"Esse mundo me confunde. Eu não quero deixá-lo ainda."
A última linha é uma boa síntese do sentimento que a obra me transmitiu. Olive é uma mulher reta num mundo sem qualquer direção. Acompanhamos ela e sua família sobrevivendo meio a confusão de valores, posições e narrativas de nossos tempos.
A série faz diversas perguntas sobre família e relacionamentos, algumas 'clichês' mas todas inevitáveis: somos o reflexo dos traumas de nossos pais? terapia é mera retórica? as palavras realmente significam algo? no fim, é tudo uma questão de sexo? de quem é a culpa, afinal? essas e outras questões, mais sutis ou banais, são lançadas. Porém as respostas são abertas, não só pelo caráter de arte, mas pelo ar de tragédia que compõe a obra.
Ademais dos subjetivismos e questionamentos do ‘eu’, há, ainda, o acaso. O coringa no baralho de cartas marcadas que é a vida da classe média ocidental. Os personagens possuem os temperamentos mais diversos, é a presença da tragédia em suas vidas que os conecta e universaliza, todos foram marcados por grandes dramas familiares. Suas lutas contra a herança ‘espiritual’ da família (o passado) é um dos grandes mote da série. No olhar para trás se funda o que há de certeza, ordem e repetição. O outro mote central é ação do contingente, o aleatório a nos expor aos perigos, nos outros e em nós mesmos. O futuro como ameaça à continuidade da família, fundando a dúvida, o caos, a ruptura.
Quando, por acaso, Olive vai ao hospital para usar o banheiro, ocorre um assalto e ela e Henry são feitos reféns numa sala. A tensão os faz explodir e eles botam pra fora mágoas de anos. Dias depois, tendo terminado tudo bem, Olive pede desculpas, pela primeira vez em todo o casamento, por algo que disse a Henry. Eis o eterno e mutável jogo da vida, um conflito inesperado fez surgir o novo numa relação antiga. A maior parte do tempo a obra explora as repetições da intimidade entre marido e mulher, mãe e filho, mas é nas interrupções - abruptas- que seus sentidos crescem.
A inacreditável dificuldade em conviver com outros e sua espantosa necessidade. É possível ser livres juntos? Confusos, seguimos, porque ainda não é o bastante.
Olive Kitteridge
4.5 103 Assista Agora"Esse mundo me confunde. Eu não quero deixá-lo ainda."
A última linha é uma boa síntese do sentimento que a obra me transmitiu. Olive é uma mulher reta num mundo sem qualquer direção. Acompanhamos ela e sua família sobrevivendo meio a confusão de valores, posições e narrativas de nossos tempos.
A série faz diversas perguntas sobre família e relacionamentos, algumas 'clichês' mas todas inevitáveis: somos o reflexo dos traumas de nossos pais? terapia é mera retórica? as palavras realmente significam algo? no fim, é tudo uma questão de sexo? de quem é a culpa, afinal? essas e outras questões, mais sutis ou banais, são lançadas. Porém as respostas são abertas, não só pelo caráter de arte, mas pelo ar de tragédia que compõe a obra.
Ademais dos subjetivismos e questionamentos do ‘eu’, há, ainda, o acaso. O coringa no baralho de cartas marcadas que é a vida da classe média ocidental. Os personagens possuem os temperamentos mais diversos, é a presença da tragédia em suas vidas que os conecta e universaliza, todos foram marcados por grandes dramas familiares. Suas lutas contra a herança ‘espiritual’ da família (o passado) é um dos grandes mote da série. No olhar para trás se funda o que há de certeza, ordem e repetição. O outro mote central é ação do contingente, o aleatório a nos expor aos perigos, nos outros e em nós mesmos. O futuro como ameaça à continuidade da família, fundando a dúvida, o caos, a ruptura.
Quando, por acaso, Olive vai ao hospital para usar o banheiro, ocorre um assalto e ela e Henry são feitos reféns numa sala. A tensão os faz explodir e eles botam pra fora mágoas de anos. Dias depois, tendo terminado tudo bem, Olive pede desculpas, pela primeira vez em todo o casamento, por algo que disse a Henry. Eis o eterno e mutável jogo da vida, um conflito inesperado fez surgir o novo numa relação antiga. A maior parte do tempo a obra explora as repetições da intimidade entre marido e mulher, mãe e filho, mas é nas interrupções - abruptas- que seus sentidos crescem.
A inacreditável dificuldade em conviver com outros e sua espantosa necessidade. É possível ser livres juntos? Confusos, seguimos, porque ainda não é o bastante.
https://medium.com/@pedronabuco_85735/olive-kitteridge-a-possibilidade-da-liberdade-cbc2276ef317