O novo filme de Sofia Coppola vai ficar um pouco mais interessante se você passar na peneira freudiana.
Será que a representação chapa-branca de Priscilla Presley (aprovada pela própria, que escreve e produz o longa), diante da figura célebre e meio autoritária de Elvis, não tem algo da relação da própria Sofia com seu pai, ninguém menos que o sujeito que revolucionou o cinema há meio século com O PODEROSO CHEFÃO? Priscilla é bonitinha, mas ordinária e "reles mortal" perto do ícone pop de influência global na cultura de massa.
De resto, uma cinebiografia meio branda, que mostra podres do Elvis claramente só até certo ponto e passa um pano imenso para a personagem-título, que acaba sendo rasa demais. Ainda assim, longa razoável se visto à luz do que referi no começo.
Último filme visto no ano. Pela ótima experiência que foi minha última sessão de cinema de 2023, com GODZILLA MINUS ONE no IMAX, decidi ver esse aqui também, que é igualmente japonês.
Lançado em 2016, SHIN GODZILLA vai decepcionar quem for esperando mais ação e um polimento milagroso de boa CGI com pouca grana como visto em MINUS ONE, porém vai ser pertinente se você fizer a leitura do monstrengo gigante como personificação de crise política e econômica (o que também ajuda a interpretar o linda de 2023).
O Godzilla de 2016 começa quadrúpede, sofrendo fisicamente até virar bípede, sangra e se esbarra em pontes com cenas que mimetizam o tsunami em usina que o Japão atravessava na época.
Exagera demais na dose do núcleo humano, com diálogos de políticos intermináveis, porém ali também há bons diálogos e uma boa radiografia da dependência geopolítica do Japão dos EUA e da incapacidade de resolver uma crise gigante orgânica pela limitação técnica bélica.
Minha história com o gigante mais conhecido do subgênero kaiju - os "filmes de monstro gigantes" sob o olhar nipônico - vai longe e pontua diferentes fases da minha vida.
Começa com aquele do Roland Emmerick, que muita gente detesta e eu acho razoável (o design dele achei legal, por exemplo), no começo da minha adolescência, sendo o primeiro filme fora da Disney que vi na tela grande. Passa por ver o original de 1954 em torrent, já na minha fase avançada de cinéfilo consumado. Depois é o Godzilla de 2014 visto no cinema, um filme que muita gente torce o nariz e eu acho sensacional pelo que tem de materialização da grandiosidade dos fenômenos da natureza frente a um temor freudiano da nossa pequeneza e finitude. Vi em casa também o fraco GODZILLA VERSUS KONG.
Enfim, temos este GODZILLA MINUS ONE, no qual o monstrengo volta numa produção feita de corpo e alma em sua terra natal, com esmero e pouca grana. Este eu vi numa sala Imax, sessão pra encerrar e coroar o ano de 2023. Acaba fazendo um par temático curioso com OPPENHEIMER, que vi muitos meses antes na mesma sala: o filme de Christopher Nolan é o antes e o japonês é o depois da bomba atômica. Se você não fez essa costura temática ainda, fica aqui a sugestão, porque vai tornar a sua leitura conceitual e política dos dois filmes mais rica e mais densa.
A história do piloto kamikaze do longa da terra do sol nascente traz o melhor núcleo humano (embora ainda imperfeito) de todos os filmes com o lagartão e, se por um lado fala muito dos anos quarenta do século XX, fala também muito de agora (caso também do OPPENHEIMER): os países centrais do imperialismo vivem uma crise que eles sempre temem que porventura venha a ser terminal. E nesse sentido, o Godzilla - aqui um ser de puro caos e destruição sem prerrogativas mais "compreensíveis" (como tinha no filme de 2014) - é uma personificação dessa crise monstruosa que o Japão, às voltas com uma guerra mundial se avizinhando, sente (re)surgir.
Tecnicamente é excelente! Tiraram leite de pedra com um orçamento humilde para os padrões do cinema comercial de massa, mostrando o lagartão bem feito e à luz do dia várias vezes numa época em que a Disney e a Marvel escondem seus efeitos visuais cada vez mais capengas (e caros!) em névoa, chuva e etc. E o som é também forte e categórico.
Jennifer Jason Leigh, uma das atrizes mais subestimadas da geração segunda metade dos 80 e começo dos 90. Só foram lembrar que ela existe mais recentemente e por causa do Tarantino. Me atrevo a vaticinar que uma eventual performance dela em ELLE do Paul Verhoeven seria ainda melhor que a a Isabelle Huppert.
Visto na faixa pelo canal do YouTube CPC-UMES. Longa russo de um diretor ainda da fase soviética, cujos filmes eu conhecia no mínimo um (razoável). Não confundir com o ótimo filme indiano homônimo da Netflix.
Se passa já no final da Segunda Guerra Mundial (lá chamam de Grande Guerra Patriótica), com os soviéticos às voltas com uma espécie de tanque de guerra mítico, quando não fantasmagórico, dos nazistas. Sem piloto, sorrateiro, com duas cenas de ação excelentes, principalmente a segunda com brilhante uso da câmera subjetiva.
É no fundo um longa sobre o fascismo que continuaria latente e vivo mesmo após a Segunda Guerra terminar - e visto hoje, se mostra o quanto esse ponto do enredo é absolutamente válido.
Documentário, disponível inteiro no YouTube com legendas em inglês, sobre uma cidade da Palestina massacrada cotidianamente pelo sionismo. É informado logo no começo que o produtor foi assassinado pelo exército nazi-sioniata.
Não chega, evidente, a ser tão narrativa e tecnicamente bom quanto outros do gênero, como 5 CÂMERAS QUEBRADAS, porém é melhor que o burocrático CHECKPOINT, todos sobre o mesmo tema.
Mais de duas décadas depois do documentário ser lançado, veio a contra ofensiva do Hamas neste ano. E vendo dessa perspectiva, a gente entende perfeitamente porque as crianças que aparecem entrevistadas em JENIN JENIN - hoje adultos - se tornaram os jovens com mais ódio, plenamente justificado, da existência da teocracia artificial criada por canetada pelo prostíbulo político da ONU em 1948.
IsraHell faz desde a destruição de casas até o genocídio de crianças práticas regulares em Gaza. Virou rotina de gerações desalentadas, cuja mera existência - e reprodução das gerações seguintes - traz em si mesma um obstáculo aos propósitos do sionismo.
É, sem dúvida, admirável a resiliência daquele povo contra a limpeza étnica na Palestina que - ironia das ironias - lembra e muito os métodos do campo de concentração de Auschwitz e similares. Todavia, fica a impressão que já deu de o mundo só assistir, principalmente os outros países árabes.
Se evidencia necessário tomar a Palestina de fora pra dentro e devolvê-la ao Estado unitário e multinacional que era até 1947, sem ser uma base militar subjacente da OTAN no oeste da Ásia e sem essa ilusão de "dois Estados". Ninguém tem que passar a vida num campo de concentração por capricho geopolítico do sionismo.
Quer construir um "Estado judeu", então faça um no Alaska, já que os Estados Unidos fazem tanta questão de lamber o chão que facínoras como Benjamin Netanyahu pisam.
Martin Scorsese é um dos melhores cineastas vivos. Mesmo já velhinho, ainda vive e respira sétima arte e dá trabalho para a turma que quer transformar o cinema numa papagaiada eterna de remake da prequel do spin off do reboot da milionésima sequência de adaptação de quadrinhos da Marvel.
Seu último longa-metragem - e esse é longa mesmo, três horas e meia de duração - é um réquiem para o domínio da tribo ousage que, isolada à contragosto no Oklahoma, caiu nas (des)graças do petróleo sendo descoberto aos fartos jorros por ali. Seu filme tem uma temática muito atual sobre petróleo, limpeza étnica, ambição e falsa filantropia - pra ficar só em alguns temas - que são absolutamente pertinentes se lembrarmos, por exemplo, do que está acontecendo exatamente agora na gradual substituição da Palestina pelo estado sionista artificialmente criado em 1948.
O roteiro e o diretor acertam ainda por incluírem ali referências diretas à maçonaria e até dois diálogos nos quais a máfia embranquecedora contra os Ousages são chamados de "muito judeus", revelando mais uma vez o paralelo fácil com muito do que vivemos hoje.
Pra mim a duração elevada não atrapalhou (muito menos que em O IRLANDÊS), exceto pelo fato de que dá uma solavancada quando entram em cena os investigadores do então recém-criado FBI. Quem leu o livro diz que Scorsese mudou o foco para que eles aparecessem bem depois no filme na comparação com o que é na obra base, o que eu particularmente achei um baita de um acerto. Scorsese é muito melhor retratando os maus e os desajustados do que os mocinhos.
Sobre o elenco, Lily Gladstone e Robert De Niro impecáveis, principalmente ela, claramente a síntese do que seu povo passou, sempre cercada de morte e dúvida. O velho De Niro tem aqui seu melhor papel desde CORINGA (se não até melhor), mostrando que ainda tem farinha no saco. Já Di Caprio eu achei bom no começo e depois, principalmente no terço final, exagera demais no suposto remorso (que pra mim é até incoerente com o que vinha sendo mostrado antes) e o cacoete de entortar a boca pra baixo.
Enfim, em que pesem suas imperfeições, um excelente longa, o melhor que estreou no cinema neste ano, até agora, páreo só para TRIÂNGULO DA TRISTEZA e RETATOS FANTASMAS.
Ninguém pode acusar o chileno Pablo Larraín, que dirigiu os ótimos TONY MANERO e NO, os bacaninhas O CLUBE e NERUDA e as cinebiografias insossas de socialites JACKIE e SPENCER, de ser um artista acomodado. O cara dá uns plot twists carpados na abordagem da própria carreira várias vezes e está sempre abordando assuntos e gêneros diferentes, muito embora tenha visivelmente uma raiz bem fincada nas biografias e numa estética de direção intimista que a gente já aprendeu a reconhecer.
Em EL CONDE, Larraín volta sua câmera para uma associação simplesmente brilhante: o deplorável Augusto Pinochet, capacho dos Chicago Boys para transformar o Chile numa cobaia sul-americana do neoliberalismo, é... um vampiro! Ou seja, o diretor usa da poesia cinematográfica para casar muito bem um conceito com outro. Afinal, o general golpista era mesmo um vaidoso sanguessuga fardado, um carrapato dos trabalhadores em benefício da perpetuação e pretensa eternização da elite econômica. Não por acaso, o marco-zero da origem do vampiresco Pinochet remonta justamente à França da época da revolução burguesa - uma das muitas boas ideias do roteiro. Há também uma boa narração over irônica cuja personagem se revela no final em mais uma sacada excelente (embora eu já tivesse matado a charada de quem era ela logo nos primeiros diálogos!).
EL CONDE, apesar do ótimo conceito e um bom desenvolvimento do segundo ato, com os conflitos familiares do agora recluso e entediado general-carrapato, peca por dois defeitos fundamentais: o desdobramento meio aleatório demais do terceiro ato e o aceno para a personagem da freira contadora como uma quase-protagonista cujo arco, afinal de contas, vai do nada a lugar algum.
Os defeitos, no entanto, são poucos para comprometer o longa, principalmente se você entende algo da história do Chile e vai captar as sutis referências, por exemplo, ao lamentável posicionamento do governo Pinochet durante a Guerra das Malvinas. Bom longa-metragem de um cineasta que, apesar das inegáveis irregularidades, mais acerta que erra.
Visto no fim de semana completo no Youtube no canal CPC-UMES. Filme russo de 2015 comemorativo das sete décadas do Dia da Vitória (1945) na Segunda Guerra Mundial.
Um soldado da parte europeia da então União Soviética é condenado ao fuzilamento por deserção. Fica encarregado de guardá-lo até a pena um soldado cazaque, de traços asiáticos bem nítidos e muito humilde.
É um filme que faz uma abordagem intimista da amizade que eles acabam formando, quase um DERSU UZALA com uma leve camada de VÁ E VEJA.
Nem sempre isso funciona porque, afinal, é uma guerra, mais sangue e desumanização seriam mais verossímeis aqui. Ficou parecendo uma guerra muito simples e reduzida, aos olhos da direção do longa. Faltou escala.
Como assume essa abordagem de unir a Europa com a Ásia Central desde o começo, celebrando o que havia entre os países, funciona até razoavelmente bem, mesmo com as limitações citadas.
Fui conhecer de verdade a magnitude da intérprete brilhante que é Elis Regina e a doçura minimalista de Tom Jobim já depois de velho, só neste ano. Até então, me parecia uma coisa meio blasé pra gringo ouvir e só.
Meu primeiro contato foi justamente com Águas de Março do disco cujos bastidores renderam este documentário. A partir de então, o preconceito deu lugar à admiração. Elis e principalmente Tom voltariam depois ao meu fone e com certeza ainda voltarão muitas vezes. Farei questão de mostrar essa música gostosa que fizeram aos meus filhos.
ELIS & TOM até tem seus defeitos. É um filme apologético, de homenagem à parceria da dupla (inicialmente conflituosa), portanto completamente chapa-branca, sobre artistas vistos enquanto mitos (o que, neste caso, não deixam de ser) e não seres humanos. Há também mais ênfase em Elis e em como o disco afetou sua arte depois do que no efeito que teve para Tom, já que a maior parte dos entrevistados eram mais próximos dela.
Todavia, pra mim é impossível não se encantar com tudo o que tem de carícia aos tímpanos nesse nosso idioma, como diz Elis (citando Caetano Veloso) em certo ponto da sessão, "cheio de érres e ésses". E do modo como é visto ali, na construção de um ótimo disco de meio século atrás, que segue aí perene e agradável de ouvir. Não é à toa que a dupla caiu nas graças dos gringos, que foram à loucura com a fonética maravilhosa do português brasileiro.
Tem ainda detalhes que eu não conhecia. Por exemplo, Elis já cantou acompanhada de Toots Thielemans, o gaitista que nos legou as músicas inesquecíveis dos filmes LOUCA PAIXÃO e PERDIDOS NA NOITE.
Ainda que com suas limitações de abordagem, é um pertinente documentário, bom de ver e - claro - de ouvir.
Acompanho a carreira de Kleber Mendonça Filho desde 2001, quando ele era crítico e publicava num site chamado "CinemaScópio" no UOL. Foi uma das pessoas mais influentes na minha trajetória como cinéfilo, sem sombra de dúvidas.
Poder acompanhar sua carreira muito sólida e constante como cineasta tem sido um prazer, desde os curtas, até a passagem para os longas com O SOM AO REDOR até chegar neste excelente documentário que não é sobre cinema, como alguns supõem pela sinopse e trailer, mas sobre cinefilia e a própria experiência de estar numa sala de cinema, sobre como a passagem do tempo afetou a paisagem cultural dos grandes centros (no caso, o Recife).
Desde O SOM AO REDOR até hoje, talvez com exceção parcial de BACURAU, Kléber tem dificuldade com a distribuição de seus longas - então se este documentário estreou na sua cidade, vale muito a pena a oportunidade de prestigiar na telona. O diretor foge do convencional do gênero, que seria de entrevistas, pra fazer uma bela autobiografia confessional.
Visto pela curiosidade de constatar como foi esse negócio de ser o primeiro filme inteiramente filmado em lockdown na época da pandemia.
E não é que o bagulho é bom? Dentro de sua simplicidade de proposta de ser uma briga de casal com um monte de idas e vindas, com personagens coadjuvantes que traçam um painel social do Brasil da Era Covid, FLUXO acerta nos limites de suas dificuldades técnicas e limitações de filmagens que não só contorna bem, como integra no próprio enredo.
Com ares de distopia de um presente nada alternativo, às vezes o filme parece ser uma versão de MEDIDA PROVISÓRIA que deu certo.
Elenco carismático, comentários sociais ligeiros e diretos e, em que pese ter colocado os próprios atores pra se virar de filmarem uns aos outros com instruções por webcam, se viraram super bem.
Alberto Santos Dumont é, de muitas formas, um dos brasileiros mais fascinantes que o mundo já viu. Desde quebra voluntária de parentes até a obscura morte, tem tanto detalhe hipnótico na vida do inventor que fica até difícil dar conta de tudo.
O documentário tem formato muito sisudo e escolar pra tentar dar conta disso, indo e vindo no tempo de modo confuso. E com estética muito televisiva, além de passar só por cima na polêmica basilar envolvendo sua figura analisada.
Existe uma treta histórica (quiçá científica e sobretudo geopolítica) acerca de quem foi ou não o pai da aviação: Santos Dumont ou os estadunidenses irmãos Wright (vulgo irmãos Catapulta).
Acontece que Santos Dumont tem o primeiro vôo de fato registrado, dependendo só do motor e com registro imagético, além de uns série de outros sucessos e avanços tecnológicos, sempre aprendendo e aprimorando com seus erros.
Já os irmãos estadunidenses têm só relatos de boca de um voo supostamente acontecido um pouco antes do brasileiro, seguido de um modelo aeronáutico que dependia de catapulta pra decolar! Sem falar que a tentativa de comemoração do centenário do suposto invento dos irmãos Catapulta terminou num vexame histórico que só provou que o invento deles era jogada de poker só pra simular que fizeram o avião antes. O lembrete desse acontecimento é o melhor momento do documentário, mas passa de modo muito rápido embora deva ser sempre lembrado.
O que sustenta o nível do filme, porém, é a história do inventor e sua insistência permanente (e só bem sucedida depois de muitas "cabeçadas" e erros inerentes ao desenvolvimento científico e tecnológico) de alçar vôo primeiro com um dirigível, depois com um avião, em solo francês.
Vale a pena ver pra entender um pouco de tudo isso e com imagens da época, porém uma narrativa mais cinematográfica e que abrace com ênfase a polêmica do visionário brazuca contra os irmãos Catapulta fez falta.
Documentário sobre o pintor francês Claude Monet visto logo na sequência e que supera um pouco o similar do Van Gogh.
Fizeram um recorte mais original: foco na relação dele com os elementos água e flores, onipresentes em sua obra.
Monet tinha a obsessão de retratar o movimento abstrato dos movimentos da água e do ar. A ponto de criar um lago artificial só pra tentar "engarrafar" essa duas variáveis da natureza. E os planos visuais do Rio Sena são lindos.
Documentário sobre a obra do pintor holandês que dá título ao filme. Tem um bom longa de animação polonesa sobre ele chamado LOVING VINCENT.
Já este documentário é museologico e auto-deslumbrado demais com a figura da riquinha que era mecenas dele. Quando fala do Van Gogh mesmo, porém, tem ótimas informações, principalmente do histórico familiar. O cara teve um irmão falecido nascido exatamente um ano antes, com o mesmo nome, o que afetou a sensação dele de ser um "filho substituto" e isso pode ter influenciado na arte dele.
Ver o melhor filme de Alfred Hitchcock na tela grande, com camiseta do filme e tudo, foi um prazer e uma realização cinefílica.
O longa continua bastante atual, o roteiro é redondinho. A abertura evo take de fechamento são geniais. Anthony Perkins e Janet Leigh em ótimas performances. A casa dos Bate é uma das melhores metáforas da estrutura psíquica conforme dividida por Freud que a sétima arte teve até hoje. Música toda composta em cordas por Bernard Herrmann inesquecível.
Enfim, dá pra elogiar aqui até amanhã. Nota 10 com gosto!
O melhor filme sobre tensão por armas nucleares foi, é e muito provavelmente sempre será DOUTOR FANTÁSTICO, do sempre genial (e saudoso) Stanley Kubrick. O subtítulo daquela sátira irresistível era "Como eu Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba" - expressão que parece dar uma pista do que a cinebiografia de Robert Oppenheimer parece tentar, não sem certo custo e boas polêmicas, causar em quem assiste.
Christopher Nolan, que andou fazendo uns filmes medíocres (DUNKIRK, TENET), aqui se recupera como narrador e, mesmo não lembrando os tempos áureos de CAVALEIRO DAS TREVAS e A ORIGEM (ou mesmo AMNÉSIA), consegue manter o interesse em três horas de idas e vindas na vida do físico que mudou o destino da geopolítica mundial. conta com participação pontual de trocentas celebridades coadjuvantes, indo de Casey Affleck a James Remar, das quais a melhor pra mim é a de Gary Oldman como o cínico presidente Truman - vivendo uma cena que realmente aconteceu.
Encabeçando esse elenco está Cillian Murphy, que deu conta do recado e de passar o conflito ético do protagonista, que Nolan polemiza acertadamente, mas tenta salvar a imagem colocando mais a culpa pela decisão na "sujeira dos políticos", desviando o foco dos cientistas, o que ele faz até de modo parcialmente convincente, mas pra mim ficou cheirinho de conivência indulgente.
Afinal, os cientistas sabiam exatamente o que estavam fazendo e não havia virgem naquela zona. O fato de ser outra pessoa que apertou o botão pra detonar centenas de milhares de vidas - num exibicionismo bélico imbecil numa guerra que em termos práticos já estava ganha - não muda o fato de que Oppenheimer e quejandos tiveram um papel fundamental - e conscientes - nesse processo. A gente deveria, supostamente "parar de se preocupar e amar a bomba" nesse âmbito da criação teórica e científica pra só responsabilizar os políticos. Será?
De todo modo, Nolan levanta umas polêmicas boas, principalmente do alinhamento político de seu protagonista. É bom em edição de som e montagem, tem elenco homogêneo (Robert Downey Jr roubando algumas cenas no final) e um clima de suspense e corrida tecnológica no melhor estilo OS ELEITOS (1983), muito embora mais adulto e polêmico que o ingênuo PRIMEIRO HOMEM com Ryan Gosling, por exemplo. O uso narrativo da música pra macetar a tensão na marra às vezes incomoda, mas o som no geral compensa ver numa sala IMAX.
Em tempo: a sessão conjunta com BARBIE serve como ótimo medidor de temperatura ideológica e geopolítica do que anda preocupando o aparelho ideológico de Estado hollywoodiano: identitarismo e polêmica ética envolvendo a bomba (afinal, a Rússia agora em guerra contra a OTAN também tem essas armas - e o sistema cultural vai ter que bater o martelo se a invenção dessas bombas pelos estadunidenses foi ou não um tiro no pé).
Não sejamos ingênuos: BARBIE é um fenômeno de massa calcado muito de perto na tal da "cultura woke", que é um fenômeno do identitarismo que visa, financeiramente, encher até o último centímetro quadrado dos cofres de grandes acionistas de dinheiro, com base em ressentimentos sociais (muitos deles justificados) que desviam o enfoque do proletariado da consciência de classe para essa patuscada relacionada a costumes sociais, que passa a ser "pauta de esquerda" ao invés de mais comida na mesa, menos horas de jornada de trabalho, etc.
Como fenômeno político e ideológico no aparelho ideológico de Estado do cinema de massa, é uma "jogada de pôker" do imperialismo muito parecido com o que fizeram com PANTERA NEGRA no assunto da discriminação racial, a ponto de transformar um monarca de Wakanda e literalmente amiguinho de agente da CIA no "herói" para o qual a plateia devia torcer, em contraponto com o vilão que é um negro pobre dos EUA que tem um critério político correto - mas que os produtores querem pintar como "ressentido" e que deveria gerar, por isso, uma repelência emocional no espectador ainda que o argumento dele, racional e objetivamente, fosse bom.
Também não é em vão que o "Ken rival" do filme é um asiático de traços chineses, refletindo o momento geopolítico atual. Esse tipo de sutileza a gente só pega com um olhar treinado e, sobretudo, mais consciente para as obras de arte (e de consumo, no caso), evitando ser influenciado de modo inconsciente pelos ardis delas. É um sistema que finge que preocupar demais com quem é preto, mulher, gay, travesti, cadeirante e etc na campo do simbólico representativo enquanto, no campo do direito trabalhista e político, só piora a concentração de propriedade e renda da classe trabalhadora em geral (inclusive os que são pretos, mulheres, etc).
Feita essa ressalva, que obviamente compromete o meu nível de identificação sobretudo ideológica com o live action da boneca, vamos ser justos: até que a sátira social de Greta Gerwig é divertida e dá para apreciar algumas das piadas, principalmente aquelas envolvendo o arco dramático do Ken (Ryan Gosling, descontraído) que vai para o "mundo real" descobrir que lá o funcionamento dos costumes é outro. É até uma pequena surpresa, dado o histórico ruim dos dois filmes "novela das seis" que Gerwig tinha no histórico até então, ambos do meu desagrado, principalmente LADYBIRD.
Também me agradou o tratamento estético do longa, com figurinos e principalmente cenografia muito bons e dentro da proposta narrativa da "boneca viva" feita de modo convincente por Margot Robbie, com direito a tirada de sarro (obviamente auto indulgente) com a própria Mattel na figura do empresário CEO vivido por Will Ferrell.
Chama também a atenção o nível de competência do marketing pré-lançamento, um dos mais agressivos e estrategicamente brilhantes que vi nas minhas três décadas e meia de existência! Lembrando que é um universo criado do zero, sem o "recall" dos trocentos filmes de super-herói, por exemplo.
Enfim, é um ótimo produto pra medir a temperatura da estratégia de circular a ideologia identitária de Hollywood, como era também o PANTERA NEGRA nos moldes que expliquei antes. E ainda que eu discorde daquela ideologia e entenda seus ardis, vejo valor nesse sentido. E como sátira, dá pro gasto e tem alguns momentos genuinamente engraçados.
Vá com o desconfiômetro ideológico ligado e, dadas as ressalvas a parir daí, divirta-se.
Filmaço estilo irmãos Dardenne com pitada de neorrealismo italiano, revelando para o Brasil um grande diretor e um ótimo ator, que mais tarde fariam o magistral 7 PRISIONEIROS.
O drama pega toda a pirâmide de Maslow, mas corretamente enfatiza os assuntos da base. Em tempos de muito draminha emocional de adolescente, com os quais só se importa quem sempre teve muita comida na mesa e se lixa pra concentração de renda, é um sopro de ar fresco.
Priscilla
3.4 160 Assista AgoraBONITINHA MAS ORDINÁRIA
O novo filme de Sofia Coppola vai ficar um pouco mais interessante se você passar na peneira freudiana.
Será que a representação chapa-branca de Priscilla Presley (aprovada pela própria, que escreve e produz o longa), diante da figura célebre e meio autoritária de Elvis, não tem algo da relação da própria Sofia com seu pai, ninguém menos que o sujeito que revolucionou o cinema há meio século com O PODEROSO CHEFÃO? Priscilla é bonitinha, mas ordinária e "reles mortal" perto do ícone pop de influência global na cultura de massa.
De resto, uma cinebiografia meio branda, que mostra podres do Elvis claramente só até certo ponto e passa um pano imenso para a personagem-título, que acaba sendo rasa demais. Ainda assim, longa razoável se visto à luz do que referi no começo.
Operação Y e Outras Aventuras de Shurik
3.6 3Sessão da tarde soviética, com muito humor pastelão. Dá pro gasto, sem pretensões.
Shin Godzilla
3.6 153 Assista AgoraÚltimo filme visto no ano. Pela ótima experiência que foi minha última sessão de cinema de 2023, com GODZILLA MINUS ONE no IMAX, decidi ver esse aqui também, que é igualmente japonês.
Lançado em 2016, SHIN GODZILLA vai decepcionar quem for esperando mais ação e um polimento milagroso de boa CGI com pouca grana como visto em MINUS ONE, porém vai ser pertinente se você fizer a leitura do monstrengo gigante como personificação de crise política e econômica (o que também ajuda a interpretar o linda de 2023).
O Godzilla de 2016 começa quadrúpede, sofrendo fisicamente até virar bípede, sangra e se esbarra em pontes com cenas que mimetizam o tsunami em usina que o Japão atravessava na época.
Exagera demais na dose do núcleo humano, com diálogos de políticos intermináveis, porém ali também há bons diálogos e uma boa radiografia da dependência geopolítica do Japão dos EUA e da incapacidade de resolver uma crise gigante orgânica pela limitação técnica bélica.
Com ressalvas, um bom longa
Godzilla: Minus One
4.1 266MONSTRUOSIDADE DA CRISE SOCIAL
Minha história com o gigante mais conhecido do subgênero kaiju - os "filmes de monstro gigantes" sob o olhar nipônico - vai longe e pontua diferentes fases da minha vida.
Começa com aquele do Roland Emmerick, que muita gente detesta e eu acho razoável (o design dele achei legal, por exemplo), no começo da minha adolescência, sendo o primeiro filme fora da Disney que vi na tela grande. Passa por ver o original de 1954 em torrent, já na minha fase avançada de cinéfilo consumado. Depois é o Godzilla de 2014 visto no cinema, um filme que muita gente torce o nariz e eu acho sensacional pelo que tem de materialização da grandiosidade dos fenômenos da natureza frente a um temor freudiano da nossa pequeneza e finitude. Vi em casa também o fraco GODZILLA VERSUS KONG.
Enfim, temos este GODZILLA MINUS ONE, no qual o monstrengo volta numa produção feita de corpo e alma em sua terra natal, com esmero e pouca grana. Este eu vi numa sala Imax, sessão pra encerrar e coroar o ano de 2023. Acaba fazendo um par temático curioso com OPPENHEIMER, que vi muitos meses antes na mesma sala: o filme de Christopher Nolan é o antes e o japonês é o depois da bomba atômica. Se você não fez essa costura temática ainda, fica aqui a sugestão, porque vai tornar a sua leitura conceitual e política dos dois filmes mais rica e mais densa.
A história do piloto kamikaze do longa da terra do sol nascente traz o melhor núcleo humano (embora ainda imperfeito) de todos os filmes com o lagartão e, se por um lado fala muito dos anos quarenta do século XX, fala também muito de agora (caso também do OPPENHEIMER): os países centrais do imperialismo vivem uma crise que eles sempre temem que porventura venha a ser terminal. E nesse sentido, o Godzilla - aqui um ser de puro caos e destruição sem prerrogativas mais "compreensíveis" (como tinha no filme de 2014) - é uma personificação dessa crise monstruosa que o Japão, às voltas com uma guerra mundial se avizinhando, sente (re)surgir.
Tecnicamente é excelente! Tiraram leite de pedra com um orçamento humilde para os padrões do cinema comercial de massa, mostrando o lagartão bem feito e à luz do dia várias vezes numa época em que a Disney e a Marvel escondem seus efeitos visuais cada vez mais capengas (e caros!) em névoa, chuva e etc. E o som é também forte e categórico.
Uma excelente surpresa de fim de ano.
Mulher Solteira Procura
3.3 266 Assista AgoraJennifer Jason Leigh, uma das atrizes mais subestimadas da geração segunda metade dos 80 e começo dos 90. Só foram lembrar que ela existe mais recentemente e por causa do Tarantino. Me atrevo a vaticinar que uma eventual performance dela em ELLE do Paul Verhoeven seria ainda melhor que a a Isabelle Huppert.
Tigre Branco
3.6 19 Assista AgoraVisto na faixa pelo canal do YouTube CPC-UMES. Longa russo de um diretor ainda da fase soviética, cujos filmes eu conhecia no mínimo um (razoável). Não confundir com o ótimo filme indiano homônimo da Netflix.
Se passa já no final da Segunda Guerra Mundial (lá chamam de Grande Guerra Patriótica), com os soviéticos às voltas com uma espécie de tanque de guerra mítico, quando não fantasmagórico, dos nazistas. Sem piloto, sorrateiro, com duas cenas de ação excelentes, principalmente a segunda com brilhante uso da câmera subjetiva.
É no fundo um longa sobre o fascismo que continuaria latente e vivo mesmo após a Segunda Guerra terminar - e visto hoje, se mostra o quanto esse ponto do enredo é absolutamente válido.
Barreiras
4.3 5Pra quem quiser conhecer outro documentário sobre o assunto: https://filmow.com/jenin-jenin-t366012/
Atirar num Elefante
4.6 10Pra quem quiser conhecer outro documentário sobre o assunto: https://filmow.com/jenin-jenin-t366012/
Cinco Câmeras Quebradas
4.5 58Pra quem quiser conhecer outro documentário sobre o assunto: https://filmow.com/jenin-jenin-t366012/
Jenin, Jenin
3.8 1ISRAHELL TEM QUE ACABAR
Documentário, disponível inteiro no YouTube com legendas em inglês, sobre uma cidade da Palestina massacrada cotidianamente pelo sionismo. É informado logo no começo que o produtor foi assassinado pelo exército nazi-sioniata.
Não chega, evidente, a ser tão narrativa e tecnicamente bom quanto outros do gênero, como 5 CÂMERAS QUEBRADAS, porém é melhor que o burocrático CHECKPOINT, todos sobre o mesmo tema.
Mais de duas décadas depois do documentário ser lançado, veio a contra ofensiva do Hamas neste ano. E vendo dessa perspectiva, a gente entende perfeitamente porque as crianças que aparecem entrevistadas em JENIN JENIN - hoje adultos - se tornaram os jovens com mais ódio, plenamente justificado, da existência da teocracia artificial criada por canetada pelo prostíbulo político da ONU em 1948.
IsraHell faz desde a destruição de casas até o genocídio de crianças práticas regulares em Gaza. Virou rotina de gerações desalentadas, cuja mera existência - e reprodução das gerações seguintes - traz em si mesma um obstáculo aos propósitos do sionismo.
É, sem dúvida, admirável a resiliência daquele povo contra a limpeza étnica na Palestina que - ironia das ironias - lembra e muito os métodos do campo de concentração de Auschwitz e similares. Todavia, fica a impressão que já deu de o mundo só assistir, principalmente os outros países árabes.
Se evidencia necessário tomar a Palestina de fora pra dentro e devolvê-la ao Estado unitário e multinacional que era até 1947, sem ser uma base militar subjacente da OTAN no oeste da Ásia e sem essa ilusão de "dois Estados". Ninguém tem que passar a vida num campo de concentração por capricho geopolítico do sionismo.
Quer construir um "Estado judeu", então faça um no Alaska, já que os Estados Unidos fazem tanta questão de lamber o chão que facínoras como Benjamin Netanyahu pisam.
Assassinos da Lua das Flores
4.1 607 Assista AgoraLIMPEZA ÉTNICA NO OKLAHOMA
Martin Scorsese é um dos melhores cineastas vivos. Mesmo já velhinho, ainda vive e respira sétima arte e dá trabalho para a turma que quer transformar o cinema numa papagaiada eterna de remake da prequel do spin off do reboot da milionésima sequência de adaptação de quadrinhos da Marvel.
Seu último longa-metragem - e esse é longa mesmo, três horas e meia de duração - é um réquiem para o domínio da tribo ousage que, isolada à contragosto no Oklahoma, caiu nas (des)graças do petróleo sendo descoberto aos fartos jorros por ali. Seu filme tem uma temática muito atual sobre petróleo, limpeza étnica, ambição e falsa filantropia - pra ficar só em alguns temas - que são absolutamente pertinentes se lembrarmos, por exemplo, do que está acontecendo exatamente agora na gradual substituição da Palestina pelo estado sionista artificialmente criado em 1948.
O roteiro e o diretor acertam ainda por incluírem ali referências diretas à maçonaria e até dois diálogos nos quais a máfia embranquecedora contra os Ousages são chamados de "muito judeus", revelando mais uma vez o paralelo fácil com muito do que vivemos hoje.
Pra mim a duração elevada não atrapalhou (muito menos que em O IRLANDÊS), exceto pelo fato de que dá uma solavancada quando entram em cena os investigadores do então recém-criado FBI. Quem leu o livro diz que Scorsese mudou o foco para que eles aparecessem bem depois no filme na comparação com o que é na obra base, o que eu particularmente achei um baita de um acerto. Scorsese é muito melhor retratando os maus e os desajustados do que os mocinhos.
Sobre o elenco, Lily Gladstone e Robert De Niro impecáveis, principalmente ela, claramente a síntese do que seu povo passou, sempre cercada de morte e dúvida. O velho De Niro tem aqui seu melhor papel desde CORINGA (se não até melhor), mostrando que ainda tem farinha no saco. Já Di Caprio eu achei bom no começo e depois, principalmente no terço final, exagera demais no suposto remorso (que pra mim é até incoerente com o que vinha sendo mostrado antes) e o cacoete de entortar a boca pra baixo.
Enfim, em que pesem suas imperfeições, um excelente longa, o melhor que estreou no cinema neste ano, até agora, páreo só para TRIÂNGULO DA TRISTEZA e RETATOS FANTASMAS.
O Conde
3.2 95 Assista AgoraSANGUESSUGA DE FARDA
Ninguém pode acusar o chileno Pablo Larraín, que dirigiu os ótimos TONY MANERO e NO, os bacaninhas O CLUBE e NERUDA e as cinebiografias insossas de socialites JACKIE e SPENCER, de ser um artista acomodado. O cara dá uns plot twists carpados na abordagem da própria carreira várias vezes e está sempre abordando assuntos e gêneros diferentes, muito embora tenha visivelmente uma raiz bem fincada nas biografias e numa estética de direção intimista que a gente já aprendeu a reconhecer.
Em EL CONDE, Larraín volta sua câmera para uma associação simplesmente brilhante: o deplorável Augusto Pinochet, capacho dos Chicago Boys para transformar o Chile numa cobaia sul-americana do neoliberalismo, é... um vampiro! Ou seja, o diretor usa da poesia cinematográfica para casar muito bem um conceito com outro. Afinal, o general golpista era mesmo um vaidoso sanguessuga fardado, um carrapato dos trabalhadores em benefício da perpetuação e pretensa eternização da elite econômica. Não por acaso, o marco-zero da origem do vampiresco Pinochet remonta justamente à França da época da revolução burguesa - uma das muitas boas ideias do roteiro. Há também uma boa narração over irônica cuja personagem se revela no final em mais uma sacada excelente (embora eu já tivesse matado a charada de quem era ela logo nos primeiros diálogos!).
EL CONDE, apesar do ótimo conceito e um bom desenvolvimento do segundo ato, com os conflitos familiares do agora recluso e entediado general-carrapato, peca por dois defeitos fundamentais: o desdobramento meio aleatório demais do terceiro ato e o aceno para a personagem da freira contadora como uma quase-protagonista cujo arco, afinal de contas, vai do nada a lugar algum.
Os defeitos, no entanto, são poucos para comprometer o longa, principalmente se você entende algo da história do Chile e vai captar as sutis referências, por exemplo, ao lamentável posicionamento do governo Pinochet durante a Guerra das Malvinas. Bom longa-metragem de um cineasta que, apesar das inegáveis irregularidades, mais acerta que erra.
O Caminho Para Berlim
3.6 13Visto no fim de semana completo no Youtube no canal CPC-UMES. Filme russo de 2015 comemorativo das sete décadas do Dia da Vitória (1945) na Segunda Guerra Mundial.
Um soldado da parte europeia da então União Soviética é condenado ao fuzilamento por deserção. Fica encarregado de guardá-lo até a pena um soldado cazaque, de traços asiáticos bem nítidos e muito humilde.
É um filme que faz uma abordagem intimista da amizade que eles acabam formando, quase um DERSU UZALA com uma leve camada de VÁ E VEJA.
Nem sempre isso funciona porque, afinal, é uma guerra, mais sangue e desumanização seriam mais verossímeis aqui. Ficou parecendo uma guerra muito simples e reduzida, aos olhos da direção do longa. Faltou escala.
Como assume essa abordagem de unir a Europa com a Ásia Central desde o começo, celebrando o que havia entre os países, funciona até razoavelmente bem, mesmo com as limitações citadas.
Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você
3.9 28 Assista AgoraMELODIA DE ÉSSES E ÉRRES
Fui conhecer de verdade a magnitude da intérprete brilhante que é Elis Regina e a doçura minimalista de Tom Jobim já depois de velho, só neste ano. Até então, me parecia uma coisa meio blasé pra gringo ouvir e só.
Meu primeiro contato foi justamente com Águas de Março do disco cujos bastidores renderam este documentário. A partir de então, o preconceito deu lugar à admiração. Elis e principalmente Tom voltariam depois ao meu fone e com certeza ainda voltarão muitas vezes. Farei questão de mostrar essa música gostosa que fizeram aos meus filhos.
ELIS & TOM até tem seus defeitos. É um filme apologético, de homenagem à parceria da dupla (inicialmente conflituosa), portanto completamente chapa-branca, sobre artistas vistos enquanto mitos (o que, neste caso, não deixam de ser) e não seres humanos. Há também mais ênfase em Elis e em como o disco afetou sua arte depois do que no efeito que teve para Tom, já que a maior parte dos entrevistados eram mais próximos dela.
Todavia, pra mim é impossível não se encantar com tudo o que tem de carícia aos tímpanos nesse nosso idioma, como diz Elis (citando Caetano Veloso) em certo ponto da sessão, "cheio de érres e ésses". E do modo como é visto ali, na construção de um ótimo disco de meio século atrás, que segue aí perene e agradável de ouvir. Não é à toa que a dupla caiu nas graças dos gringos, que foram à loucura com a fonética maravilhosa do português brasileiro.
Tem ainda detalhes que eu não conhecia. Por exemplo, Elis já cantou acompanhada de Toots Thielemans, o gaitista que nos legou as músicas inesquecíveis dos filmes LOUCA PAIXÃO e PERDIDOS NA NOITE.
Ainda que com suas limitações de abordagem, é um pertinente documentário, bom de ver e - claro - de ouvir.
Retratos Fantasmas
4.2 227 Assista AgoraAUTOBIOGRAFIA CINEFÍLICA
Acompanho a carreira de Kleber Mendonça Filho desde 2001, quando ele era crítico e publicava num site chamado "CinemaScópio" no UOL. Foi uma das pessoas mais influentes na minha trajetória como cinéfilo, sem sombra de dúvidas.
Poder acompanhar sua carreira muito sólida e constante como cineasta tem sido um prazer, desde os curtas, até a passagem para os longas com O SOM AO REDOR até chegar neste excelente documentário que não é sobre cinema, como alguns supõem pela sinopse e trailer, mas sobre cinefilia e a própria experiência de estar numa sala de cinema, sobre como a passagem do tempo afetou a paisagem cultural dos grandes centros (no caso, o Recife).
Desde O SOM AO REDOR até hoje, talvez com exceção parcial de BACURAU, Kléber tem dificuldade com a distribuição de seus longas - então se este documentário estreou na sua cidade, vale muito a pena a oportunidade de prestigiar na telona. O diretor foge do convencional do gênero, que seria de entrevistas, pra fazer uma bela autobiografia confessional.
Fluxo
1.9 2Visto pela curiosidade de constatar como foi esse negócio de ser o primeiro filme inteiramente filmado em lockdown na época da pandemia.
E não é que o bagulho é bom? Dentro de sua simplicidade de proposta de ser uma briga de casal com um monte de idas e vindas, com personagens coadjuvantes que traçam um painel social do Brasil da Era Covid, FLUXO acerta nos limites de suas dificuldades técnicas e limitações de filmagens que não só contorna bem, como integra no próprio enredo.
Com ares de distopia de um presente nada alternativo, às vezes o filme parece ser uma versão de MEDIDA PROVISÓRIA que deu certo.
Elenco carismático, comentários sociais ligeiros e diretos e, em que pese ter colocado os próprios atores pra se virar de filmarem uns aos outros com instruções por webcam, se viraram super bem.
O Homem Pode Voar
3.9 3PROVADO E SEM CATAPULTA!
Alberto Santos Dumont é, de muitas formas, um dos brasileiros mais fascinantes que o mundo já viu. Desde quebra voluntária de parentes até a obscura morte, tem tanto detalhe hipnótico na vida do inventor que fica até difícil dar conta de tudo.
O documentário tem formato muito sisudo e escolar pra tentar dar conta disso, indo e vindo no tempo de modo confuso. E com estética muito televisiva, além de passar só por cima na polêmica basilar envolvendo sua figura analisada.
Existe uma treta histórica (quiçá científica e sobretudo geopolítica) acerca de quem foi ou não o pai da aviação: Santos Dumont ou os estadunidenses irmãos Wright (vulgo irmãos Catapulta).
Acontece que Santos Dumont tem o primeiro vôo de fato registrado, dependendo só do motor e com registro imagético, além de uns série de outros sucessos e avanços tecnológicos, sempre aprendendo e aprimorando com seus erros.
Já os irmãos estadunidenses têm só relatos de boca de um voo supostamente acontecido um pouco antes do brasileiro, seguido de um modelo aeronáutico que dependia de catapulta pra decolar! Sem falar que a tentativa de comemoração do centenário do suposto invento dos irmãos Catapulta terminou num vexame histórico que só provou que o invento deles era jogada de poker só pra simular que fizeram o avião antes. O lembrete desse acontecimento é o melhor momento do documentário, mas passa de modo muito rápido embora deva ser sempre lembrado.
O que sustenta o nível do filme, porém, é a história do inventor e sua insistência permanente (e só bem sucedida depois de muitas "cabeçadas" e erros inerentes ao desenvolvimento científico e tecnológico) de alçar vôo primeiro com um dirigível, depois com um avião, em solo francês.
Vale a pena ver pra entender um pouco de tudo isso e com imagens da época, porém uma narrativa mais cinematográfica e que abrace com ênfase a polêmica do visionário brazuca contra os irmãos Catapulta fez falta.
Water Lilies of Monet -The Magic of Water and Light
3.8 3Documentário sobre o pintor francês Claude Monet visto logo na sequência e que supera um pouco o similar do Van Gogh.
Fizeram um recorte mais original: foco na relação dele com os elementos água e flores, onipresentes em sua obra.
Monet tinha a obsessão de retratar o movimento abstrato dos movimentos da água e do ar. A ponto de criar um lago artificial só pra tentar "engarrafar" essa duas variáveis da natureza. E os planos visuais do Rio Sena são lindos.
Van Gogh: Of Wheat Fields and Clouded Skies
3.6 2Documentário sobre a obra do pintor holandês que dá título ao filme. Tem um bom longa de animação polonesa sobre ele chamado LOVING VINCENT.
Já este documentário é museologico e auto-deslumbrado demais com a figura da riquinha que era mecenas dele. Quando fala do Van Gogh mesmo, porém, tem ótimas informações, principalmente do histórico familiar. O cara teve um irmão falecido nascido exatamente um ano antes, com o mesmo nome, o que afetou a sensação dele de ser um "filho substituto" e isso pode ter influenciado na arte dele.
Psicose
4.4 2,5K Assista AgoraVer o melhor filme de Alfred Hitchcock na tela grande, com camiseta do filme e tudo, foi um prazer e uma realização cinefílica.
O longa continua bastante atual, o roteiro é redondinho. A abertura evo take de fechamento são geniais. Anthony Perkins e Janet Leigh em ótimas performances. A casa dos Bate é uma das melhores metáforas da estrutura psíquica conforme dividida por Freud que a sétima arte teve até hoje. Música toda composta em cordas por Bernard Herrmann inesquecível.
Enfim, dá pra elogiar aqui até amanhã. Nota 10 com gosto!
Oppenheimer
4.0 1,1KPARAR DE SE PREOCUPAR E AMAR A BOMBA
O melhor filme sobre tensão por armas nucleares foi, é e muito provavelmente sempre será DOUTOR FANTÁSTICO, do sempre genial (e saudoso) Stanley Kubrick. O subtítulo daquela sátira irresistível era "Como eu Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba" - expressão que parece dar uma pista do que a cinebiografia de Robert Oppenheimer parece tentar, não sem certo custo e boas polêmicas, causar em quem assiste.
Christopher Nolan, que andou fazendo uns filmes medíocres (DUNKIRK, TENET), aqui se recupera como narrador e, mesmo não lembrando os tempos áureos de CAVALEIRO DAS TREVAS e A ORIGEM (ou mesmo AMNÉSIA), consegue manter o interesse em três horas de idas e vindas na vida do físico que mudou o destino da geopolítica mundial. conta com participação pontual de trocentas celebridades coadjuvantes, indo de Casey Affleck a James Remar, das quais a melhor pra mim é a de Gary Oldman como o cínico presidente Truman - vivendo uma cena que realmente aconteceu.
Encabeçando esse elenco está Cillian Murphy, que deu conta do recado e de passar o conflito ético do protagonista, que Nolan polemiza acertadamente, mas tenta salvar a imagem colocando mais a culpa pela decisão na "sujeira dos políticos", desviando o foco dos cientistas, o que ele faz até de modo parcialmente convincente, mas pra mim ficou cheirinho de conivência indulgente.
Afinal, os cientistas sabiam exatamente o que estavam fazendo e não havia virgem naquela zona. O fato de ser outra pessoa que apertou o botão pra detonar centenas de milhares de vidas - num exibicionismo bélico imbecil numa guerra que em termos práticos já estava ganha - não muda o fato de que Oppenheimer e quejandos tiveram um papel fundamental - e conscientes - nesse processo. A gente deveria, supostamente "parar de se preocupar e amar a bomba" nesse âmbito da criação teórica e científica pra só responsabilizar os políticos. Será?
De todo modo, Nolan levanta umas polêmicas boas, principalmente do alinhamento político de seu protagonista. É bom em edição de som e montagem, tem elenco homogêneo (Robert Downey Jr roubando algumas cenas no final) e um clima de suspense e corrida tecnológica no melhor estilo OS ELEITOS (1983), muito embora mais adulto e polêmico que o ingênuo PRIMEIRO HOMEM com Ryan Gosling, por exemplo. O uso narrativo da música pra macetar a tensão na marra às vezes incomoda, mas o som no geral compensa ver numa sala IMAX.
Em tempo: a sessão conjunta com BARBIE serve como ótimo medidor de temperatura ideológica e geopolítica do que anda preocupando o aparelho ideológico de Estado hollywoodiano: identitarismo e polêmica ética envolvendo a bomba (afinal, a Rússia agora em guerra contra a OTAN também tem essas armas - e o sistema cultural vai ter que bater o martelo se a invenção dessas bombas pelos estadunidenses foi ou não um tiro no pé).
Barbie
3.9 1,6K Assista AgoraSÁTIRA IDENTITÁRIA
Não sejamos ingênuos: BARBIE é um fenômeno de massa calcado muito de perto na tal da "cultura woke", que é um fenômeno do identitarismo que visa, financeiramente, encher até o último centímetro quadrado dos cofres de grandes acionistas de dinheiro, com base em ressentimentos sociais (muitos deles justificados) que desviam o enfoque do proletariado da consciência de classe para essa patuscada relacionada a costumes sociais, que passa a ser "pauta de esquerda" ao invés de mais comida na mesa, menos horas de jornada de trabalho, etc.
Como fenômeno político e ideológico no aparelho ideológico de Estado do cinema de massa, é uma "jogada de pôker" do imperialismo muito parecido com o que fizeram com PANTERA NEGRA no assunto da discriminação racial, a ponto de transformar um monarca de Wakanda e literalmente amiguinho de agente da CIA no "herói" para o qual a plateia devia torcer, em contraponto com o vilão que é um negro pobre dos EUA que tem um critério político correto - mas que os produtores querem pintar como "ressentido" e que deveria gerar, por isso, uma repelência emocional no espectador ainda que o argumento dele, racional e objetivamente, fosse bom.
Também não é em vão que o "Ken rival" do filme é um asiático de traços chineses, refletindo o momento geopolítico atual. Esse tipo de sutileza a gente só pega com um olhar treinado e, sobretudo, mais consciente para as obras de arte (e de consumo, no caso), evitando ser influenciado de modo inconsciente pelos ardis delas. É um sistema que finge que preocupar demais com quem é preto, mulher, gay, travesti, cadeirante e etc na campo do simbólico representativo enquanto, no campo do direito trabalhista e político, só piora a concentração de propriedade e renda da classe trabalhadora em geral (inclusive os que são pretos, mulheres, etc).
Feita essa ressalva, que obviamente compromete o meu nível de identificação sobretudo ideológica com o live action da boneca, vamos ser justos: até que a sátira social de Greta Gerwig é divertida e dá para apreciar algumas das piadas, principalmente aquelas envolvendo o arco dramático do Ken (Ryan Gosling, descontraído) que vai para o "mundo real" descobrir que lá o funcionamento dos costumes é outro. É até uma pequena surpresa, dado o histórico ruim dos dois filmes "novela das seis" que Gerwig tinha no histórico até então, ambos do meu desagrado, principalmente LADYBIRD.
Também me agradou o tratamento estético do longa, com figurinos e principalmente cenografia muito bons e dentro da proposta narrativa da "boneca viva" feita de modo convincente por Margot Robbie, com direito a tirada de sarro (obviamente auto indulgente) com a própria Mattel na figura do empresário CEO vivido por Will Ferrell.
Chama também a atenção o nível de competência do marketing pré-lançamento, um dos mais agressivos e estrategicamente brilhantes que vi nas minhas três décadas e meia de existência! Lembrando que é um universo criado do zero, sem o "recall" dos trocentos filmes de super-herói, por exemplo.
Enfim, é um ótimo produto pra medir a temperatura da estratégia de circular a ideologia identitária de Hollywood, como era também o PANTERA NEGRA nos moldes que expliquei antes. E ainda que eu discorde daquela ideologia e entenda seus ardis, vejo valor nesse sentido. E como sátira, dá pro gasto e tem alguns momentos genuinamente engraçados.
Vá com o desconfiômetro ideológico ligado e, dadas as ressalvas a parir daí, divirta-se.
Sócrates
3.6 87 Assista AgoraFilmaço estilo irmãos Dardenne com pitada de neorrealismo italiano, revelando para o Brasil um grande diretor e um ótimo ator, que mais tarde fariam o magistral 7 PRISIONEIROS.
O drama pega toda a pirâmide de Maslow, mas corretamente enfatiza os assuntos da base. Em tempos de muito draminha emocional de adolescente, com os quais só se importa quem sempre teve muita comida na mesa e se lixa pra concentração de renda, é um sopro de ar fresco.
Legalize Já - Amizade Nunca Morre
3.7 112Biografia legalzinha estilo 8 MILE do Eminem.