse filme tão especial. C'mon C'mon é um chamado para aceitarmos nossas imperfeições, perdoarmos e seguirmos em frente. Porque a vida não para.
Filme com temática datada, esteritipos forçados e cenas de ação muito fraquinhas. Não sei o que faz na lista de 1001 filmes pra ver antes de morrer. Completamente esquecível.
Mãe Só Há Uma
3.5 407 Assista AgoraMas será possível que eles não tinham nenhum pesquisador pra ajudar a montar o roteiro desse filme não?
Procedimentos todos errados, desde o uso das algemas até a abordagem feita pela equipe de assistência social e psicologia. ]
Isso sem contar as atuações sofríveis.
Péssimo
O Segredo de Vera Drake
3.9 87 Assista AgoraÉ um excelente filme, com destaque para atuações de todo o elenco, sobretudo para Imelda Staunton. No entanto, se eu pudesse citar um ponto negativo seria a abordagem mal desenvolvida, na segunda parte do filme, da temática central, que é o aborto. Compreendo que é um tema delicado e que provoca muitas discussões, mas é exatamente isso que eu queria ver sendo representado em tela. Queria que o roteiro abordasse com maior profundidade os dilemas éticos pelos quais Vera e toda a sua família passaram porque achei essa parte, em específico, muito apressada. Dito isso, é um ótimo filme e merece ser visto para ajudar a refletir sobre o assunto.
Music
2.2 42 Assista AgoraAi eu achei tão bobo, achei tão sem graça, achei tão batido na verdade...
Mamma Mia! O Filme
3.6 1,8K Assista AgoraEnfim, é uma patacoada sem tamanho. Coisa que não incomoda quando a patacoada tem uma lógica interna...
Como Ser Solteira
3.3 486 Assista Agora"Ninguém leva a sério, mas todo mundo ama porque dá uma baita exposição. Como marketing e relações públicas é excelente"
A Vida é Bela
4.5 2,7K Assista AgoraMas, do meu ponto de vista pessoal, eu vou dizer: É uma obra prima!
Licorice Pizza
3.5 597Mas que visão artística!
Identidade
3.4 102 Assista AgoraQueria ter gostado mais do filme a ponto de poder dar uma nota maior, mas infelizmente não posso avaliar aquilo que não consegui ver. E olha que tentei duas vezes, mas dormi em ambas. É uma pena, porque a temática é de extrema relevância social, fala sobre colorismo e passabilidade branca. Eu já vi inúmeros filmes que tratam sobre o racismo sob os mais diversos ângulos, mas nenhum que falasse sobre essa temática em especial e sob este ângulo.
É preciso elogiar quatro coisas. A primeira dela são os diálogos extremamente fortes e afiados feito facas. O racismo velado e muitas vezes explícito se mostra em olhares enviesados e palavras duras ditas de forma natural por pessoas brancas que parecem sentir prazer em serem racistas. É uma forma de racismo recreativo que embrulha o estômago e causa desconforto não somente na protagonista, mas também em nós mesmos. Há muita coisa presente também no que não é dito e aquilo que se pode ler através de metáforas visuais, como na cena inicial onde Irene vê, com horror, um homem passando mal em plena rua, sob os olhares inertes dos transeuntes.
Outro destaque são o design de produção e a fotografia. Impecáveis. O visual de época retrata de uma maneira muito crua todo o charme e o glamour da Nova York dos anos 1920, ao mesmo tempo em que ressalta a hipocrisia da alta sociedade daquela época, majoritariamente branca. A fotografia em preto e branco também foi uma boa escolha. Sob ela, as duas protagonistas, Irene e Clare realmente parecem mulheres brancas. Uma construção visual interessante do conceito de passabilidade branca, explicada da forma mais didática possível.
O último ponto positivo são as atuações de Tessa Thompson (Irene) e Ruth Negga (Clare). As duas mulheres de pele clara que se encontram casualmente em um lugar chique de Chicago e passam a exercer um papel crucial uma na vida da outra. Muito interessante notar que apesar de dividirem a mesma cor de pele, as duas são muito diferentes. Irene parece mais consciente da sua cor e da sua origem e sabe que o fato de ser uma mulher negra, ainda que de pele clara, é um fator responsável por lhe fechar inúmeras portas em uma sociedade extremamente racista. Quando ela sai do Harlem e passa a frequentar os lugares que as pessoas brancas costumam ir, percebe os olhares tortos de quem se incomoda com sua presença. Clare, por outro lado, parece realmente acreditar que é uma mulher branca. Ela namora um homem branco que diz os maiores impropérios racistas na sua frente e ela se mostra incapaz de repreendê-lo. Essa cena é uma das mais embaraçosas.
Por outro lado, essas duas mulheres se mostram extremamente complexas. Irene, que inicialmente julga a amiga de infância por suas atitudes, acaba tomando outras igualmente parecidas, ainda que inconscientemente. A relação estranha com a empregada, uma mulher negra de pele retinta é um grande exemplo disso. Clare, por sua vez, se apresenta em inúmeros momentos como uma mulher insegura, que usa da sua passabilidade para ser aceita. E quem poderia julgá-las? A grande mensagem que fica é que o racismo também age de modo a colonizar a mente de mulheres e homens pretos, a ponto de nós mesmos nos acharmos inferiores às pessoas brancas. E essa não uma culpa nossa, mas das estruturas sociais racistas que veiculam na mídia e na cultura essa ideia de superioridade branca.
Mas este filme, embora tenha uma mensagem original e poderosa, tem problemas gigantes. Acho o primeiro ato arrastado em demasia. Na verdade, eu vejo que há bolsões na narrativa onde nada de muito relevante acontece e a trama vai caindo em um tédio arrebatador. E no momento em que somos tragados de volta pela força dos diálogos, muito bem construídos por sinal, somos novamente repelidos por essas situações que não nos trazem nada de novo. É um roteiro muito irregular, uma montanha-russa de momentos brilhantes e outros de puro nada. Uma pena, queria ter gostado mais.
Noite Passada em Soho
3.5 740 Assista AgoraSPOILERS ABAIXO
Esse é um daqueles filmes que fazem tudo perfeitamente... Até chegar no final. Eu estava completamente envolvido com a história das duas protagonistas, interpretadas com brilhantismo por Ana Taylor Joy e Thomasin McKenzie, e esperava ansiosamente que aquela trama tivesse um desfecho digno da obra, mas me decepcionei muitíssimo. O filme estava em uma crescente. Inicialmente eu imaginei que ele valorizasse a nostalgia de uma maneira delicada e poética, e pudesse me causar esse sentimento de pertencimento a um passado distante que não tive a oportunidade de vivenciar.
Mas a narrativa foi tomando outros contornos e se tornando cada vez mais densa, à medida em que Eloise, interpretada por McKenzie, vai se tornando cada vez mais obcecada por uma cantora enigmática dos anos 1960 (Taylor Joy). Ela percebe que tem a capacidade de voltar ao passado através dos sonhos, mas à medida em que a trama avança, essa divisão entre passado e presente, sonho e realidade, vai se tornando cada vez mais fluída e isso é magistralmente representado pela técnica de edição e design de produção que confunde o expetador e nos leva direto para dentro da mente de Eloise.
São cenas em que Eloise se olha no espelho e vê Sandie. Ou acorda com uma marca de beijo no pescoço após uma noite de sonho na qual era Sandie quem estava sendo beijada. Logo notamos que há uma conexão entre elas. E o roteiro vai jogando pistas muito convincentes sobre nossas teorias. O longa tem como referência clara "Repulsa ao Sexo", um dos melhores trabalhos de Roman Polanski. São várias as cenas que Sandie é apontada como uma vítima de abusos sexuais ou precisa vender o próprio corpo para conseguir conquistar o que almeja: se tornar uma grande cantora. E o desconforto de Eloise perto de figuras masculinas também é evidente. Imaginamos que, como tem sido a tônica dos filmes de terror dos últimos anos, os traumas psicológicos da protagonista servissem de trampolim para apresentar monstros e psicopatas reais. Mas não é o que acontece aqui. Temos uma primeira grande falha.
O filme dá a entender o tempo inteiro que a conexão entre as duas se dá porque ambas foram abusadas sexualmente, abrindo um espaço para discutir essa questão dentro da temática de um filme de terror. Mas o fato é que o diretor joga tudo isso no ralo em um plot twist decepcionante diante de um filme que conseguiu prender nossa atenção até o último instante. Chega a cena final e você se pergunta: "É só isso?". É como se ele tivesse apresentado um grande trabalho para, nos minutos finais, entregar algo digno de uma nota 6. Aquele plot twist no final: outra grande falha.
Mas é preciso elogiar a qualidade técnica desse filme, que é algo surreal de tão bom! A fotografia brinca com outros elementos cênicos, como letreiros antigos que dispersam uma luz neon dentro do quarto de várias cores. Lembra muito os melhores giallos italianos, como o clássico "Suspiria". O vermelho aliás, está presente em toda a obra: nas ruas do Soho e dentro do quarto da moça onde seus piores pesadelos viram realidade. A cor gera esse clima permanente de tensão, angústia e claustrofobia. Também há muito sangue e cenas nas quais Sandie emula uma Carrie mais psicopata e menos sobrenatural. Mas também há espaço para criaturas sobrenaturais: fantasmas que perseguem nossa heroína em todos os lugares: nas ruas do Soho, no quarto, na biblioteca. Cenas cheias de efeitos especiais que lembram muito "A noite dos mortos vivos". A trilha sonora também é outro espetáculo, destacando sucessos dos anos 1960.
Quanto às atuações e o desenvolvimento dos personagens: as duas protagonistas estão excelentes, mas acho que McKenzie consegue se sobressair porque tem mais tempo de tela e mais cenas que demandam sua energia interpretativa. É angustiante vê-la se deteriorando mentalmente cada vez mais ao passo em que ela é atormentada por fantasmas do passado e psicopatas que só ela vê. As visões de Eloise vão ficando cada vez mais fortes ao longo do filme, enquanto, "no mundo real" a personagem vai tomando atitudes cada vez mais preocupantes, como perseguir seus colegas com facas. Aliás, é preciso dizer que os demais personagens são meros acessórios aqui, com exceção do par romântico de Eloise, o que considero outro grande erro.
Em resumo, Noite Passada em Soho consegue ser um excelente filme até os minutos finais, nos quais o diretor muda a rota para um caminho diametralmente oposto, algo qque empobrece bastante a narrativa e deixa aquele gostinho de poderia ter sido melhor.
Os Olhos de Tammy Faye
3.3 177 Assista AgoraVejo que muita gente parece não ter gostado da atmosfera camp desse filme, mas achei proposital essa escolha de tônica por parte do diretor, já que Tammy Faye era muito cafona, e tudo o que envolvia os telecultos nos anos 1980 e 1990 era cafona. Dito isso, confesso que fiquei encantado com a fotografia, a trilha sonora oitentista que gruda na cabeça, a maquiagem, o trabalho de caracterização, os cenários espalhafatosos e o figurino brega, principalmente da protagonista, que em algumas cenas aparece irreconhecível.
É um filme feito para reverenciar o talento de Jessica Chastain, sem dúvidas, e se ela não receber essa indicação à melhor atriz no OSCAR, será uma tremenda injustiça. A personagem dela é uma das mais complexas que já vi nos últimos anos. Ela consegue transitar muito bem da ingenuidade para a amargura, e um misto de resiliência e resignação, por aguentar estar presa em um casamento sem amor apenas para manter as aparências, ou talvez para se manter fiel aos seus ideais. Ela é uma crente muito convicta e achei respeitosa a forma como o roteiro aborda a fé dela sem julgá-la, deixando isso a cargo do expectador. Em muitos momentos é impossível não simpatizar com sua figura, pois parece haver muita compaixão dentro de si e um genuíno sentimento cristão, que afloram em momentos inusitados, como na sua inesperada ligação com o movimento LGBTQ.
Se essa romantização (ou seria melhor dizer uma justiça à imagem de uma figura controversa na história recente dos EUA) pode ser comprada em relação à Tammy Faye, o mesmo não pode se dizer de seu marido. Quem conhece a história real antes de assistir ao filme, sabe que ele cometeu inúmeros crimes graves, relacionados à corrupção, tráfico de influência, charlatanismo, subornos e relações extraconjugais com mulheres e homens, embora aparecesse na TV buscando dar exemplo de marido comprometido com os valores de uma família tradicional cristã. A cena em que ele aparece chorando na prisão junto à Tammy Faye poderia até comover um desavisado, mas não quem sabe que a personalidade dele está muito mais ligada à alguém sem escrúpulos e sem remorso alguém do que um fariseu arrependido. Jim Baker continua na televisão enganando os fiéis vendendo supostas curas milagrosas para a covid e isso simplesmente foi varrido para debaixo do tapete. Queria ter visto também uma discussão mais responsável sobre a influência dos telecultos não só no campo religioso, como também no campo político, produzindo resultados nefastos nesta seara. Mas novamente, isso é deixado de lado em prol de uma narrativa que foca em momentos sem importância.
O filme também sofre do mesmo marasmo narrativo que afetou "Casa Gucci". Aliás é importante destacar que ambos os filmes compartilham de muitos erros bizarros em comum, como na própria escolha de gênero que, nos dois, não parece estar muito clara. O segundo ato deste filme vai se arrastando de uma maneira muita lenta e o diretor parece não ter controle sobre o roteiro enquanto a história vai tangenciando para outras narrativas que nada têm a ver com o foco principal. As cenas finais me lembraram um pouco o que o Ryan Murphy costuma fazer com as suas séries: o filme deveria ter terminado em uma determinada cena, mas há uma barriga enorme depois dessa cena, a meu ver, sem necessidade alguma. O roteiro quis alongar as consequências do fracasso do casal com cenas completamente desnecessárias, como aquelas em que Tammy vai buscar emprego na televisão ou repele um grupo de adolescentes que zomba de sua aparência.
Mas há pontos muito positivos, como falei logo no início. Toda a parte técnica do filme é um deleite para os olhos, mas eu destaco as cenas musicais que são absolutamente cativantes, em especial, a cena musical final, que além de ser muito bonita visualmente, ainda consegue fazer uma crítica muito sutil aos Estados Unidos e sua hipocrisia disfarçada na religiosidade. Seria tão bom se o filme inteiro tivesse seguido esse padrão visto na cena final!
Casa Gucci
3.2 706 Assista AgoraQueria ter me conectado mais com esse filme porque, a princípio, um longa dirigido por Ridley Scott e estrelado pelo mais alto escalão de estrelas de Hollywood não teria como dar errado. Mas deu muito errado. O filme todo é muito confuso, não se sabe bem qual a verdadeira história que o roteiro quer nos passar. Isso é fruto do ziguezague de gêneros pelos quais a trama passa sem se aprofundar em nenhum. Hora "Casa Gucci" pretende ser um camp satírico, mesclando humor e uma crítica suave ao estilo de vida da burguesia italiana, hora pretende ser um drama policial, hora pretende ser um drama familiar. E falha em todos eles.
Creio que o diretor se perdeu muito no emaranhado de histórias que envolvem a família Gucci, como os inúmeros casos de corrupção, além, é claro da própria trama do assassinato de Maurizio que deveria estar em primeiro plano, mas é colocada de lado enquanto o diretor tenta explorar essas tramas secundárias. Eu acho que esse filme contaria uma história melhor se fosse uma série. Fiquei curioso para entender o que fez Maurizio Gucci perder a direção da própria empresa e Paolo e o pai dele serem presos e perderem tudo, porque, infelizmente, o filme não mostra. Ou pelo menos não mostra com a devida profundidade.
Há erros gritantes de montagem e edição. O filme começa com um ritmo frenético, e um emaranhado de cenas curtas que não dão ao expectador a oportunidade de se conectar com os personagens e as histórias que estão sendo contadas, para depois cair em um ritmo modorrento que faz você olhar para o relógio o tempo todo rezando para que tudo aquilo acabe.
E o que falar das atuações? A meu ver, só duas performances se destacam: Lady Gaga, na pele de Lady Gucci e Al Pacino, vivendo Aldo Gucci. A Lady Gaga conseguiu criar uma Patrizia Gucci muito próxima da verdadeira, em todos os seus trejeitos, falas e modo de se comportar. Esse também é p primeiro personagem dela que eu olho e não penso que ela é a Lady Gaga, mas sim, a personagem que ela está tentando nos vender. Aldo Gucci tem várias cenas muito boas, com os melhores diálogos de toda a trama, e convenhamos que entregar uma boa atuação ao lado de um canastrão feito o personagem do Jared Leto é uma coisa que só mestres do cinema são capazes de fazer.
Aliás, que atuação horrorosa a do Jared Leto! Tudo no personagem dele é muito ruim e de extremo mal gosto: desde a caracterização de quinta categoria até aqueles trejeitos dignos de personagens toscos de filmes medianos da Sessão da Tarde. A atuação dele está completamente fora do tom do restante do elenco, e se a intenção do diretor era transformá-lo em um alívio cômico, devo dizer que ele conseguiu, mas muito provavelmente não da maneira como ele queria, porque rimos do personagem pela vergonha alheia que sentimos.
Adam Driver é um caso a parte. Ele começa muito tímido e tem uma cena, logo no comecinho do filme, onde há um embate entre ele e o pai por causa do relacionamento dele com Patrizia. Existia uma recusa por parte do senhor Gucci em aceitar aquela relação por causa da diferença de classes sociais entre os dois, no que ele acreditava que Patrizia estava se aproximando de seu filho apenas por interesse. O jeito como ele confrontou o pai não me convenceu e a atuação dele estava muito mais próxima de um Edward Cullen em Crepúsculo do que a de Kylo Ren apaixonado. Mas depois ele vai se soltando e entregando um bom trabalho. Uma cena que eu destaco é de uma discussão entre ele e Patrizia, evidenciando um desgaste no casamento, um dos poucos pontos marcantes do filme.
Casa Gucci consegue ser muito bom, no entanto, em relação ao figurino de época, ao cabelo e maquiagem, especialmente a de Lady Gaga que está deslumbrante. Também curto muito a trilha sonora, embora ainda acredito que algumas canções poderiam ter sido tocadas em outros momentos (como na cena do casamento, onde aquela canção não "casou" muito com o que estava sendo retratado em cena). De resto, esse filme é uma das minhas maiores decepções neste ano de 2021.
Ford vs Ferrari
3.9 713 Assista AgoraEu realmente não imaginava que pudesse gostar tanto desse filme, mas o fato é que foram duas horas e meia que passaram voando. Me senti completamente envolvido com a história do Ken Miles, a ponto de me emocionar várias vezes ao longo do filme, especialmente nas cenas finais. Isso é mérito do roteiro que soube trabalhar muitíssimo bem com a narrativa familiar do automobilista, e também, como não poderia deixar de ser, da atuação do Bale. Matt Damon também não fica atrás e consegue entregar uma de suas melhores performances, arrisco dizer, desde o seu papel em "The Martian". Outro ponto alto são as cenas de corrida, montadas de um modo tão único e cativante, que até quem não é fã de automobilismo é capaz de se envolver e torcer pelo herói das pistas. Um filme, enfim, me surpreendeu de maneira muito positiva e merecidamente foi honrado na cerimônia do OSCAR.
A Grande Aposta
3.7 1,3KAcho que esse filme é tudo o que "Não olhe para cima" tenta ser mas não consegue. O roteiro consegue trabalhar muito bem todas as subtramas e todos os personagens (até mesmo por conta da quantidade reduzida deles). Dá para entender as motivações e as histórias por trás dos homens de negócio de Wall Street, e até simpatizar com alguns deles. Quanto à trama em si, acho que o McKay tenta a todo custo simplificar os jargões típicos de quem faz parte do mercado financeiro, através de recursos como verbetes que são adicionados à tela, explicando os termos de maneira divertida e informal, e cenas nas quais há a quebra da quarta parede e o personagem conversa diretamente conosco. As infelizmente acho que ele falha em tentar explicar a complexidade da coisa, deixando o longa em alguns momentos, maçante. Esse filme também tem virtudes muito grandes acerca da direção, tanto de elenco (é preciso dizer que as atuações estão sensacionais, em especial a de Steve Carell), quanto de montagem e edição (que privilegia cortes curtos e cenas menos contemplativas, o que ajuda a dar rapidez e agilidade à trama). De resto, acho que a importância desse filme se faz na sua crítica ferrenha ao sistema financeiro, ao "Deus mercado" que privilegia o lucro ao invés da vida (lembra muito nosso tempo pandêmico, não?) e leva à miséria milhares de pessoas. Nota de observação: Brad Pitt estar usando máscara e álcool gel em um filme de 2016 foi uma distopia acidental que nem o McKay conseguiria pensar!
A Mão de Deus
3.6 189è um filme muito belo sobre perdas, memórias, amadurecimento e crescimento pessoal. è também uma metalinguagem doce e poderosa sobre a importância do cinema em nossas vidas, como escape de uma realidade cruel e assustadora. o personagem central é um moço muito jovem que têm de lidar com problemas de gente adulta de maneira abrupta e consegue sair dessa realidade através de seus sonhos. a história pesa ainda mais quando nos damos conta de que é um dama autobiográfico. gostei do tom que o roteiro dá à narrativa também, mesclando um drama com comédia e algumas cenas de inspiração claramente neo surrealistas. o resultado final, ao menos para mim, é um filme que conseguiu me envolver apesar de sua longa duração e de um amontoado de coisas desconexas, que no final, passam a fazer um pouco mais de sentido.
No Caminho da Cura
3.6 9 Assista AgoraInfelizmente não consegui me conectar a esse documentário, o que é uma pena, porque gosto bastante da premissa dele, que é um debate importantíssimo para toda a sociedade. Admiro também a coragem dos homens que ousaram se expor e contar uma parte tão delicada de suas vidas. Nos instantes finais, o documentário vai ficando mais emocionante, mas de resto peca bastante em contar uma história que despertasse meu interesse.
tick, tick... BOOM!
3.8 450Dirigido por Lin Manuel Bandeira, o longa conta a história biográfica de Jonathan Larson, lendario compositor do musical "Rent" da Brodway. Esse filme me surpreendeu bastante pela qualidade técnica, pelas atuações, em especial a de Andrew Garfield, e claro, pelos números musicais muito bem compostos e que conseguem ficar na cabeça durante dias. Andrew Garfield se entregou de corpo e alma nesse personagem, um musicista e ator de teatro prestes a completar 30 anos em 1990, e que vive uma crise existencial típica da idade por ainda não ter se destacado como a grande estrela da Brodway que sonhava em ser. Em vários momentos Andrew consegue nos emocionar vivendo esse personagem sonhador e ambicioso. Jonathan é um desses artistas que fazem de tudo pela arte. Ele vive quebrado, mas não tem coragem de se vender para o mercado publicitário ou trabalhar em um emprego que não gosta só pelo dinheiro. Ele é um artista que realmente acredita no próprio talento e isso é admirável. Mesmo quando seu amigo lhe oferece uma grande oportunidade de emprego, ele recua ao ver que não vale a pena vender os seus próprios ideais, mesmo que seja para pagar algumas contas atrasadas. A forma como Andrew interpreta esse personagem é extremamente cativante e envolvente. Você se vê transposto na tela porque também teve sonhos, também tem a sensação de que o tempo está passando e você ainda não os realizou. A catarse é intensificada pelas canções que conseguem fazer uma ligação muito forte com a vida de Jon. É um musical dentro de um musical muito bem dirigido e interpretado, com canções que vão do improviso, passando pelo jazz e chegando a um rap bem noventista. 1990 também foi um ano marcado pela pandemia de AIDS que assolou o mundo, em especial a comunidade LGBT, e marcou profundamente a vida de Jon Larsson, que teve vários de seus amigos mortos pela doença. O seu melhor amigo, aliás, também contraiu a doença, razão pela qual abandonou os palcos para se envolver com o mundo dos negócios de Wall Strett. Nesse ponto, é importante abrir um parênteses para elogiar a inserção de MJ Rodriguez, a Blanca de "Pose", que faz um link muito bem feito com o assunto, principalmente por já ter trabalhado em uma série que trata sobre o HIV de forma bastante séria e responsável. Outra atuação que merece destaque é a de Robin de Jesus, que interpreta o melhor amigo de Jon e garante algumas das cenas mais tocantes. A parte técnica também se destaca muito positivamente: a fotografia e o trabalho de direção de arte conseguem nos transportar com fidelidade para o universo dos anos 1990. Algumas cenas inclusive emulam um documentário amador gravado pelo próprio Larsson, fato que ajuda muito a tornar a narrativa bem próxima da realidade. Infelizmente, um incidente trágico impediu o diretor de ver seu trabalho sendo reconhecido, mas isso quase não é explorado no filme que prefere seguir a narrativa típica da jornada do herói e acerta bastante. O resultado final é um filme lindo, envolvente, emocionante e certamente um dos que eu irei indicar aos meus amigos e torcer para que seja lembrado na cerimônia do Oscar!
9.0/10
Mães Paralelas
3.7 411Quais adjetivos usar quando todos os outros parecem ser insuficientes para qualificar o que estamos vendo? Pedro Almodóvar é um dos maiores e mais consagrados diretores de língua espanhola do mundo. Sua vasta filmografia dispensa apresentações. Vai desde o humor escrachado de "Mulheres à beira de um ataque de nervos", até um drama sentimentalista em "Tudo sobre minha mãe". O diretor espanhol sabe transitar da comédia para o drama de forma única e ousada. Sua obra inspirou-se e serviu de inspiração para as telenovelas latino-americanas. Quem assiste qualquer filme dele consegue se identificar nas histórias que estão sendo retratadas porque há muita latinidade, um pouco de novela das 9 à la Manuel Carlos e um pouco de lirismo ibérico. Este filme em especial é mais uma reunião de tudo aquilo que esperamos ver em um filme do Almodóvar. Centrado na história de duas mulheres que se conhecem no hospital, prestes a dar à luz às suas filhas (sendo uma personagem a fotógrafa interpretada por Penélope Cruz e outra, a filha de uma famosa atriz de teatro, interpretada por Milena Smit), o drama acompanha as duas personagens ao longo de toda a narrativa até que um clichê típico de novela brasileira surge e já imaginamos a que rumos o roteiro pode nos levar. Uma trama que repete muitos clichês nunca é agradável, ainda mais para quem está acostumado com o jeito de contar histórias do cineasta espanhol. Mas aqui entra a genialidade de Almodóvar: ele consegue sair dessa armadilha que ele mesmo criou e ainda nos surpreende com um plot twist emocionante. E quando a história parece caminhar para uma direção, há novamente outra reviravolta digna de novela e somos levados a diferentes situações e outras subtramas que se desenrolam de maneira muito coesa à narrativa central. As atuações são certamente o ponto de destaque da película: Penélope Cruz está radiante e certamente receberia uma indicação ao Oscar de melhor atriz se pertencesse ao panteão de Hollywood. Milena Smit também é outro talento promissor: ela interpreta uma jovem mãe que amadurece a partir da maternidade. Um subtexto importante da trama é a questão da ancestralidade, da importância de buscar as raízes e o ponto de partida, além da valorização da família como o ente que acolhe, que protege e que dá vida. Essa necessidade de resgatar o passado se mostra mais importante nas cenas em que o arqueólogo com quem a protagonista mantém um romance visita a aldeia onda ela viveu durante a infância, em busca de vestígios que resgatem fragmentos físicos da ditadura franquista que suprimiu direitos políticos e torturou milhares de inocentes. São temas que já estiveram em outros trabalhos de Almodóvar, como no recente "Dor e Glória" e ressurgem aqui de maneira mais límpida, com diálogos que remetem mais explicitamente a esse período nebuloso da Espanha. Quanto aos detalhes técnicos, outra vez a perspicácia do diretor castelhano se exibe em cores, detalhes e metáforas visuais impactantes. A todo momento, a protagonista mostra as fotos da mãe, da avó e dos outros familiares na parede, numa clara referência ao subtexto de valorização do núcleo familiar já mencionado. As cores vibrantes de outros trabalhos do diretor dão vez às cores mais pastéis e tons terrosos, criando uma atmosfera de acolhimento e aconchego típico de um colo de mãe. O resultado final é um filme que consegue trabalhar temas muito sensíveis de modo acessível, capaz de agradar um público muito variado.
8.5/10
No Ritmo do Coração
4.1 754 Assista AgoraDirigido por Sian Heder, esse filme é mais um destaque de uma mulher diretora nesse ano de 2021. O longa é uma adaptação de um filme francês, "A família Belier" e conta a história de Ruby, única não deficiente em uma família de pessoas com deficiência auditiva. Seu pai e irmão trabalham como pescadores e sua mãe é dona de casa. Como adolescente, ela precisa lidar com questões como o bullying que sofre por ser filha de PCD's e a irritabilidade que é morar em uma cidade pequena, trabalhar como intérprete para seus pais e seu irmão e o sonho de estudar música em uma faculdade em Boston e se tornar uma grande cantora. Inicialmente eu pensei que esse filme fosse copiar "O som do silêncio" por causa da temática, mas me surpreendi positivamente com o tom adotado pela diretora e roteirista. A comédia parece funcionar muito bem, sobretudo no primeiro ato em que há cenas na qual eles desenvolvem a questão da surdez de maneira leve e bem humorada, envolvendo situações jocosas como um pum. A partir do segundo ato, o filme vai se tornando um drama mais complexo e começamos a entender as motivações da protagonista para além do esteriótipo de uma adolescente que é revoltada com tudo e com todos. A discussão central é como pessoas com deficiência muitas vezes são tratadas como incapazes e "tuteladas" pelos próprios filhos. A personagem Ruby sente essa necessidade de ter sua própria vida e seguir seus próprios sonhos, mas acaba ficando presa a um lugar onde não quer ficar por ser a única pessoa da cidade que sabe falar em linguagem de sinais. O filme levanta ainda essa necessidade de termos uma sociedade adaptada às pessoas com deficiência, mais justa e mais inclusiva. E é o irmão de Ruby quem levanta essa problemática, em uma das cenas mais tocantes do longa. Aliás, precisamos falar do desempenho dos atores: Emília Jones (Ruby) e seu pai na ficção (Frank) interpretado por Troy Kutsur são os dois maiores destaques. Há uma cena em que ela canta para ele e ele, sem poder ouvir, toca o pescoço da filha para sentir as vibrações. É uma das cenas mais bonitas do filme e a primeira vez em que chorei. Meu segundo choro foi na cena de audição para entrar na universidade, na qual, diante de sua família, ela começa a traduzir o que está cantando para a linguagem de sinais. São questões trazidas para dentro do filme de maneira muito madura e responsável, ao mesmo tempo que o filme toma liberdade para inserir elementos típicos de um filme coming of age, como a inserção de um romance juvenil, que poderia levar a história para outro rumo, mas a diretora sabe trabalhar bem para que isso não aconteça. O par romântico formado por Ruby e Miles têm muita química e é muito legal ver os dois juntos, mas Ruby não fica presa na cidade por amar demais o namorado, como ocorreira se a direita quisesse repetir os clichês do gênero. Em resumo, é um filme interessantíssimo e emocionante sobre amor, familia, pertencimento e inclusão, que consegue trabalhar todos esses temas de maneira muito acessível.
7,6/10
Encanto
3.8 805Encanto é mais uma animação da Disney cotada para concorrer ao Oscar de Melhor Animação. Ambientada na Colômbia, o longa acompanha a vida de Mirabel Madrigal, única pessoa sem dons em uma família na qual todos os membros possuem algum poder especial e a própria casa onde moram é "encantada". À princípio, pode-se dizer que a narrativa peca ao repetir alguns clichês (a própria trama central já foi abordada de outras maneiras em outras animações da Disney, como o já clássico "Frozen") e esteriótipos envolvendo a Colômbia (que podem ser perdoados porque fazem sentido dentro daquele universo mágico). Tirando alguns desses pontos negativos, o filme consegue entregar um resultado final bastante satisfatório. Elogiar a qualidade técnica das animações do estúdio do Mickey Mouse é chover no molhado. Mas aqui, é admirável o que a equipe de desenhistas conseguiu fazer em relação aos detalhes: cabelos, sinais, pele, dentes e unhas com um nível de perfeccionismo extremo. Os números musicais, assinados por Lin Manuel Miranda (o diretor do ótimo Tick Tick... Boom) também se sobressaem pelas cenas coloridas, pelas letras bem escritas e pelas melodias grudentas (com destaque para We don't talk about Bruno), que homenagem em sua produção a musicalidade latina. A trama central, como já dito, enfantiza a valorização da família e das diferenças, com uma antagonista (a avó da protagonista e matriarca da família Madrigal) que inspira uma série de sentimentos conflitantes no expectador, mas consegue ter um arco de redenção muito bem desenvolvido. A protagonista, Mirabel, é bastante carismática e cria um sentimento de empatia em que vê o longa logo de cara, sem muito esforço. Contudo, por mais que o filme se destaque pelas cenas emocionantes e fofinhas, falta um pouco de consistência na resolução do conflito: tudo acaba de um jeito muito fácil, sem muitas reviravoltas. Nisso, este filme fica muito atrás de animações recentes da Disney, como "Luca". Apesar dos raros pontos negativos, "Encanto" se destaca pelo apelo ao sentimento de pertencimento e à busca pelas nossas raizes e pelo nosso lar.
nota : 7.7/10
Eternos
3.4 1,1K Assista Agora2021 foi o ano em que pudemos apreciar grandes filmes dirigidos por mulheres. "Eternos" é um blockbuster da Marvel dirigido por Chloe Zhao, de "Nomadland", um dos grandes destaques da temporada de premiações do ano passado. Em "Eternos", ela mostra toda a sua versatilidade para trabalhar com cenas de ação, cheias de CGI e cenas mais dramáticas, em que se sobressaem a força das atuações do elenco e os diálogos muito profundos e cheios de reflexão. Os eternos são, como o próprio nome indica, seres imortais que habitam a terra desde os primórdios da humanidade e são incumbidos de uma missão para tentar salvar a terra do Despertar de um Deus, um ser celestial, que acabaria com o planeta Terra e construiria novas civilizações. É um argumento bem parecido com a saga de Thanos, o que é compreensível, pois se trata de um mesmo universo. Mas sinto que aqui essa história é tratada de forma menos detalhada. Faz um tempo que os filmes da Marvel vêm trazendo uma carga crítica muito forte e nesse filme isso se mostra de vários modos, desde uma cena em que há uma "guerra" entre os colonizadores espanhóis e os povos astecas, e o personagem Druig, interpretado por Barry Keoghan é impedido de intervir, pois se tratava de uma ação humana e os eternos não poderiam interferir naquilo, ao que ele responde que não se tratava de uma guerra e sim, de um genocídio. A crítica social está presente em todo o filme, e o melhor de tudo, não é feita de maneira avulsa, mas é algo inerente à própria narrativa. O grande questionamento colocado é: vale a pena salvar a raça humana da hecatombe sendo que ela própria age para se autodestruir? Partindo para as atuações, é preciso elogiar o trabalho de direção de atores feito por Chloe Zhao: todo o elenco está muito coeso nesse aspecto, com apenas uma atuação que achei fora do tom: Angelina Jolie. A personagem dela, Thena é mal desenvolvida e muitas vezes, colocada em segundo plano. Ela própria não consegue entregar uma atuação que convença, ao menos nos minutos iniciais: vai do teatral a algo "forçado". É uma pena, porque é um atriz que entregou ótimos resultados em outros filmes de ficção científica/fantasia, como é o caso de "Malévola". O restante do elenco composto por Salma Hayek, Kit Harrington, Richard Madden, a protagonista Gemma Chan e até Harry Styles (nas cenas pós créditos) dispensa comentários: estão ótimos. Um destaque muito grande dou ao personagem Ikaris, interpretado por Richard Madden (pausa para dizer que ele é idêntico ao Sebastian Stan). Em determinado ponto, Ikaris passa por uma reviravolta e Richard consegue segurar muito bem a atuação, mostrando um antagonista complexo e cheio de nuances, e acima de tudo, humano, por mais contraditório que isso possa parecer. Elogiar a parte técnica dos longas da Marvel é chover no molhado, mas destaco duas coisas importantes bastante presentes: o controle do CGI (nas cenas de ação ele é utilizado sob medida, nem muito nem pouco) e a reprodução fidelíssima das civilizações antigas (astecas, babilônios, hebreus). Ponto para a equipe de historiadores que ajudaram a embasar o filme nesse aspecto. Mas o filme também tem pontos muito negativos e, alguns deles, bem grandes. Acredito que o roteiro desenvolve muito mal os personagens, dando pouca oportunidade para que possamos criar empatia com eles. O único que foge a essa regra é o Phastos, que tem uma subtrama interessante de ter uma família com outro homem, e ter de abandona-la para salvar a humanidade. Isso faz com que muitas pontas soltas surjam e nos perguntemos qual a necessidade daquele determinado personagem em cena. Outro ponto que me incomodou bastante foi a linha temporal. Entendi que a diretora não quis seguir uma ordem cronológica dos acontecimentos, mas há um defeito em relação a montagem: algumas cenas carecem de uma boa transição para outras cenas e nos perguntamos quando aqueles fatos aconteceram. Em resumo: Eternos é um bom filme nos padrões da Marvel, mas dentro da filmografia de Cloe Zhao aparece como uma peça irregular e destoante.
nota: 6,5/10
A Pior Pessoa do Mundo
4.0 602 Assista AgoraPossível representante da Noruega ao Oscar, "A pior pessoa do mundo" é dirigido por Joachim Trier, e basicamente narra a história de uma traição e as consequências disso para à vida da protagonista. Apesar de parecer algo aparentemente simples, o roteiro consegue trabalhar com essa e outras temáticas de forma muito poética, e através de suas múltiplas camadas, abrir um punhado de discussões interessantes. A personagem principal, Julie, vivida brilhantemente por Renate Reinsve, é uma millenaial típica que, após largar 3 faculdades, conhece o cara que ela acreditava ser o "amor da sua vida". Mas o relacionamento se desgasta e ela o trai com outro rapaz em uma festa qualquer. A partir daí, ela resolve terminar o relacionamento com Askel para viver um romance com Eivind, interpretado por Herbert Nordrum. O roteiro consegue trabalhar muito bem essa questão da traição como uma possível consequência trágica para a protagonista, que passa a sofrer algumas coisas bem tristes após o término com Askel. Julie parece ser uma mulher que ainda não se encontrou na vida, não sabe com o que quer trabalhar e ainda tem questões familiares a tratar, especialmente com seu pai ausente. Esse aspecto da personagem fica bastante evidente na conversa de término que ela teve com Askel, na qual ele afirmou que ela estava abandonando aquele relacionamento porque projetava nele a figura paterna que ela não teve. E isso realmente vêm a tona como uma ferida não cicatrizada: Julie é incapaz de estabelecer vínculos duradouros com alguém por ter sido rejeitada pelo próprio pai. Ela cria, subconscientemente, um bloqueio em relação a outras pessoas e isso é mostrado em algumas cenas que evidenciam a falta de traquejo dela com crianças e a sua recusa em se tornar mãe, ao menos naquele momento. Isso acaba gerando fagulhas no relacionamento dela com Askel, que, no auge dos seus 40 e poucos anos, sente que não tem mais muito tempo a perder. Essa personalidade mais equiva da protagonista se mostra novamente na cena de término dos dois. Askel dá a entender que ela tem dificuldades para enxergar a realidade das coisas e foge quando algo dá errado, sem ao menos se preocupar em tentar consertar o que está quebrado antes de terminar tudo. Isso inclusive é um dos motivos pelos quais ela nunca encontrou uma carreira que lhe coubesse. E no relacionamento com Eivind ela repete os mesmos erros: após a fase da paixão acabar, a relação entra em um modo automático e ela passa a enxergar os defeitos do parceiro de forma ampliada. E uma gravidez acidental é o motivo pelo qual os dois rompem o namoro, já que ele não quer ser pai, mas ela quer levar a gravidez adiante. O terceiro ato se inicia com a revelação de uma notícia trágica para Askel que o reaproxima de sua antiga esposa. Aqui temos as cenas mais densas e mais carregadas sentimentalmente de toda trama, com um grande destque de atuação dos dois protagonistas. Askel se dá a oportunidade de reavaliar seu relacionamento com Julie em monólogos bastante envolventes e emocionantes. Ela o observa muitas vezes calada, mas pela sua expressão facial, notamos que ela está refletindo sobre as palavras ditas pelo seu ex. Aliás, é importante destacar a atuação de Renate Reinsve, que faz um belíssimo trabalho com sua atuação low, mais contida e mais reservada, mas que consegue passar uma gama de emoções facilmente sentidas pelo expectador. Mérito do diretor também, que faz um trabalho excelente com todo elenco ao escolher um tom de atuação que dê conta de tratar de temas sensíveis sem ser excessivamente melodramático. Mesmo nas cenas mais tocantes, em que Joachim Trier poderia ter escolhido a pieguice, se sobressai uma drama de altíssimo nível, sem apelações. A forma de contar a história também é interessantíssima: dividida em capítulos, há uma progressão lógica dos eventos que criam uma narrativa coesa, que prende o expectador do começo ao fim. Os títulos dos capítulos apresentam mini spoilers, que, longe de nos afastar, nos aproxima mais e mais da trama, criando um clima de curiosidade para ver o que está por vir. Outro destaque importante são as cenas de efeitos especiais e as metáforas nelas contidas. Tanta coisa que eu poderia escrever outro artigo só falando delas. Novamente, tudo isso é mérito da direção certeira de Joachim Trier. A trilha sonora é outro espetáculo: o filme termina com uma verdão em inglês de "águas de março". Belíssimo! Quanto as temáticas abordadas, este filme traz à tona, de maneira implícita, as discussões sobre monogamia: toda a história do filme simplesmente não aconteceria se o casal inicial fosse não monogâmico. Evitaria um monte de problemas se Julie aceitasse que amor e desejo sexual são coisas diferentes e muitas vezes, podem não andar lado a lado.
nota: 9,2/10
Em um Bairro de Nova York
3.6 125 Assista Agora2021 parece ter sido o ano de Lin Manuel Miranda e In the Heights é mais um filme que conta com a produção dele. O longa narra a história de um jovem dominicano, Usnavi, interpretado por Anthony Ramos, que trabalha em uma mercearia no bairro de Washington Heights, tradicional reduto da comunidade hispano hablante de Nova York, e tem o sonho de juntar dinheiro para retornar ao seu país de origem. É um musical muito colorido, vibrante e que a todo instante exalta a cultura latina. Mas é também um filme cheio de problemas. Admito que fui assistir a esse filme com a expectativa lá em cima, porque Lin Manuel Bandeira, o produtor do filme, dirigiu "Tick Tick Boom", um dos meus preferidos do ano passado. Mas me decepcionei muitíssimo, em primeiro lugar com o pouco refinamento dado à construção dos personagens. A cena inicial é uma música enorme, que mistura rap e salsa e trata de apresentar os personagens. É a única vez no filme que somos apresentados às suas histórias e isso é feito de forma rasa. Não conseguimos nos conectar aos personagens e suas tramas e isso dura mais ou menos até a metade do longa. Quando, enfim, somos fisgados emocionalmente, com um grande número musical da abuelita e sua história de como ela chegou aos EUA, enfrentando muitas dificuldades, já é tarde demais e estamos completamente desinteressados. Outros problemas que se somam a esse são as atuações muito superficiais e o par romântico formado pelos protagonistas que simplesmente não têm química. O par secundário, formado por uma jovem estudante de Stanford e um policial, têm muito mais carisma e consegue engajar bem mais o expectador. Até os números musicais deles são infinitamente melhores. Falando nisso, achei equivocada a escolha do rap para compor o repertório musical do protagonista. As músicas são maçantes, e nem parecem ter sido compostas pelo cara que fez "Hamilton", "Encanto" e o já citado "Tick Tick Boom". Aliás, a comparação com o filme que conta a história de Jon Larsson é inevitável, pendendo negativamente para "In the Heights". Mas nem tudo são espinhos: há números musicais belissimos visualmente e muito bem compostos, como a já citada canção da abuelita, a cena em que eles cantam na piscina e a cena de "Carnaval de Rua", que exalta com muito orgulho toda a história, a cultura e as tradições dos povos latino-americanos, que externam todo seu patriotismo ostentando suas bandeiras. O resultado final é um filme que consegue agradar muito esteticamente e apresentar ao público raros momentos de emoção, mas que se perdem no marasmo dos seus 140 minutos de exibição e do pouco interesse em contar uma história realmente envolvente.
6/10
Sempre em Frente
3.9 160Dirigido por Mike Mills, esse filme é mais uma grande aposta para a temporada de premiações, contando com a atuação do premiado Joaquin Phoenix. O longa narra, ora em tom de documentário, ora em tom de drama, a trajetória de um jornalista famoso dos Estados Unidos que está entrevistando, país afora, um grupo de crianças, fazendo-lhes perguntas sobre o futuro a serem registradas posteriormente em um documentário. À tiracolo, ele leva seu sobrinho para as gravações: uma criança bastante inteligente para a sua idade e que já vivencia alguns dramas de gente grande. O filme gira em torno dessa relação entre tio e sobrinho que vai se construindo. Inicialmente de modo tímido e acabrunhado, o personagem de Joaquin Phoenix parece não levar muito jeito para cuidar de crianças, mas aos poucos, vai criando uma relação de amizade muito bonita com o sobrinho. A criança, por sua vez, enfrenta um drama familiar que parece ter sido causado pelo tio. Mas a trama explora muito pouco essa questão, deixando no ar algumas perguntas que não foram respondidas. O foco são os momentos delicados de companheirismo entre os dois. Nesse interim, crianças aparecem na tela falando sobre suas perspectivas de futuro. E essas inserções são muito bem feitas, com falas que não parecem ter sido ensaiadas, o que dá um ar de espontaneidade e leveza muito grande à narrativa. O próprio Woody Norman, um jovem e promissor talento, consegue desempenhar seu papel de maneira emocionante e cativante. Ele é uma criança muito inteligente e com colocações muito perspicazes sobre a vida. Joaquin Phoenix, interpretando Johnny, também faz um belo trabalho, em uma atuação contida, mas cheia de nuances. Quanto à técnica, é importante destacar a bela fotografia em preto e branco, que consegue dialogar muito bem com as emoções transmitidas em tela. Mas é a força do roteiro, que cria situações emocionantes a todo momento e dos diálogos densos que refletem sobre família, amizade, saudade, angústias a alegrias que torna esse filme tão especial. C'mon C'mon é um chamado para aceitarmos nossas imperfeições, perdoarmos e seguirmos em frente. Porque a vida não para.
8/10
Gunga Din
3.5 20 Assista AgoraFilme com temática datada, esteritipos forçados e cenas de ação muito fraquinhas. Não sei o que faz na lista de 1001 filmes pra ver antes de morrer. Completamente esquecível.