Raramente atualizações de gêneros antigos funcionam tão bem. Aqui temos um filme noir (inclusive é um remake de um, Pacto de Sangue) trazido com perfeição para sua época. Com as devidas atualizações e mudanças para torná-los mais atual, claro, mas sem perder os meandros que faziam o gênero funcionar.
Isso significa que já teremos visto esta história e não haverá nada de revolucionário por aqui. Mas isto não é um problema. Porque o filme não só homenageia como moderniza o gênero enquanto já abre alas para um outro gênero que se popularizaria a partir daqui, o erotic thriller. Derivativo, mas também pioneiro, ao mesmo tempo. Uma raridade!
A história também não é nada que foge às rotinas do gênero. Casal planeja crime, coisas saem errado, crime é executado mesmo assim, algumas coisas não reveladas começam a vir à tona e vão complicando a situação até o ponto de não-retorno, etc. Até o fim já é bastante previsível bem antes de o desfecho se estabelecer. Mas isto também não é um demérito, nem de longe, porque tudo se constrói na tela de uma forma muito sólida.
Kathleen Turner está espetacular como a femme fatale irresistível. Não à toa temos aqui um personagem que basicamente construiu uma carreira. Ela simplesmente tomou a chance e aproveitou ao máximo. Não acho que esteja extremamente desenvolta e ela certamente tem trabalhos melhores após este, mas ela faz exatamente o que é necessário para o papel com precisão.
William Hurt, da mesma forma, modula muito bem esse personagem que poderia ser basicamente qualquer homem que pensa mais com a cabeça de baixo que com a cabeça de cima. Aliás, o filme é uma obra-prima para quem quer ver como um homem consegue arruinar sua vida se pensar com a cabeça errada.
O mais impressionante de tudo é que este é o trabalho de um diretor iniciante, o Lawrence Kasdan. Tudo se encaixa tão bem e o ritmo é tão bem executado que fica até difícil de acreditar. Mas o cineasta evidentemente tem talento, como provou com vários de seus filmes subsequentes e esta é uma estreia que não deixa em nada a desejar.
No fim, não tem coisa que eu odeie mais na vida que o calor infernal e o suor pegajoso típico de verões intermináveis. Mas até isto este filme conseguiu me fazer esquecer porque nunca corpos ardentes parecem tão sensuais e instigantes na tela. Para quem reclamava de "gratuidade na nudez", está aqui o exemplo perfeito de como fazer isto com classe e bom senso, sem apelar para isto pelo mero shock value.
De uma coisa tenho certeza: não é preciso suar nem um pouco para fazer uma boa escolha do que assistir se você gosta do gênero. Basta apertar o play e apreciar Corpos Ardentes.
Já dizia o ditado popular: "Quem quer festa, sua a testa". E festa era tudo que o jovem Oliver (Barry Keoghan) queria. Para escapar da vida medíocre que levava, ele é capaz de qualquer coisa. Se acompanhado do inegavelmente atraente Felix (Jacob Elordi), então...
E assim ele é atraído para todo um mundinho pantonoso. Não contra sua vontade. Ele sempre quis fazer parte daquilo, afinal. Mas não da forma como as pessoas o iriam querer ali. Não como peão. Nem como cavalo. Muito menos como bispo. Ele precisava ser o rei do tabuleiro.
E, entre muitas idas e vindas, o filme acompanha a sua jornada. Nisto, não se pode dizer que é necessariamente surpreendente. O começo meio que implica o fim sem grandes mistérios. E é o tipo de história que já se fez inúmeras vezes (O Talentoso Ripley não nos deixa mentir). Mas é tudo tão encantador e soberbo que você não consegue tirar os olhos da tela.
A fotografia e a cenografia são simplesmente incríveis. Quando não são as ações dos personagens que nos chamam atenção, definitivamente são os ambientes mostrados em tela que nos conquistam. E a trilha sonora é exemplar para casar tudo com um ritmo perfeito. Seja na escolha da canção ideal para o karaokê, seja nas trilhas incendentais, seja mesmo na canção perfeitamente escolhida para amarrar a trama no fim, as escolhas se encaixam tão perfeitamente quanto peças num quebra-cabeça.
Igualmente diria das performances. Por mais que os personagens não sejam tão bem desenvolvidos (até pelo pouco tempo de tela), não dá pra negar o carisma e a habilidade dos atores em lidarem com esses tipos extremamente excêntricos de uma forma minimamente natural. Barry Keoghan (embora talvez um pouco velho para o papel, a meu ver) cabe aqui como uma luva e Jacob Elordi idem, com sua jovialidade hipnótica.
O que me impede de achar tudo ainda melhor é saber que já foi tudo feito anteriormente. E, digo sem reservas, de forma melhor. Não que o filme não tenha seus méritos, muito pelo contrário. Mas acaba soando derivativo. E o pouco desenvolvimento de vários dos personagens faz eles parecerem um pouco unidimensionais. No fim, talvez precisasse de um enxugamento para explorar mais ângulos daqueles em que escolhesse focar. Ou talvez de mais tempo, o que só seria possível se fosse uma (minis)série, e não um filme.
E sobre as polêmicas cenas de nudismo, sexo, sadismo e afins, é impossível negar que se encaixaram perfeitamente aqui. Aliás, são até bastante elegantes, em se tratando do tema. O tema não era sexo per se. Mas é inegável que aquela era simplesmente uma das formas pelas quais o protagonista exercia o seu controle. Apenas uma das facetas mais visíveis.
Seja como for, um segundo trabalho primoroso de Emerald Fennell. Impossível deixar de destacar o talento dela para contar histórias doentias com elegância e pose. Não é apenas a mansão Saltburn que se mostra imponente aqui. Da mesma forma, a própria Emerald se mostra ainda maior após este segundo trabalho. E é uma pena que talvez não tenha o reconhecimento que merece nesta segunda rodada.
No mundo caótico em que vivemos, a muitos é dada apenas a chance de sobreviver. Seja fugindo da fome, das guerras ou da perseguição, a única meta é viver mais um dia. A outros, com suas vidas tranquilas e pacatas e seus empregos seguros, é dada a chance de realmente viver. Mas nem sempre esta chance é aproveitada.
É isto que acontece na vida do Sr. Williams (Bill Nighy). A estabilidade que sua vida acaba por lhe proporcionar o leva a um caminho sem volta para a monotonia ininterrupta. E a única notícia que consegue quebrar o ciclo interminável é o anúncio do fim.
E quantos de nós não vivemos assim? Dia após outro, simplesmente fazendo as mesmas coisas. Sem realmente agir para mudar aquilo que devemos. Dizer aquilo que necessitamos. Encorajar aqueles que precisamos. Fazer o que nós determinamos num passado muito distante para nós mesmos. Mas que acabamos por deixar tal determinação por lá. No passado remoto e já esquecido.
O filme é mais um ponto de reflexão sobre a vida em si que qualquer outra coisa. De como cada pequeno gesto pode mudar a vida de tanta gente. E a nossa também. Porque, se às vezes nos falta um propósito, ele pode vir dos lugares mais improváveis. E nos mudar para sempre.
Bill Nighy extremamente preciso na composição do personagem. Mesmo na monotonia aparente, vai da calma casada com leveza ao desespero enlaçado com quietude de forma muito certeira. O monótono simplesmente nunca teve tantas nuances quanto aqui.
Um verdadeiro wake up call para nós que, muitas vezes, agimos da mesma maneira que o Sr. Williams. Podemos não ter a mesma idade. A mesma origem. O mesmo emprego. Na verdade, pode ser que praticamente nada nas nossas vidas remeta à dele. Mas há algo do que nenhum de nós, assim como ele, jamais conseguirá fugir. E, enquanto este dia felizmente não chega, temos de nos ocupar daquilo que podemos fazer de melhor: viver.
Como um fã - e não aficionado, bom lembrar - dos trabalhos de Jane Austen, não podia deixar Austenland de fora da minha lista quando notei que o filme havia ficado disponível num dos inúmeros serviços de streaming.
Temos aqui uma transposição do modo de vida que Austen relatava em suas obras para os dias atuais da forma mais absurda possível. No limite entre demonstração de escárnio e admiração pelo legado de Austen, lá está Austenland.
Tal como na obra dela, temos uma mocinha mais atípica, os garanhões mais típicos e as viradas da vida que, no mundo real, conseguem ser ainda muito mais pujantes que na ficção. Afinal, não é a meta de todos na vida desbancar as - baixas - expectativas que os outros as vezes nos reservam?
O que faltou um pouco, pelo menos para mim, foi um pouco de mistério. Com o desenrolar da trama, já era possível ver para onde as coisas caminhavam e como cada um ali se encaixava no propósito ao qual havia sido designado.
Se podia haver expectativa de subverter a obra, esta daqui acaba por se converter em mais uma peça desta mesma obra sem o toque único deixado por aquela que a inspirou. E não que haja problema com isto. Mas acaba por se tornar apenas mais uma na lista, mesmo quando poderia ser muito mais.
Definitivamente uma premissa das mais intrigantes, personagens bastante cativantes e performances igualmente interessantes. Mas tudo parece se tornar muito mais comum quando se dobra às convenções do gênero à qual pertence.
Se comparado a um parque temático, Austenland tinha capacidade para ser Disney World, mas pareceu se contentar em ser o parquinho da esquina. E não há nada errado com isto, no fim. Afinal, é possível se divertir bastante em ambos. E aqui temos certamente diversão garantida, mas nenhuma experiência que vai marcar para sempre a sua vida.
Criar campeãs nunca é fácil. Quando você tenta fazer isto num mundo que o considera automaticamente um perdedor, então, é tarefa quase impossível. Mas, ainda assim, Richard foi à luta... E conseguiu vencer!
Ele, afinal, é o pai - e treinador - de duas das maiores tenistas de sempre. Não mediu esforços para de fato tornar as duas garotas-prodígio em sensações do esporte. Mesmo tendo tudo contra ele, como o filme não nos deixa esquecer em nenhum momento.
Como uma bela história de superação, o filme é emocionante. Mas o que nos quebra é saber que, apesar de baseado em fatos reais, muito do que de fato aconteceu é deixado de lado ou suavizado de forma a tornar o protagonista mais palatável.
Não que ele não tenha sido tratado aqui como humano. Conseguimos ver claramente suas falhas - ele é insuportável, aliás - assim como podemos ver suas qualidades (seja sua determinação, seu foco ou sua visão de longo prazo). Mas não dá pra se propor a ser uma cinebiografia realista e tratar de coisas absolutamente importantes para a vida de uma pessoa com uma ou duas linhas.
E, nisto, o filme se perde um pouco. Se era a cinebiografia do Richard, no fim parecia mais da Venus, enquanto a Serena, coitada, ficou mais que escanteada. E, aliás, a melhor cena é quando a mãe, Oracene (Aunjanue Ellis), joga na cara que todo aquele sucesso não era fruto apenas do trabalho dele. Mas também do dela. E, pelo óbvio, também das próprias garotas.
Ainda sobre este ponto, embora seja Will Smith o grande premiado, foi a Aunjanue quem conseguiu me convencer muito mais. Mesmo com muito menos espaço, a personagem dela me pareceu tão mais firme. Tão mais real. Simplesmente autêntica. Por mais que seja outra pessoa que ficou mais parecida com quem retrata em termos de caracterização, foi dela que senti a maior dose de realidade na atuação.
No fim, o filme é um drama esportivo muito bem filmado que mantém a receita de sucesso de história de superação. Mais que apenas tratar dos retratados, consegue também pincelar um pouco do todo que as rodeava constantemente - as tensões socioecômicas e, claro, raciais estão presentes em todo o filme - sem deixar que isto atrapalhe o foco na história dos personagens centrais.
Pode não ser o maior filme de todos os tempos, mas tem lá seus momentos. Se vários pontos fazem um game e alguns games fazem um set, podemos dizer que aqui se chegou lá. Mesmo que não se tenha ganhado a partida.
Títulos sempre me fascinaram. Neste caso, "Um Fascinante Novo Mundo" é um título que curiosamente consegue ser preciso enquanto também é inexato simultaneamente. Temos aqui, afinal, todo um "velho" mundo que nos é apresentado, em todas as suas dificuldades e amarguras, ao mesmo tempo em que ele era "novo" para aqueles que o exploravam.
Pessoas como Abigail (Katherine Waterson) e Tallie (Vanessa Kirby). Carregadas para aquelas circunstâncias, muitas vezes a contragosto, a elas o mundo entendia que deveria ser destinado o papel de cuidar das suas casas, das suas roupas, das suas cozinhas e, claro, dos seus maridos.
É na vontade de romper com este pacto que surge uma nova fronteira a explorar que abre, de fato, um "fascinante novo mundo": aquele em que o amor não se limita às convenções sociais impostas - e, à época, impostas com muito mais rigor - mas sim que se apresenta das mais diversas formas, inclusive das maneiras mais banais... Seja com uma preocupação com um resfriado ou com um cheiro de biscoito que nunca será esquecido.
E meu fascínio com os títulos não se encerra por aí. Porque, se na versão traduzida, a história se trata do "fascinante novo mundo" apresentado na tela, em seu título original, a obra tem um viés muito mais contemplatório: afinal, é no mundo que está por vir que aquela história terá de ser finalizada. Infelizmente.
Temos aqui um filme muito tocante e sensível, da mesma linhagem de preciosidades como "Retrato de uma Jovem em Chamas", que guarda atuações simplesmente espetaculares das duas protagonistas. É impressionante como elas conseguem transmitir tudo que precisamos saber com uns poucos olhares cirúrgicos, maneirismos certeiros e inflexões cuidadosas.
A insistência na narração foi o elemento que, por vezes, serviu para destruir a imersão criada em tela, ainda que também sirva ao seu propósito (uma das protagonistas, afinal, é uma habilidosa escritora, ainda que não reconhecida). O filme brilha muito mais quando aposta no minimalismo. Dos personagens confrontados com os seus relacionamentos complicados. Com a sociedade restritiva que os cercava. Com a natureza, por vezes cruel e por vezes maravilhosa. Com os seus passados tristes. Com os seus futuros incertos.
Seja como for, é uma pérola que certamente merece muito reconhecimento e que me animou demais para continuar a acompanhar as carreiras de todos os envolvidos aqui. Que a todos eles o mundo possa ser dado daqui para frente porque certamente o merecem.
Como passar a dar valor às coisas mais simples da vida? Às pessoas que estão à sua volta. Aos sons que você ouve. Ao ar que você respira. Ao chão no qual você caminha. "Gravidade" ensina. E ensina da pior forma possível.
Porque temos aqui um filme de suspense dos mais tensos que se pode imaginar. Cada pequeno segundo é carregado de uma tensão que simplesmente nos prende e nos mantêm atentos a cada desenvolvimento desta história extraordinária.
E o faz de uma maneira precisa e extremamente cirúrgica. Por mais que o nível de suspensão de descrença tenha de ser altíssimo em alguns momentos, o roteiro tenta nos apresentar todos esses medos indo direto ao ponto.
Sem muitas firulas, mas apenas apresentando novas situações que a todo instante instigam esse medo absurdamente primevo da morte, ao mesmo tempo em que explora algo muito recente, que é a capacidade tecnológica de colocar a vida humana em risco desta nova maneira, a história incute em cada um de nós aquele pavor que raríssimos filmes de terror conseguem reproduzir.
Muito disto graças à revolução técnica também reproduzida pela equipe na tela. Os efeitos especiais são simplesmente soberbos e eu me arrependerei para sempre de não ter visto esta obra na telona. Mas não apenas os efeitos merecem destaque: a trilha sonora, sempre tensa, também é parte essencial de toda a criação desta inquietude permanente.
Da mesma forma, a performance de Sandra Bullock como um peixe fora d'água que precisa superar adversidades imensas - tanto externa quanto internamente - também merece aplausos (e esta seria uma performance de "coroação da carreira" bem mais interessante que a que ela de fato recebeu, convenhamos).
No fim, só nos resta agradecer a Alfonso Cuarón por mais este trabalho magnífico. Este moço simplesmente não tem nenhum filme ruim! Das grandes franquias às pequenas adaptações, do drama autobiográfico ao suspense irrefreável, do mundo lúdico do universo infanto-juvenil às profundezas do próprio universo... Ele simplesmente arrasa em todos os cenários. Com ou sem gravidade!
Um filme muito agitado e simplesmente dominado por um ritmo frenético. Tal qual uma joia bruta, aqui também não temos muito refinamento à primeira vista. Mas, afinal, não é assim que a vida é? Sempre imperfeita mesmo quando tudo parece correr perfeitamente?
É este o segredo que Howard Ratner (Adam Sandler) descobre. Em seu comportamento claramento errático e pouquíssimo apropriado para praticamente todas as situações da vida em sociedade, ele sempre encontra uma nova forma de adiar um compromisso, enrolar alguém e/ou evitar uma situação potencialmente perigosa.
E, quando não consegue, aí é que está a graça da coisa: porque no cinema americano estamos sempre muito acostumados com os finais mais convencionais, sejam eles felizes ou mesmo os mais inusitados. Mas este daqui simplesmente acontece. E realmente choca e nos toma de surpresa. Tal como a vida muitas vezes faz.
Toda a vibe do filme me lembrou bastante de Domino (2005) do Tony Scott. Lá também temos o ritmo frenético que chega a dor de cabeça. A mesma mistura de realidade (pessoas reais interpretando elas mesmas) com fantasia. O mesmo estilo claro e direto tomando conta da tela. Mas aqui o resultado é ainda melhor.
Parece também uma versão oposta de Um Preço Acima dos Rubis (1998), de Boaz Yakin, que também retrata a venda de joias por judeus nova-iorquinos, com a diferença de que lá a protagonista buscava fazer o certo enquanto acabava indo pro lado errado, enquanto aqui acontece justamente o contrário.
Nesse vai-e-vem, não há como não elogiar o Adam Sandler, que está incrível no papel e merecia muito mais reconhecimento do que teve naquela temporada. Que mais trabalhos como este continuem vindo para que, quem sabe, um dia ele também possa ser prestigiado pelas grandes premiações.
No fim das contas, é mais que claro que o filme não é para todo mundo. Tal como uma joia bruta, sua imperfeição perfeita poderia muito bem ter sido lapidada e muito bem moldada para se encaixar em padrões mais convencionais. Mas aí seria a perfeição que se tornaria imperfeita.
Sabe quando o filme sequer precisa ser de terror para lhe deixar aterrorizado? É exatamente isto que "O Enfermeiro da Noite" consegue fazer com você. Porque algumas falas insidiosas mescladas com um sorriso conquistador conseguem ser muito mais aterrorizantes que qualquer fantasma em um jumpscare batido.
O terror evocado aqui é aquele do mundo real. Em que este tipo de coisa poderia acontecer com você. E quando você menos imagina. Porque é claro que sempre vão existir profissionais humanos e leves, ao mesmo tempo em que são sérios e dedicados como a enfermeira Amy (Jessica Chastain). Assim como sempre também existirão aqueles que transmitem essa sensação... mas simplesmente não o são, tal como o enfermeiro Charlie (Eddie Redmayne).
Mas, mais que nos deixar perplexos com a história deles, o filme consegue pautar aos poucos uma crítica muito mais séria: será que o sistema inteiro não falhou? Afinal, Charlie chegou muito mais longe do que jamais deveria. E isto por completa inação, especialmente dos hospitais em que trabalhou que não queriam problemas para suas imagens frente ao público. Até porque a saúde é vista como um negócio. E um negócio muito rentável, aliás.
Enquanto isto, aqueles que são responsáveis por garantir tal rentabilidade sequer conseguem ter aquilo para si próprios. Mesmo que se trate de um caso de vida e morte, é preciso esperar, esperar mais e depois esperar ainda mais um pouco. Afinal, tudo no mundo dos negócios tem prazos a serem respeitados.
Pode não ser um grande filme, até porque não tem nenhuma inovação ou nada que não já tenhamos visto, mas é um filme sóbrio e muito bem realizado. Os protagonistas (e pensar que alguém pode ter considerado Eddie Redmayne "coadjuvante" neste obra é, no mínimo, bizarro) desenvolvem performances excelentes e o roteiro entrega, acima de tudo, um senso de respeito pela história.
Porque o que mais temos visto são reconstituições sensacionalistas de casos reais, que por vezes até romantizam seus vilões e suas ações, apenas para serem mais vendáveis para um público ávido por este tipo de conteúdo. E aqui não há nada disto. Apenas uma história bem contada sob um prisma nada espetacularesco, mas sim com retidão e bom senso. Neste caso, é muito bom saber que a enfermeira não era a única coisa boa por aqui.
No mundo insólito dos fósseis, muitas coisas só podem ser vislumbradas após passarem por um olhar atento, algum senso de desprendimento, uma dose de aventura e, finalmente, muita disposição para encontrar o tesouro por dentro de camadas e camadas de rocha mais que sólida. Por mais que nós, humanos, não sejamos fósseis, por vezes também precisamos de tamanho trabalho para que dentro de nós se descubra algo especial.
E é nesta jornada que Mary Anning (Kate Winslet) se vê envolta, mesmo sem perceber, com a chegada de Charlotte Murchison (Saoirse Ronan) à sua cidade costeira. A rotina do trabalho maçante dá lugar a um frescor inesperado trazido por uma jovem que, de todas as maneiras, simplesmente não se encaixava com aquele lugar.
Mas daí surge algo que diferencia humanos das criaturas fossilizadas. Enquanto estas estão inertes para sempre, pessoas sempre podem se adaptar a todo instante: buscar novos interesses, desenvolver novas habilidades, criar novas conexões, desejar novos relacionamentos.
Mas o mundo não permite que todas as histórias se desenvolvam como as pessoas gostariam. Por mais que não sejamos fósseis, muito do que é convencionado na sociedade parece ser uma lei escrita em pedra, simplesmente imutável e implacável para aqueles que as desafiam.
E, muitas vezes, estes desafios são, na verdade, impostos por nós mesmos. Seja pelo medo da mudança repentina, pela depressão que nos aflige e nos impede de seguir em frente, ou mesmo pelo receio de perder tudo pelo que trabalhamos para viver algo que não há como ter certeza de que dará certo. Tudo faz parte da experiência humana.
Por falar em experiência humana, não há como negar o nível de entrega de todos os atores aqui. Como as protagonistas sempre são mais que elogiadas, destacaria especialmente o elenco coadjuvante, com a performance de Gemma Jones, que entrega tudo com alguns poucos olhares certeiros, e de Fiona Shaw, que traz toda uma joie de vivre única ao aparecer na tela.
Por outro lado, a estrutura é um pouco estranha, o desenvolvimento de alguns personagens um tanto truncado e, especialmente, o roteiro aponta para várias direções que poderiam render discussões importantes, mas prefere bater nas mesmas teclas... Ainda assim, a película é uma experiência interessante.
No fim, só podemos saber se iremos apreciar algo de verdade vendo por nós mesmos. Tal qual as personagens se reencontrando na cena final, cada um pode tirar suas próprias conclusões. A amonita está lá imutável. O sentido que cada um de nós dará a ela, no entanto, será sempre único e inigualável.
Desculpa, mas para mim um filme precisa de um mínimo de um enredo para funcionar. Filmar ambientes estéreis e objetos inanimados e esperar que o espectador tire daí uma experiência proveitosa com base nas teorias que cria, pelo menos no meu caso, realmente não funciona.
E olha que tempo para confabular realmente não falta. São cem minutos de contemplação do nada de ninguém em lugar nenhum. E olha que segui todos os pré-requisitos para uma boa experiência de um filme de terror: escuro, silêncio, sozinho... Nem assim funcionou.
Admiro a inventividade do diretor de tentar fazer algo diferente para uma produção de baixo orçamento, e também reconheço que tem um ou outro jumpscare interessante e que também há um momento em que parece que vai engrenar alguma coisa ali pela metade, mas o filme acaba por jogar tudo por água abaixo e retornar à fórmula desgastante e simplesmente vazia.
No fim, diria que é recomendadíssimo para pessoas com taras em paredes, carpetes, luminárias e tomadas. Para qualquer outra pessoa, recomendo assistir ao clipe de "Skinimarinki" da Xuxa no YouTube 67 vezes seguidas (tomará o mesmo tempo que assistir a este filme, acredite ou não), pois ao menos a música é divertidinha.
Imagina que loucura não deve ser escrever um roteiro para um filme centrado numa peça que será transformada em um filme cujo desfecho é apresentado dentro do próprio filme? Puro suco de confusão metalinguística... Se pá até eu me atrapalhei tentando descrever a situação?!
Mas temos aqui uma paródia de uma conhecidíssima obra e, ao mesmo tempo, de todo o gênero "quem matou?", tão execrado por uns, que o tomam como pouco criativo, mas tão venerado por outros tantos. Entre nos fazer execrar ou amar, "Veja como Eles Correm" tem mais motivos que nos fazem amar o filme, felizmente.
A começar pela produção requintada que rememora os anos 50 em Londres de uma forma soberba. Os figurinos, cenários, cabelos e maquiagem e todo o resto são todos magníficos e nos fazem babar na tela o tempo todo.
As performances, então, nem se fala. Vários atores extremamente carismáticos e firmes nas suas performances, não apenas nos papéis principais (Saoirse Ronan sempre perfeita, preciso destacar), mas também entre os coadjuvantes e nas pontas estelares (Adrien Brody conseguiu deixar esse diretor chatonildo até simpático e amei rever a maravilhosa Sian Clifford, mesmo que num papel pequeno).
A direção de Tom George, claramente inspirada nos trabalhos de Wes Anderson (ainda que longe de replicar com exatidão a fórmula dele) e Rian Johnson (quem realmente trouxe o estilo de volta à moda, embora tenha sido Kenneth Branagh quem trouxe Agatha Christie à voga mais recentemente), também vem bem a calhar para encorpar o estilo da película e funciona bem para apresentar o mistério.
E daí vem o que me impede de achar o filme perfeito: o mistério se perde ao ser apresentado tão cedo. Quando já estamos no fluxo apresentado pela obra, simplesmente sabemos como tudo vai acabar com precisão.
Na tentativa de ironizar o estilo com perfeição, simplesmente não há a "mística" presente em obras do tipo. Tudo se torna "par for the course" de uma forma que faz o filme se tornar pouco memorável. E o fato de parecer tão absurdamente um pastiche de um outro diretor (tem até colaboradores muito frequentes dele como o Adrien Brody no elenco) apenas amplifica esta sensação. Meio que as peças estão todas lá, mas o quebra-cabeça se encaixa antes da hora, sabe?
Apesar disso, continua a ser um filme gostoso. Vai direto ao ponto, não se leva a sério demais e até faz brincadeiras com o espectador (amo particularmente quando quebram a quarta barreira de uma forma tão bem encaixada), mas a previsibilidade que não foi subvertida desaponta um pouco. Neste último ponto, para realmente ser incrível, o filme realmente precisava correr, como pedia o título. Mas, na tela, parece que se contentou em andar... E tá tudo bem.
Imagina ter a vida com que aparentemente todo mundo sonha, com direito a uma carreira de modelo, viagens pelo mundo e uma bela mansão em Beverly Hills. Agora imagina só abandonar tudo isto para se tornar uma caçadora de recompensas. Foi o que Domino Harvey (Keira Knightley) fez.
Isto dito, exceto por este fato motivador, é muito difícil acreditar que 90% do que acontece neste filme é baseado em algo real. Muito pelo contrário. É tudo tão over-the-top que, tirando o básico do básico, é quase certo que praticamente tudo foi inventado para dar a luz a um roteiro de um filme de ação quase convencional que tenta ganhar alguma credibilidade extra por ser "baseado em fatos reais".
E que roteiro caótico, hein? Nas idas e vindas, a história vai se entrelaçando e se apresentando aos poucos, mas o fio da meada muitas vezes se perde pelos excessos de vai-e-vem.
Aliás, excessos que não são apenas do roteiro, mas também da direção. Na tentativa de firmar um estilo próprio, o que se tem mostra na tela é altamente confuso. Adotar um estilo marcante não é um erro. Exagerar na dose, por outro lado, é.
Pelo lado positivo, acho muito válido que não tenham feito um filme biográfico convencional. A história criada aqui é até bastante interessante e havia oportunidade para fazer críticas interessantes à cultura dos reality shows, culto às celebridades ou ao sensacionalismo da mídia, por exemplo (aliás, o formato adotado sugere bastante isto), mas tudo se perde nas extravagâncias desmedidas.
E elas estão por todo lado: dos personagens altamente caricatos que geram performances exageradas às soluções convenientes que surgem sabe-se lá de onde para qualquer absurdo inserido no roteiro para gerar shock value adicional. É tanta coisa além do limite que fica difícil crer.
No fim das contas, não é um desperdício completo. Mas, o pior de tudo, é que, pelo menos para mim, soou como um "Assassinos por Natureza" (do Oliver Stone) piorado. Na tentativa de mostrar tanto estilo próprio, com uma cinematografia mais ousada e uma edição mais frenética, é no mínimo curioso que o filme pareça um pastiche de outro com qualidade inferior.
Seja como for, uma coisa é fundamental na filosofia de vida da Domino: se ela "nunca colocou muita emoção em apenas uma coisa por ter medo da dor que viria com a perda", ela está mais que correta... Meio que já prepara o espectador para a jornada que ele terá ao assistir o filme. Sábio conselho.
Antes de tudo, quase todo mundo que conheço basicamente odeia musicais. Amigos, família... quase ninguém gosta! Então geralmente vejo filmes como este daqui sozinho. E, infelizmente, desta vez até fico feliz por não ter chamado ninguém para assistir "Annette" comigo.
E falo infelizmente porque eu realmente estava animado para finalmente assistir ao filme. Depois de tanto tempo (sabe-se lá porquê nunca disponibilizaram no Prime Video), enfim consegui consegui assistir. E me decepcionei.
É um musical muito antimusical. A esmagadora maior parte das canções nunca sai do básico. Sabe aquela coisa de rimar amor com dor? Aqui não chega nem a isso! Há canções que estão recheadas de literais repetições. Vai amor com amor e dor com dor mesmo. Os números, então, vão pelo mesmo caminho. Um ou outro sai do raso e apresenta algo mais espetacular na tela.
E a história não é particularmente interessante. OK, há uma crítica bastante incisiva no fato de crianças serem usadas como marionetes pelos seus responsáveis. Mas isto ganha centralidade apenas no fim da película.
Até lá, fica parecendo apenas uma excentricidade jogada na tela. Até porque, infelizmente, por mais que em alguns momentos o "truque" da marionete funcione muito bem, em outros realmente parece que estamos vendo um musical do Chucky - não duvido que algum executivo de Hollywood veja este filme e tenha esta ideia 'genial' - e isto não apenas distrai como acaba totalmente com a suspensão de descrença.
O filme tem performances muito competentes (especialmente da Marion Cotillard, sempre magnífica) e um ou outro número ainda conseguem chamar atenção, mas, em geral, não conseguiu me prender. E pior que aqui havia toda uma fórmula que parecia ser feita sob medida para mim: musical, temática ligeiramente controversa, Marion Cotillard...
Mas parece que veio a tormenta e o navio afundou. Ou, quem sabe, fui eu que fui jogado ao mar? Seja como for, pelo menos para mim, não rolou a tempestade perfeita. Foi só uma tempestade mesmo.
Eu amo quando o próprio título consegue evocar todo um sentimento sem qualquer pretensão. Neste caso, por já conhecer um pouco da história, "Till" (até, em português) me remeteu imediatamente a "até quando?", uma pergunta já feita um milhão de vezes no passado (e que, convenhamos, continua a ser feita no presente).
Trata-se da recriação de um episódio brutal da história do ato de violência que atingiu Emmett Till (Jalyn Hall) durante uma viagem de férias ao Mississippi segregado dos anos 50 e de como isto afetou a vida da sua mãe, Mamie (Danielle Deadwyler), e, por consequência, de toda uma nação que pôde também viver aquele drama por meio dos meios de comunicação.
Porque aqui estamos diante de um daqueles casos transformados em espetáculo pela mídia, que muitas vezes sequer tem interesse em tratar das questões envolvidas. Precisa apenas de texto para preencher colunas nos jornais, fotografias para estampar capas de revista e entrevistas para ocupar o noticiário televisivo.
O filme, por outro lado, vai na contramão da abordagem sensacionalista. Muito pelo contrário, aliás. Aqui temos uma abordagem muito sóbria de um crime tão brutal. Longe de sensacionalizar a situação, tudo é tratado com elegância e parcimônia. Mesmo nos momentos mais difíceis.
A atuação da protagonista é essencial neste sentido. Ela basicamente faz o filme acontecer. Da felicidade à tristeza, do olhar esperançoso ao semblante desesperado, da força para se manter firme à fraqueza por relembrar do que poderia ter sido e não foi... mas, principalmente, da apatia à coragem de buscar tirar algo positivo de um crime tão atroz. Ela consegue mostrar todas essas facetas com firmeza. E é mais que justo todo o reconhecimento que Danielle Deadwyler vem recebendo (e que continuará a receber, espero).
Sim, o filme tem uma montagem próxima de um melodrama. Mas simplesmente não há como contar esta história de outra forma. E, na medida do possível, é notório que tenta fugir do dramalhão extravagante e apresentar uma trama mais comedida. Nem por ser comedida, entretanto, deixa de ter grande impacto no espectador. E menos ainda deixa de ser necessária.
Para retratar os problemas de um mundo globalizado, nada mais apropriado que um drama falado em diversas línguas diferentes, passado em inúmeros locais do planeta e encenado por atores que encarnam personagens das mais diversas origens, cores, credos e, pelo óbvio, classes.
Como também é óbvio, o filme é centrado num casal de classe média alta nova-iorquino (de que outra forma o filme teria saído do papel, não é mesmo?) interpretado por Michelle Williams (sempre maravilhosa) e Gael García Bernal em seus conflitos internos durante esta jornada por este admirável mundo novo. A partir deles, é colocada em questão toda a relação entre o Norte o Sul do planeta, e como pode ser trágica a linha que divide estes dois mundos.
E, entre os temas na pauta, temos de tudo: a presença que não é aproveitada e a ausência que é sentida, mas também a pobreza de uns contrastada com a opulência de outros, e também, claro, o prazer de alguns e a exploração de tantos... Em suma, o poder de poucos e o sofrimento de muitos.
O problema é que todo esse conjunto de situações não evolui. São tantos personagens e temas diferentes que nada parece ter profundidade. Pelo contrário, depois de tanto tempo se arrastando na primeira parte, a segunda parece até querer nos manipular criando mecanicamente as situações limítrofes para forçar alguma emoção.
E nem assim conseguiu. Talvez porque nada realmente aconteceu para os personagens principais. Os dramas pelos quais eles passaram foram apenas passageiros. Então mesmo a tentativa de manipulação não chegou a emocionar de verdade.
Eu realmente queria muito que o filme tivesse um foco mais bem definido e personagens mais bem desenvolvidos. São tantas pessoas e tantas perspectivas que nada realmente me pegou de vez.
Isto não quer dizer, entretanto, que se trata de um filme ruim. Muito pelo contrário. Há uma ideia muito boa aqui. Só acho que ficou tudo no meio do caminho. A verdade nua e crua de nenhum dos problemas aqui abordados foi explorada; seja da miséria, da prostituição, do estupro, do adultério, do abandono, da exploração... E, por mais que meu coração esteja em conflito porque eu queria realmente ter gostado mais do filme, infelizmente sinto que ficou tudo pela metade.
Este é um filme que desperta sentimentos bastante conflitantes. Não só pelo que se vê em tela, mas principalmente pelo que se faz questão de dizer que deu origem a esta obra já no epílogo... Afinal, temos aqui o trabalho de uma autora judia teve sua vida tomada por aqueles que, em parte, ela mesma tentou humanizar em seu manuscrito.
Por mais que a história de "Suíte Francesa" seja triste, muito mais deprimente é saber que a vida real da sua autora foi tomada e que a obra foi esquecida por décadas e décadas a fio. Mas nem por isto deixou de carregar uma mensagem poderosa.
Afinal, se foi possível para ela visualizar o lado humano, mesmo que numa única exceção, do outro lado da linha de frente, por que para os demais isto não seria possível? Em meio às atrocidades, sempre existem exceções. Em que o ser supera o dever ser. Pois embora seja Nietzsche que seja usado em uma citação desvirtuada por um personagem, é o mundo de Kelsen que aqui é colocado de ponta-cabeça.
Mas aí que surge o problema: o filme não consegue colocar explorar questão com centralidade, deixando-a apenas subentendida. A variedade de situações exploradas por diversos personagens, de todas classes e origens, é um ponto positivo que mostra os horrores da vida doméstica (algo muitas vezes deixado de lado) durante uma guerra. Entretanto, cada uma das coisas parece muitas vezes apenas uma pincelada que se conecta às demais apenas por estar na mesma tela.
E acredito que este problema surja pela forma como "venderam" o filme. O romance que surge aqui é algo que, no fim, é apenas secundário. O que realmente interessa é explorar a humanidade das pessoas frente às situações que uma guerra impõe a elas. Mas isto não é bem um material tão vendável no circuito comercial, não é mesmo?
Não conheço a obra original, mas muito provavelmente é um dos casos em que o livro é muito superior à sua versão cinematográfica. Mas nem por isto se trata de um filme ruim. Muito pelo contrário. A reconstituição da época e as performances (especialmente do elenco feminino) são incríveis. Mas falta um "je ne sais quoi".
Talvez o fato de ter ficado no meio do caminho entre um drama de guerra e um romance, sem nunca decidir exatamente o que deveria ser, tenha atrapalhado a experiência. Ou talvez a existência de tantos personagens com pontos fulcrais na obra que não foram bem desenvolvidos ao longo da película também não tenha contribuído para me fazer realmente amar este trabalho.
O pior de tudo é saber que o fato de que as limitações do tempo podem dar a entender que algumas coisas são romantizadas ou reverenciadas (quando na verdade nem são), diante de um olhar mais ligeiro e desatento.
Seja como for, é um filme que nos deixa pensativos. Pode não ser a experiência mais arrebatadora do mundo, mas certamente tem seus momentos. Poderia ser melhor? Acredito que sim. Mas, se nem tudo pode ser uma magnífica sinfonia completa, ao menos podemos nos contentar com uma bela canção.
Adicione num liquidificador uma pitada de filme teen e misture com ficção científica, romance, comédia e um pouquinho de punk para dar um gostinho cult à coisa. Gostou? Pelo sim ou pelo não, é o que "Como Falar com Garotas em Festas" tem a oferecer.
A mistura de gêneros só não é mais viajada que o próprio desenvolvimento da história. Desde o começo, fica bem subentendido que você provavelmente não dará a mínima para os personagens apresentados. Enn (Alex Sharp) é um jovem do mundo punk que não parece ter causa real para estar ali, aparentando ser apenas um rebelde qualquer. Zan (Elle Fanning), por sua vez, é uma alienígena que não sabe nada sobre o mundo dos humanos... mas de repente sabe tudo que precisa quando é conveniente!
Para além da total falta de fluidez no desenvolvimento dos protagonistas, as situações mais estapafúrdias são apresentadas meramente pelo shock value para tentar reanimar o interesse do espectador nesta obra natimorta. Vale de tudo. De estupro a canibalismo. Com uma pitada de humor, claro. Afinal, é uma "comédia" cult.
E como podemos nos esquecer da mensagem sentimentaloide que tenta amarrar tudo às pressas, né? De repente, os seres mais evoluídos e intransigentes redescobrem todo seu modo de vida graças à ousadia de um ou outro. Bem plausível.
No fim, até tem lá seus momentos engraçadinhos, principalmente quando aposta no choque entre o modo de vida dos humanos e alienígenas, mas é tudo tão sem consistência e seguimento que nada se firma. A construção do "mundo" a ser explorado aqui é quase inexistente e os personagens, longe de parecerem reais, parecem apenas bonecos explorados pelo roteiro como marionetes para qualquer artifício chocante usado na tela.
Quer uma ficção científica bem construída com uma mensagem sentimentaloide legal lá no fundo? Então assista "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", pois "Como Falar com Garotas em Festas" passa longe de atingir este objetivo. Sequer ensina como falar com garotas em festas, quanto mais qualquer outra coisa...
Antes fosse a inocência que estivesse perdida aqui... Na tela, dá pra ver que era o filme que estava absolutamente perdido mesmo. Atira pra todos os lados e, ao mesmo tempo, consegue não acertar em precisamente nada.
É apenas uma tentativa de ser uma versão mais "sofisticada" dos dramas adolescentes tão em voga na época. Os mesmos problemas são abordados, das drogas aos relacionamentos conflituosos com os pais, das confusões na escola às más companhias que se disfarçam como amigos. Tudo é abordado por aqui. Mas tudo é tratado de uma forma tão superficial que nada gera interesse genuíno.
É impressionante como o roteiro é montado de uma forma tão mecânica e a construção na tela não é nada criativa. Até cenas com potencial para gerar algum shock value estão lá só por estar e não causam impactam nenhum (e olha que eu tô falando de cosplay da Andressa Urach aqui)... É de dar pena.
No fim das contas, talvez esta obra tenha sido tão pouco explorada por ineficiência da estreante Christina Wayne, que, pelo jeito, resolveu parar por aqui. A execução muito burocrática só atrapalhou o desenvolvimento, inclusive das performances que às vezes parecem telegrafadas, embora os atores sejam notoriamente esforçados.
Por tudo, uma experiência completamente passável em que absolutamente nada é minimamente marcante. Simplesmente uma hora e meia jogada fora acompanhando um filme sem foco, sem pontos de interesse relevantes, sem tramas memoráveis, sem performances atraentes e sem direção alguma. Basicamente perdida.
"On the Rocks" é uma expressão muito utilizada para apontar que um relacionamento está 'afundando', como acontece de fato aqui no filme: toda a história gira em torno do possível desmoronamento do casamento de Laura (Rashida Jones) e Dean (Marlon Wayans) e de todas as desventuras que se seguem quando ela comenta com o pai, Felix (Bill Murray), sobre este esmorecimento.
Mas, no fim das contas, não é apenas o casamento fictício que parece estar desmoronando. É o filme inteiro que mais parece um barco jogado à toa entre as pedras, pronto para naufragar.
Dificilmente se pode dizer que este daqui é um filme de péssima qualidade. Muito pelo contrário. A produção é de muitíssimo bom gosto, filmado a contento, tem uma edição sem rodeios e que ajuda a nos levar até o fim - o que é curioso, já que o filme não é longo, e mesmo assim consegue se tornar cansativo em alguns trechos - e atores mais que competentes... mas é tudo simplesmente, no melhor dos mundos, blasé.
O roteiro faz com que você não dê a mínima pra nenhum dos personagens e nenhuma das milhões das situações criadas de forma mecânica e absolutamente artificial aqui. E a direção é muito falha em tentar remediar o fato de que o material simplesmente não gera interesse. É simplesmente uma comédia que não diverte. E um drama que não emociona.
Para um filme focado nas atuações, aliás, muito me surpreende a aclamação gerada em torno do papel do Bill Murray. Ele está ruim em cena? Não. Mas não há nada particularmente surpreendente neste personagem em si. Que ele mesmo já interpretou, e com muito mais sucesso, em versões equivalentes antes, aliás! Aqui, soou altamente unidimensional e forçado, a meu ver. Esforçado, entretanto, assim como a Rashida. Só que o material simplesmente não colaborava.
É, definitivamente, uma bola fora da Sofia Coppola. Talvez o fato de ela estar tão envolvida na história e já conhecer todos os seus meandros a tenha feito optar por uma abordagem tão apática, extremamente "by-the-numbers". Não há nada fora do lugar, e isto muitas vezes é bom. Mas, no caso de "On the Rocks", temos apenas uma obra absolutamente esquecível.
"On the Rocks", afinal, também é uma expressão utilizada para um drinque com mais gelo. Esse daqui, talvez, tenha recebido um pouco de gelo além da conta. Simplesmente tirou o gosto da coisa. Uma pena.
Antes de tudo, já adianto que eu sou daquelas pessoas que abomina toda essa ideia tão em voga de "universos cinematográficos", com cinquenta milhões de filmes conectados que você precisa assistir para pegar cada pequena piada interna e autorreferência no roteiro.
E aqui há um vislumbre disso? Claro que há. O próprio diretor confirmou. Mas o que também há aqui é um esforço tremendo para fazer um filme absurdamente diferente do que o originou, ao mesmo tempo em que realmente reforça a base que o criou de uma forma que continuação caça-níquel nenhuma é capaz de fazer.
Enquanto "X" tinha uma pegada mais focada no thriller slasher focado no gore (o que me desapontou por considerar que precisava ter mortes muito mais memoráveis, e isso para começo de conversa), "Pearl" me pegou de jeito por ser um drama muito bem bolado.
Sim, porque mesmo tendo mortes grotescas tal qual o original, ao mesmo tempo em que tem um visual digno de um musical da era Technicolor (aliás, um baita acerto estético), o roteiro é todo de um drama. E um drama focado exclusivamente na origem da vilã do filme anterior, que finalmente a humaniza e explica de forma absurdamente clara como ela chegou a ser o que era.
E que vai além e consegue fazer isso referenciando o trabalho anterior de uma forma tão certeira que eu nem consigo explicar. Cada pequeno ponto explorado em "X" foi aqui retrabalhado quase que como um espelho, de uma forma que fica até difícil acreditar que não era este o plano desde o começo.
Nisso, o filme consegue tratar de inúmeras questões sem nem se dar conta, como todo grande filme faz. Mas principalmente dos nossos medos e demônios internos que, muitas vezes, acabam por ser revelar de formas que são irreversíveis e com cujas consequências teremos de viver para toda uma vida...
Aliás, Mia Goth é parte essencial disto. Visivelmente diferente do trabalho anterior, não apenas na aparência, mas também na abordagem, ela é a alma do filme. Porque este definitivamente não é um trabalho fácil. E qualquer atriz menos competente teria sido na melhor das hipóteses caricatural e, na pior, uma completa piada, em seu lugar. Ela dá o tom certo para nos convencer de que este conto bizarro é possível.
Ti West está de parabéns na criação desde conto de fadas deturpado em que o sonho americano é posto em xeque onde menos se espera, provando que filmes que contém conteúdo gore ou são do gênero terror (ainda que eu não concorde tanto com esta classificação) também podem trazer reflexões e conteúdo de extrema qualidade para a telona. E que venha MaXXXine!
Parece que Hollywood finalmente percebeu que a fórmula de "Corrente do Mal" poderia ser facilmente explorada num novo filme (ou, quem sabe, toda uma nova franquia?)... Aqui também temos o exato mesmo tipo de maldição que 'segue' as pessoas e é passada mesmo sem intenção de uma para a outra.
A vítima da vez é a psiquiatra Rose Cotter (Sosie Bacon), vitimada de uma hora para outra por uma paciente que havia acabado de conhecer há poucos minutos. Sua vida se torna um inferno a partir do momento em que ela presencia o suicídio da paciente e a entidade começa a persegui-la tal como fez com a jovem.
E a parte do terror psicológico é muito bem desenvolvida. A protagonista faz um trabalho incrível ao interpretar esta personagem presa entre o mundo "real" e aquilo que todos à sua volta (e pensa numa coitada cercada de gente cuzona, hein?) dizem a todo instante ser fantasia.
A performance é habilmente ajudada por uma direção sólida. Nada que inove ou traga renovação ao gênero, mas bastante competente para nos manter minimamente interessados por quase duas horas, com seus ângulos absolutamente desconfortáveis e um desenvolvimento interessante.
O que peca aqui é o texto. Depois de um tempo, a experiência fica bastante repetitiva. A ausência de uma explicação mais profunda (talvez um desenvolvimento sobre a origem da entidade ou uma aposta mais firme no background de alguns personagens) também poderia ser bastante feliz para a obra como um todo, até para evitar a ladainha infindável.
Mas preferiram partir para o caminho mais fácil de ficar mostrando uma criatura - visualmente patética, convenhamos, e cuja graça era estar "mascarada" durante todo o resto do filme - e criando plot twists visivelmente falsos a rodo para apressar o final.
No fim, o que fica é a impressão de que o trailer e todas as imagens promocionais venderam muito bem um filme que, infelizmente, não é lá essa Coca-Cola toda. Já vimos tudo isto ser feito por outros filmes de forma muito mais interessante antes (recomendo bastante o "Corrente do Mal" mencionado acima) e que as ideias usadas por estes foram apenas recicladas aqui.
Somando tudo, não posso dizer que o filme deu medo (francamente, nenhum dos jumpscares surpreende quem assiste filmes do gênero com alguma frequência), nem que o drama realmente é daqueles arrebatadores (ainda que tenha lampejos interessantes), mas ao menos também não posso dizer que este é daqueles filmes de terror tão ruins que nos fazem sorrir? Se isso já é uma vitória para você, então assista e... sorria. :)
Filmes sobre serial killers já são polêmicos por natureza. Filmes que abordam o tema envolvendo também religião, então, nem se fala, né? Desde que li a premissa de "A Mão do Diabo", entretanto, já fiquei interessado em assisti-lo justamente por isto.
Temos aqui um conto de terror sobre a história de um jovem atormentado por um pai afligido por visões apocalípticas e as consequências nefastas para a vida familiar que seguem até a vida adulta. Matthew McConaughey é o responsável por contar a história do garoto para um incrédulo agente do FBI interpretado por Powers Boothe, enquanto Bill Paxton é o responsável por dar vida ao pai da história (e "pai da película" em mais de um sentido, já que também ficou a cargo da direção).
Trata-se de um thriller à moda começo dos anos 2000 que, como qualquer filme que se preze da época, tem um plot twist digno da era coroada por obras como "O Sexto Sentido". É, no fim, um filme aterrorizante que tem toda uma construção que parece levar por um caminho, mas que, no fim das contas, descamba para outra completamente diferente... e, pasmem, consegue fazer isto sem perder o sentido!
A virada é muito bem executada, por mais que seja previsível para quem acompanha filmes do gênero a partir de determinado momento. As implicações da virada não afetaram em absolutamente nada a experiência do filme, porque ela foi bem-sucedida (e ainda teve outros twists menores que eram menos esperados em um momento ou outro por ali). Recomendadíssimo para fãs do gênero.
O Prime Video basicamente entrega um dos principais plot twists com a ferramenta de dados do IMDb, o X-Ray, e é bem possível que isto estrague a experiência para muitos. =/
Corpos Ardentes
3.7 109 Assista AgoraRaramente atualizações de gêneros antigos funcionam tão bem. Aqui temos um filme noir (inclusive é um remake de um, Pacto de Sangue) trazido com perfeição para sua época. Com as devidas atualizações e mudanças para torná-los mais atual, claro, mas sem perder os meandros que faziam o gênero funcionar.
Isso significa que já teremos visto esta história e não haverá nada de revolucionário por aqui. Mas isto não é um problema. Porque o filme não só homenageia como moderniza o gênero enquanto já abre alas para um outro gênero que se popularizaria a partir daqui, o erotic thriller. Derivativo, mas também pioneiro, ao mesmo tempo. Uma raridade!
A história também não é nada que foge às rotinas do gênero. Casal planeja crime, coisas saem errado, crime é executado mesmo assim, algumas coisas não reveladas começam a vir à tona e vão complicando a situação até o ponto de não-retorno, etc. Até o fim já é bastante previsível bem antes de o desfecho se estabelecer. Mas isto também não é um demérito, nem de longe, porque tudo se constrói na tela de uma forma muito sólida.
Kathleen Turner está espetacular como a femme fatale irresistível. Não à toa temos aqui um personagem que basicamente construiu uma carreira. Ela simplesmente tomou a chance e aproveitou ao máximo. Não acho que esteja extremamente desenvolta e ela certamente tem trabalhos melhores após este, mas ela faz exatamente o que é necessário para o papel com precisão.
William Hurt, da mesma forma, modula muito bem esse personagem que poderia ser basicamente qualquer homem que pensa mais com a cabeça de baixo que com a cabeça de cima. Aliás, o filme é uma obra-prima para quem quer ver como um homem consegue arruinar sua vida se pensar com a cabeça errada.
O mais impressionante de tudo é que este é o trabalho de um diretor iniciante, o Lawrence Kasdan. Tudo se encaixa tão bem e o ritmo é tão bem executado que fica até difícil de acreditar. Mas o cineasta evidentemente tem talento, como provou com vários de seus filmes subsequentes e esta é uma estreia que não deixa em nada a desejar.
No fim, não tem coisa que eu odeie mais na vida que o calor infernal e o suor pegajoso típico de verões intermináveis. Mas até isto este filme conseguiu me fazer esquecer porque nunca corpos ardentes parecem tão sensuais e instigantes na tela. Para quem reclamava de "gratuidade na nudez", está aqui o exemplo perfeito de como fazer isto com classe e bom senso, sem apelar para isto pelo mero shock value.
De uma coisa tenho certeza: não é preciso suar nem um pouco para fazer uma boa escolha do que assistir se você gosta do gênero. Basta apertar o play e apreciar Corpos Ardentes.
Saltburn
3.5 846Já dizia o ditado popular: "Quem quer festa, sua a testa". E festa era tudo que o jovem Oliver (Barry Keoghan) queria. Para escapar da vida medíocre que levava, ele é capaz de qualquer coisa. Se acompanhado do inegavelmente atraente Felix (Jacob Elordi), então...
E assim ele é atraído para todo um mundinho pantonoso. Não contra sua vontade. Ele sempre quis fazer parte daquilo, afinal. Mas não da forma como as pessoas o iriam querer ali. Não como peão. Nem como cavalo. Muito menos como bispo. Ele precisava ser o rei do tabuleiro.
E, entre muitas idas e vindas, o filme acompanha a sua jornada. Nisto, não se pode dizer que é necessariamente surpreendente. O começo meio que implica o fim sem grandes mistérios. E é o tipo de história que já se fez inúmeras vezes (O Talentoso Ripley não nos deixa mentir). Mas é tudo tão encantador e soberbo que você não consegue tirar os olhos da tela.
A fotografia e a cenografia são simplesmente incríveis. Quando não são as ações dos personagens que nos chamam atenção, definitivamente são os ambientes mostrados em tela que nos conquistam. E a trilha sonora é exemplar para casar tudo com um ritmo perfeito. Seja na escolha da canção ideal para o karaokê, seja nas trilhas incendentais, seja mesmo na canção perfeitamente escolhida para amarrar a trama no fim, as escolhas se encaixam tão perfeitamente quanto peças num quebra-cabeça.
Igualmente diria das performances. Por mais que os personagens não sejam tão bem desenvolvidos (até pelo pouco tempo de tela), não dá pra negar o carisma e a habilidade dos atores em lidarem com esses tipos extremamente excêntricos de uma forma minimamente natural. Barry Keoghan (embora talvez um pouco velho para o papel, a meu ver) cabe aqui como uma luva e Jacob Elordi idem, com sua jovialidade hipnótica.
O que me impede de achar tudo ainda melhor é saber que já foi tudo feito anteriormente. E, digo sem reservas, de forma melhor. Não que o filme não tenha seus méritos, muito pelo contrário. Mas acaba soando derivativo. E o pouco desenvolvimento de vários dos personagens faz eles parecerem um pouco unidimensionais. No fim, talvez precisasse de um enxugamento para explorar mais ângulos daqueles em que escolhesse focar. Ou talvez de mais tempo, o que só seria possível se fosse uma (minis)série, e não um filme.
E sobre as polêmicas cenas de nudismo, sexo, sadismo e afins, é impossível negar que se encaixaram perfeitamente aqui. Aliás, são até bastante elegantes, em se tratando do tema. O tema não era sexo per se. Mas é inegável que aquela era simplesmente uma das formas pelas quais o protagonista exercia o seu controle. Apenas uma das facetas mais visíveis.
Seja como for, um segundo trabalho primoroso de Emerald Fennell. Impossível deixar de destacar o talento dela para contar histórias doentias com elegância e pose. Não é apenas a mansão Saltburn que se mostra imponente aqui. Da mesma forma, a própria Emerald se mostra ainda maior após este segundo trabalho. E é uma pena que talvez não tenha o reconhecimento que merece nesta segunda rodada.
Viver
3.3 75No mundo caótico em que vivemos, a muitos é dada apenas a chance de sobreviver. Seja fugindo da fome, das guerras ou da perseguição, a única meta é viver mais um dia. A outros, com suas vidas tranquilas e pacatas e seus empregos seguros, é dada a chance de realmente viver. Mas nem sempre esta chance é aproveitada.
É isto que acontece na vida do Sr. Williams (Bill Nighy). A estabilidade que sua vida acaba por lhe proporcionar o leva a um caminho sem volta para a monotonia ininterrupta. E a única notícia que consegue quebrar o ciclo interminável é o anúncio do fim.
E quantos de nós não vivemos assim? Dia após outro, simplesmente fazendo as mesmas coisas. Sem realmente agir para mudar aquilo que devemos. Dizer aquilo que necessitamos. Encorajar aqueles que precisamos. Fazer o que nós determinamos num passado muito distante para nós mesmos. Mas que acabamos por deixar tal determinação por lá. No passado remoto e já esquecido.
O filme é mais um ponto de reflexão sobre a vida em si que qualquer outra coisa. De como cada pequeno gesto pode mudar a vida de tanta gente. E a nossa também. Porque, se às vezes nos falta um propósito, ele pode vir dos lugares mais improváveis. E nos mudar para sempre.
Bill Nighy extremamente preciso na composição do personagem. Mesmo na monotonia aparente, vai da calma casada com leveza ao desespero enlaçado com quietude de forma muito certeira. O monótono simplesmente nunca teve tantas nuances quanto aqui.
Um verdadeiro wake up call para nós que, muitas vezes, agimos da mesma maneira que o Sr. Williams. Podemos não ter a mesma idade. A mesma origem. O mesmo emprego. Na verdade, pode ser que praticamente nada nas nossas vidas remeta à dele. Mas há algo do que nenhum de nós, assim como ele, jamais conseguirá fugir. E, enquanto este dia felizmente não chega, temos de nos ocupar daquilo que podemos fazer de melhor: viver.
Austenland
3.4 184 Assista AgoraComo um fã - e não aficionado, bom lembrar - dos trabalhos de Jane Austen, não podia deixar Austenland de fora da minha lista quando notei que o filme havia ficado disponível num dos inúmeros serviços de streaming.
Temos aqui uma transposição do modo de vida que Austen relatava em suas obras para os dias atuais da forma mais absurda possível. No limite entre demonstração de escárnio e admiração pelo legado de Austen, lá está Austenland.
Tal como na obra dela, temos uma mocinha mais atípica, os garanhões mais típicos e as viradas da vida que, no mundo real, conseguem ser ainda muito mais pujantes que na ficção. Afinal, não é a meta de todos na vida desbancar as - baixas - expectativas que os outros as vezes nos reservam?
O que faltou um pouco, pelo menos para mim, foi um pouco de mistério. Com o desenrolar da trama, já era possível ver para onde as coisas caminhavam e como cada um ali se encaixava no propósito ao qual havia sido designado.
Se podia haver expectativa de subverter a obra, esta daqui acaba por se converter em mais uma peça desta mesma obra sem o toque único deixado por aquela que a inspirou. E não que haja problema com isto. Mas acaba por se tornar apenas mais uma na lista, mesmo quando poderia ser muito mais.
Definitivamente uma premissa das mais intrigantes, personagens bastante cativantes e performances igualmente interessantes. Mas tudo parece se tornar muito mais comum quando se dobra às convenções do gênero à qual pertence.
Se comparado a um parque temático, Austenland tinha capacidade para ser Disney World, mas pareceu se contentar em ser o parquinho da esquina. E não há nada errado com isto, no fim. Afinal, é possível se divertir bastante em ambos. E aqui temos certamente diversão garantida, mas nenhuma experiência que vai marcar para sempre a sua vida.
King Richard: Criando Campeãs
3.8 408Criar campeãs nunca é fácil. Quando você tenta fazer isto num mundo que o considera automaticamente um perdedor, então, é tarefa quase impossível. Mas, ainda assim, Richard foi à luta... E conseguiu vencer!
Ele, afinal, é o pai - e treinador - de duas das maiores tenistas de sempre. Não mediu esforços para de fato tornar as duas garotas-prodígio em sensações do esporte. Mesmo tendo tudo contra ele, como o filme não nos deixa esquecer em nenhum momento.
Como uma bela história de superação, o filme é emocionante. Mas o que nos quebra é saber que, apesar de baseado em fatos reais, muito do que de fato aconteceu é deixado de lado ou suavizado de forma a tornar o protagonista mais palatável.
Não que ele não tenha sido tratado aqui como humano. Conseguimos ver claramente suas falhas - ele é insuportável, aliás - assim como podemos ver suas qualidades (seja sua determinação, seu foco ou sua visão de longo prazo). Mas não dá pra se propor a ser uma cinebiografia realista e tratar de coisas absolutamente importantes para a vida de uma pessoa com uma ou duas linhas.
E, nisto, o filme se perde um pouco. Se era a cinebiografia do Richard, no fim parecia mais da Venus, enquanto a Serena, coitada, ficou mais que escanteada. E, aliás, a melhor cena é quando a mãe, Oracene (Aunjanue Ellis), joga na cara que todo aquele sucesso não era fruto apenas do trabalho dele. Mas também do dela. E, pelo óbvio, também das próprias garotas.
Ainda sobre este ponto, embora seja Will Smith o grande premiado, foi a Aunjanue quem conseguiu me convencer muito mais. Mesmo com muito menos espaço, a personagem dela me pareceu tão mais firme. Tão mais real. Simplesmente autêntica. Por mais que seja outra pessoa que ficou mais parecida com quem retrata em termos de caracterização, foi dela que senti a maior dose de realidade na atuação.
No fim, o filme é um drama esportivo muito bem filmado que mantém a receita de sucesso de história de superação. Mais que apenas tratar dos retratados, consegue também pincelar um pouco do todo que as rodeava constantemente - as tensões socioecômicas e, claro, raciais estão presentes em todo o filme - sem deixar que isto atrapalhe o foco na história dos personagens centrais.
Pode não ser o maior filme de todos os tempos, mas tem lá seus momentos. Se vários pontos fazem um game e alguns games fazem um set, podemos dizer que aqui se chegou lá. Mesmo que não se tenha ganhado a partida.
Um Fascinante Novo Mundo
3.5 123 Assista AgoraTítulos sempre me fascinaram. Neste caso, "Um Fascinante Novo Mundo" é um título que curiosamente consegue ser preciso enquanto também é inexato simultaneamente. Temos aqui, afinal, todo um "velho" mundo que nos é apresentado, em todas as suas dificuldades e amarguras, ao mesmo tempo em que ele era "novo" para aqueles que o exploravam.
Pessoas como Abigail (Katherine Waterson) e Tallie (Vanessa Kirby). Carregadas para aquelas circunstâncias, muitas vezes a contragosto, a elas o mundo entendia que deveria ser destinado o papel de cuidar das suas casas, das suas roupas, das suas cozinhas e, claro, dos seus maridos.
É na vontade de romper com este pacto que surge uma nova fronteira a explorar que abre, de fato, um "fascinante novo mundo": aquele em que o amor não se limita às convenções sociais impostas - e, à época, impostas com muito mais rigor - mas sim que se apresenta das mais diversas formas, inclusive das maneiras mais banais... Seja com uma preocupação com um resfriado ou com um cheiro de biscoito que nunca será esquecido.
E meu fascínio com os títulos não se encerra por aí. Porque, se na versão traduzida, a história se trata do "fascinante novo mundo" apresentado na tela, em seu título original, a obra tem um viés muito mais contemplatório: afinal, é no mundo que está por vir que aquela história terá de ser finalizada. Infelizmente.
Temos aqui um filme muito tocante e sensível, da mesma linhagem de preciosidades como "Retrato de uma Jovem em Chamas", que guarda atuações simplesmente espetaculares das duas protagonistas. É impressionante como elas conseguem transmitir tudo que precisamos saber com uns poucos olhares cirúrgicos, maneirismos certeiros e inflexões cuidadosas.
A insistência na narração foi o elemento que, por vezes, serviu para destruir a imersão criada em tela, ainda que também sirva ao seu propósito (uma das protagonistas, afinal, é uma habilidosa escritora, ainda que não reconhecida). O filme brilha muito mais quando aposta no minimalismo. Dos personagens confrontados com os seus relacionamentos complicados. Com a sociedade restritiva que os cercava. Com a natureza, por vezes cruel e por vezes maravilhosa. Com os seus passados tristes. Com os seus futuros incertos.
Seja como for, é uma pérola que certamente merece muito reconhecimento e que me animou demais para continuar a acompanhar as carreiras de todos os envolvidos aqui. Que a todos eles o mundo possa ser dado daqui para frente porque certamente o merecem.
Gravidade
3.9 5,1K Assista AgoraComo passar a dar valor às coisas mais simples da vida? Às pessoas que estão à sua volta. Aos sons que você ouve. Ao ar que você respira. Ao chão no qual você caminha. "Gravidade" ensina. E ensina da pior forma possível.
Porque temos aqui um filme de suspense dos mais tensos que se pode imaginar. Cada pequeno segundo é carregado de uma tensão que simplesmente nos prende e nos mantêm atentos a cada desenvolvimento desta história extraordinária.
E o faz de uma maneira precisa e extremamente cirúrgica. Por mais que o nível de suspensão de descrença tenha de ser altíssimo em alguns momentos, o roteiro tenta nos apresentar todos esses medos indo direto ao ponto.
Sem muitas firulas, mas apenas apresentando novas situações que a todo instante instigam esse medo absurdamente primevo da morte, ao mesmo tempo em que explora algo muito recente, que é a capacidade tecnológica de colocar a vida humana em risco desta nova maneira, a história incute em cada um de nós aquele pavor que raríssimos filmes de terror conseguem reproduzir.
Muito disto graças à revolução técnica também reproduzida pela equipe na tela. Os efeitos especiais são simplesmente soberbos e eu me arrependerei para sempre de não ter visto esta obra na telona. Mas não apenas os efeitos merecem destaque: a trilha sonora, sempre tensa, também é parte essencial de toda a criação desta inquietude permanente.
Da mesma forma, a performance de Sandra Bullock como um peixe fora d'água que precisa superar adversidades imensas - tanto externa quanto internamente - também merece aplausos (e esta seria uma performance de "coroação da carreira" bem mais interessante que a que ela de fato recebeu, convenhamos).
No fim, só nos resta agradecer a Alfonso Cuarón por mais este trabalho magnífico. Este moço simplesmente não tem nenhum filme ruim! Das grandes franquias às pequenas adaptações, do drama autobiográfico ao suspense irrefreável, do mundo lúdico do universo infanto-juvenil às profundezas do próprio universo... Ele simplesmente arrasa em todos os cenários. Com ou sem gravidade!
Joias Brutas
3.7 1,1K Assista AgoraUm filme muito agitado e simplesmente dominado por um ritmo frenético. Tal qual uma joia bruta, aqui também não temos muito refinamento à primeira vista. Mas, afinal, não é assim que a vida é? Sempre imperfeita mesmo quando tudo parece correr perfeitamente?
É este o segredo que Howard Ratner (Adam Sandler) descobre. Em seu comportamento claramento errático e pouquíssimo apropriado para praticamente todas as situações da vida em sociedade, ele sempre encontra uma nova forma de adiar um compromisso, enrolar alguém e/ou evitar uma situação potencialmente perigosa.
E, quando não consegue, aí é que está a graça da coisa: porque no cinema americano estamos sempre muito acostumados com os finais mais convencionais, sejam eles felizes ou mesmo os mais inusitados. Mas este daqui simplesmente acontece. E realmente choca e nos toma de surpresa. Tal como a vida muitas vezes faz.
Toda a vibe do filme me lembrou bastante de Domino (2005) do Tony Scott. Lá também temos o ritmo frenético que chega a dor de cabeça. A mesma mistura de realidade (pessoas reais interpretando elas mesmas) com fantasia. O mesmo estilo claro e direto tomando conta da tela. Mas aqui o resultado é ainda melhor.
Parece também uma versão oposta de Um Preço Acima dos Rubis (1998), de Boaz Yakin, que também retrata a venda de joias por judeus nova-iorquinos, com a diferença de que lá a protagonista buscava fazer o certo enquanto acabava indo pro lado errado, enquanto aqui acontece justamente o contrário.
Nesse vai-e-vem, não há como não elogiar o Adam Sandler, que está incrível no papel e merecia muito mais reconhecimento do que teve naquela temporada. Que mais trabalhos como este continuem vindo para que, quem sabe, um dia ele também possa ser prestigiado pelas grandes premiações.
No fim das contas, é mais que claro que o filme não é para todo mundo. Tal como uma joia bruta, sua imperfeição perfeita poderia muito bem ter sido lapidada e muito bem moldada para se encaixar em padrões mais convencionais. Mas aí seria a perfeição que se tornaria imperfeita.
O Enfermeiro da Noite
3.4 401 Assista AgoraSabe quando o filme sequer precisa ser de terror para lhe deixar aterrorizado? É exatamente isto que "O Enfermeiro da Noite" consegue fazer com você. Porque algumas falas insidiosas mescladas com um sorriso conquistador conseguem ser muito mais aterrorizantes que qualquer fantasma em um jumpscare batido.
O terror evocado aqui é aquele do mundo real. Em que este tipo de coisa poderia acontecer com você. E quando você menos imagina. Porque é claro que sempre vão existir profissionais humanos e leves, ao mesmo tempo em que são sérios e dedicados como a enfermeira Amy (Jessica Chastain). Assim como sempre também existirão aqueles que transmitem essa sensação... mas simplesmente não o são, tal como o enfermeiro Charlie (Eddie Redmayne).
Mas, mais que nos deixar perplexos com a história deles, o filme consegue pautar aos poucos uma crítica muito mais séria: será que o sistema inteiro não falhou? Afinal, Charlie chegou muito mais longe do que jamais deveria. E isto por completa inação, especialmente dos hospitais em que trabalhou que não queriam problemas para suas imagens frente ao público. Até porque a saúde é vista como um negócio. E um negócio muito rentável, aliás.
Enquanto isto, aqueles que são responsáveis por garantir tal rentabilidade sequer conseguem ter aquilo para si próprios. Mesmo que se trate de um caso de vida e morte, é preciso esperar, esperar mais e depois esperar ainda mais um pouco. Afinal, tudo no mundo dos negócios tem prazos a serem respeitados.
Pode não ser um grande filme, até porque não tem nenhuma inovação ou nada que não já tenhamos visto, mas é um filme sóbrio e muito bem realizado. Os protagonistas (e pensar que alguém pode ter considerado Eddie Redmayne "coadjuvante" neste obra é, no mínimo, bizarro) desenvolvem performances excelentes e o roteiro entrega, acima de tudo, um senso de respeito pela história.
Porque o que mais temos visto são reconstituições sensacionalistas de casos reais, que por vezes até romantizam seus vilões e suas ações, apenas para serem mais vendáveis para um público ávido por este tipo de conteúdo. E aqui não há nada disto. Apenas uma história bem contada sob um prisma nada espetacularesco, mas sim com retidão e bom senso. Neste caso, é muito bom saber que a enfermeira não era a única coisa boa por aqui.
Ammonite
3.6 243 Assista AgoraNo mundo insólito dos fósseis, muitas coisas só podem ser vislumbradas após passarem por um olhar atento, algum senso de desprendimento, uma dose de aventura e, finalmente, muita disposição para encontrar o tesouro por dentro de camadas e camadas de rocha mais que sólida. Por mais que nós, humanos, não sejamos fósseis, por vezes também precisamos de tamanho trabalho para que dentro de nós se descubra algo especial.
E é nesta jornada que Mary Anning (Kate Winslet) se vê envolta, mesmo sem perceber, com a chegada de Charlotte Murchison (Saoirse Ronan) à sua cidade costeira. A rotina do trabalho maçante dá lugar a um frescor inesperado trazido por uma jovem que, de todas as maneiras, simplesmente não se encaixava com aquele lugar.
Mas daí surge algo que diferencia humanos das criaturas fossilizadas. Enquanto estas estão inertes para sempre, pessoas sempre podem se adaptar a todo instante: buscar novos interesses, desenvolver novas habilidades, criar novas conexões, desejar novos relacionamentos.
Mas o mundo não permite que todas as histórias se desenvolvam como as pessoas gostariam. Por mais que não sejamos fósseis, muito do que é convencionado na sociedade parece ser uma lei escrita em pedra, simplesmente imutável e implacável para aqueles que as desafiam.
E, muitas vezes, estes desafios são, na verdade, impostos por nós mesmos. Seja pelo medo da mudança repentina, pela depressão que nos aflige e nos impede de seguir em frente, ou mesmo pelo receio de perder tudo pelo que trabalhamos para viver algo que não há como ter certeza de que dará certo. Tudo faz parte da experiência humana.
Por falar em experiência humana, não há como negar o nível de entrega de todos os atores aqui. Como as protagonistas sempre são mais que elogiadas, destacaria especialmente o elenco coadjuvante, com a performance de Gemma Jones, que entrega tudo com alguns poucos olhares certeiros, e de Fiona Shaw, que traz toda uma joie de vivre única ao aparecer na tela.
Por outro lado, a estrutura é um pouco estranha, o desenvolvimento de alguns personagens um tanto truncado e, especialmente, o roteiro aponta para várias direções que poderiam render discussões importantes, mas prefere bater nas mesmas teclas... Ainda assim, a película é uma experiência interessante.
No fim, só podemos saber se iremos apreciar algo de verdade vendo por nós mesmos. Tal qual as personagens se reencontrando na cena final, cada um pode tirar suas próprias conclusões. A amonita está lá imutável. O sentido que cada um de nós dará a ela, no entanto, será sempre único e inigualável.
Skinamarink: Canção de Ninar
2.3 231 Assista AgoraDesculpa, mas para mim um filme precisa de um mínimo de um enredo para funcionar. Filmar ambientes estéreis e objetos inanimados e esperar que o espectador tire daí uma experiência proveitosa com base nas teorias que cria, pelo menos no meu caso, realmente não funciona.
E olha que tempo para confabular realmente não falta. São cem minutos de contemplação do nada de ninguém em lugar nenhum. E olha que segui todos os pré-requisitos para uma boa experiência de um filme de terror: escuro, silêncio, sozinho... Nem assim funcionou.
Admiro a inventividade do diretor de tentar fazer algo diferente para uma produção de baixo orçamento, e também reconheço que tem um ou outro jumpscare interessante e que também há um momento em que parece que vai engrenar alguma coisa ali pela metade, mas o filme acaba por jogar tudo por água abaixo e retornar à fórmula desgastante e simplesmente vazia.
No fim, diria que é recomendadíssimo para pessoas com taras em paredes, carpetes, luminárias e tomadas. Para qualquer outra pessoa, recomendo assistir ao clipe de "Skinimarinki" da Xuxa no YouTube 67 vezes seguidas (tomará o mesmo tempo que assistir a este filme, acredite ou não), pois ao menos a música é divertidinha.
Veja Como Eles Correm
3.2 59 Assista AgoraImagina que loucura não deve ser escrever um roteiro para um filme centrado numa peça que será transformada em um filme cujo desfecho é apresentado dentro do próprio filme? Puro suco de confusão metalinguística... Se pá até eu me atrapalhei tentando descrever a situação?!
Mas temos aqui uma paródia de uma conhecidíssima obra e, ao mesmo tempo, de todo o gênero "quem matou?", tão execrado por uns, que o tomam como pouco criativo, mas tão venerado por outros tantos. Entre nos fazer execrar ou amar, "Veja como Eles Correm" tem mais motivos que nos fazem amar o filme, felizmente.
A começar pela produção requintada que rememora os anos 50 em Londres de uma forma soberba. Os figurinos, cenários, cabelos e maquiagem e todo o resto são todos magníficos e nos fazem babar na tela o tempo todo.
As performances, então, nem se fala. Vários atores extremamente carismáticos e firmes nas suas performances, não apenas nos papéis principais (Saoirse Ronan sempre perfeita, preciso destacar), mas também entre os coadjuvantes e nas pontas estelares (Adrien Brody conseguiu deixar esse diretor chatonildo até simpático e amei rever a maravilhosa Sian Clifford, mesmo que num papel pequeno).
A direção de Tom George, claramente inspirada nos trabalhos de Wes Anderson (ainda que longe de replicar com exatidão a fórmula dele) e Rian Johnson (quem realmente trouxe o estilo de volta à moda, embora tenha sido Kenneth Branagh quem trouxe Agatha Christie à voga mais recentemente), também vem bem a calhar para encorpar o estilo da película e funciona bem para apresentar o mistério.
E daí vem o que me impede de achar o filme perfeito: o mistério se perde ao ser apresentado tão cedo. Quando já estamos no fluxo apresentado pela obra, simplesmente sabemos como tudo vai acabar com precisão.
Na tentativa de ironizar o estilo com perfeição, simplesmente não há a "mística" presente em obras do tipo. Tudo se torna "par for the course" de uma forma que faz o filme se tornar pouco memorável. E o fato de parecer tão absurdamente um pastiche de um outro diretor (tem até colaboradores muito frequentes dele como o Adrien Brody no elenco) apenas amplifica esta sensação. Meio que as peças estão todas lá, mas o quebra-cabeça se encaixa antes da hora, sabe?
Apesar disso, continua a ser um filme gostoso. Vai direto ao ponto, não se leva a sério demais e até faz brincadeiras com o espectador (amo particularmente quando quebram a quarta barreira de uma forma tão bem encaixada), mas a previsibilidade que não foi subvertida desaponta um pouco. Neste último ponto, para realmente ser incrível, o filme realmente precisava correr, como pedia o título. Mas, na tela, parece que se contentou em andar... E tá tudo bem.
Domino: A Caçadora de Recompensas
3.1 182Imagina ter a vida com que aparentemente todo mundo sonha, com direito a uma carreira de modelo, viagens pelo mundo e uma bela mansão em Beverly Hills. Agora imagina só abandonar tudo isto para se tornar uma caçadora de recompensas. Foi o que Domino Harvey (Keira Knightley) fez.
Isto dito, exceto por este fato motivador, é muito difícil acreditar que 90% do que acontece neste filme é baseado em algo real. Muito pelo contrário. É tudo tão over-the-top que, tirando o básico do básico, é quase certo que praticamente tudo foi inventado para dar a luz a um roteiro de um filme de ação quase convencional que tenta ganhar alguma credibilidade extra por ser "baseado em fatos reais".
E que roteiro caótico, hein? Nas idas e vindas, a história vai se entrelaçando e se apresentando aos poucos, mas o fio da meada muitas vezes se perde pelos excessos de vai-e-vem.
Aliás, excessos que não são apenas do roteiro, mas também da direção. Na tentativa de firmar um estilo próprio, o que se tem mostra na tela é altamente confuso. Adotar um estilo marcante não é um erro. Exagerar na dose, por outro lado, é.
Pelo lado positivo, acho muito válido que não tenham feito um filme biográfico convencional. A história criada aqui é até bastante interessante e havia oportunidade para fazer críticas interessantes à cultura dos reality shows, culto às celebridades ou ao sensacionalismo da mídia, por exemplo (aliás, o formato adotado sugere bastante isto), mas tudo se perde nas extravagâncias desmedidas.
E elas estão por todo lado: dos personagens altamente caricatos que geram performances exageradas às soluções convenientes que surgem sabe-se lá de onde para qualquer absurdo inserido no roteiro para gerar shock value adicional. É tanta coisa além do limite que fica difícil crer.
No fim das contas, não é um desperdício completo. Mas, o pior de tudo, é que, pelo menos para mim, soou como um "Assassinos por Natureza" (do Oliver Stone) piorado. Na tentativa de mostrar tanto estilo próprio, com uma cinematografia mais ousada e uma edição mais frenética, é no mínimo curioso que o filme pareça um pastiche de outro com qualidade inferior.
Seja como for, uma coisa é fundamental na filosofia de vida da Domino: se ela "nunca colocou muita emoção em apenas uma coisa por ter medo da dor que viria com a perda", ela está mais que correta... Meio que já prepara o espectador para a jornada que ele terá ao assistir o filme. Sábio conselho.
Annette
3.5 118 Assista AgoraAntes de tudo, quase todo mundo que conheço basicamente odeia musicais. Amigos, família... quase ninguém gosta! Então geralmente vejo filmes como este daqui sozinho. E, infelizmente, desta vez até fico feliz por não ter chamado ninguém para assistir "Annette" comigo.
E falo infelizmente porque eu realmente estava animado para finalmente assistir ao filme. Depois de tanto tempo (sabe-se lá porquê nunca disponibilizaram no Prime Video), enfim consegui consegui assistir. E me decepcionei.
É um musical muito antimusical. A esmagadora maior parte das canções nunca sai do básico. Sabe aquela coisa de rimar amor com dor? Aqui não chega nem a isso! Há canções que estão recheadas de literais repetições. Vai amor com amor e dor com dor mesmo. Os números, então, vão pelo mesmo caminho. Um ou outro sai do raso e apresenta algo mais espetacular na tela.
E a história não é particularmente interessante. OK, há uma crítica bastante incisiva no fato de crianças serem usadas como marionetes pelos seus responsáveis. Mas isto ganha centralidade apenas no fim da película.
Até lá, fica parecendo apenas uma excentricidade jogada na tela. Até porque, infelizmente, por mais que em alguns momentos o "truque" da marionete funcione muito bem, em outros realmente parece que estamos vendo um musical do Chucky - não duvido que algum executivo de Hollywood veja este filme e tenha esta ideia 'genial' - e isto não apenas distrai como acaba totalmente com a suspensão de descrença.
O filme tem performances muito competentes (especialmente da Marion Cotillard, sempre magnífica) e um ou outro número ainda conseguem chamar atenção, mas, em geral, não conseguiu me prender. E pior que aqui havia toda uma fórmula que parecia ser feita sob medida para mim: musical, temática ligeiramente controversa, Marion Cotillard...
Mas parece que veio a tormenta e o navio afundou. Ou, quem sabe, fui eu que fui jogado ao mar? Seja como for, pelo menos para mim, não rolou a tempestade perfeita. Foi só uma tempestade mesmo.
Till: A Busca por Justiça
3.7 64 Assista AgoraEu amo quando o próprio título consegue evocar todo um sentimento sem qualquer pretensão. Neste caso, por já conhecer um pouco da história, "Till" (até, em português) me remeteu imediatamente a "até quando?", uma pergunta já feita um milhão de vezes no passado (e que, convenhamos, continua a ser feita no presente).
Trata-se da recriação de um episódio brutal da história do ato de violência que atingiu Emmett Till (Jalyn Hall) durante uma viagem de férias ao Mississippi segregado dos anos 50 e de como isto afetou a vida da sua mãe, Mamie (Danielle Deadwyler), e, por consequência, de toda uma nação que pôde também viver aquele drama por meio dos meios de comunicação.
Porque aqui estamos diante de um daqueles casos transformados em espetáculo pela mídia, que muitas vezes sequer tem interesse em tratar das questões envolvidas. Precisa apenas de texto para preencher colunas nos jornais, fotografias para estampar capas de revista e entrevistas para ocupar o noticiário televisivo.
O filme, por outro lado, vai na contramão da abordagem sensacionalista. Muito pelo contrário, aliás. Aqui temos uma abordagem muito sóbria de um crime tão brutal. Longe de sensacionalizar a situação, tudo é tratado com elegância e parcimônia. Mesmo nos momentos mais difíceis.
A atuação da protagonista é essencial neste sentido. Ela basicamente faz o filme acontecer. Da felicidade à tristeza, do olhar esperançoso ao semblante desesperado, da força para se manter firme à fraqueza por relembrar do que poderia ter sido e não foi... mas, principalmente, da apatia à coragem de buscar tirar algo positivo de um crime tão atroz. Ela consegue mostrar todas essas facetas com firmeza. E é mais que justo todo o reconhecimento que Danielle Deadwyler vem recebendo (e que continuará a receber, espero).
Sim, o filme tem uma montagem próxima de um melodrama. Mas simplesmente não há como contar esta história de outra forma. E, na medida do possível, é notório que tenta fugir do dramalhão extravagante e apresentar uma trama mais comedida. Nem por ser comedida, entretanto, deixa de ter grande impacto no espectador. E menos ainda deixa de ser necessária.
Corações em Conflito
3.3 169 Assista AgoraPara retratar os problemas de um mundo globalizado, nada mais apropriado que um drama falado em diversas línguas diferentes, passado em inúmeros locais do planeta e encenado por atores que encarnam personagens das mais diversas origens, cores, credos e, pelo óbvio, classes.
Como também é óbvio, o filme é centrado num casal de classe média alta nova-iorquino (de que outra forma o filme teria saído do papel, não é mesmo?) interpretado por Michelle Williams (sempre maravilhosa) e Gael García Bernal em seus conflitos internos durante esta jornada por este admirável mundo novo. A partir deles, é colocada em questão toda a relação entre o Norte o Sul do planeta, e como pode ser trágica a linha que divide estes dois mundos.
E, entre os temas na pauta, temos de tudo: a presença que não é aproveitada e a ausência que é sentida, mas também a pobreza de uns contrastada com a opulência de outros, e também, claro, o prazer de alguns e a exploração de tantos... Em suma, o poder de poucos e o sofrimento de muitos.
O problema é que todo esse conjunto de situações não evolui. São tantos personagens e temas diferentes que nada parece ter profundidade. Pelo contrário, depois de tanto tempo se arrastando na primeira parte, a segunda parece até querer nos manipular criando mecanicamente as situações limítrofes para forçar alguma emoção.
E nem assim conseguiu. Talvez porque nada realmente aconteceu para os personagens principais. Os dramas pelos quais eles passaram foram apenas passageiros. Então mesmo a tentativa de manipulação não chegou a emocionar de verdade.
Eu realmente queria muito que o filme tivesse um foco mais bem definido e personagens mais bem desenvolvidos. São tantas pessoas e tantas perspectivas que nada realmente me pegou de vez.
Isto não quer dizer, entretanto, que se trata de um filme ruim. Muito pelo contrário. Há uma ideia muito boa aqui. Só acho que ficou tudo no meio do caminho. A verdade nua e crua de nenhum dos problemas aqui abordados foi explorada; seja da miséria, da prostituição, do estupro, do adultério, do abandono, da exploração... E, por mais que meu coração esteja em conflito porque eu queria realmente ter gostado mais do filme, infelizmente sinto que ficou tudo pela metade.
Suite Francesa
3.6 259 Assista AgoraEste é um filme que desperta sentimentos bastante conflitantes. Não só pelo que se vê em tela, mas principalmente pelo que se faz questão de dizer que deu origem a esta obra já no epílogo... Afinal, temos aqui o trabalho de uma autora judia teve sua vida tomada por aqueles que, em parte, ela mesma tentou humanizar em seu manuscrito.
Por mais que a história de "Suíte Francesa" seja triste, muito mais deprimente é saber que a vida real da sua autora foi tomada e que a obra foi esquecida por décadas e décadas a fio. Mas nem por isto deixou de carregar uma mensagem poderosa.
Afinal, se foi possível para ela visualizar o lado humano, mesmo que numa única exceção, do outro lado da linha de frente, por que para os demais isto não seria possível? Em meio às atrocidades, sempre existem exceções. Em que o ser supera o dever ser. Pois embora seja Nietzsche que seja usado em uma citação desvirtuada por um personagem, é o mundo de Kelsen que aqui é colocado de ponta-cabeça.
Mas aí que surge o problema: o filme não consegue colocar explorar questão com centralidade, deixando-a apenas subentendida. A variedade de situações exploradas por diversos personagens, de todas classes e origens, é um ponto positivo que mostra os horrores da vida doméstica (algo muitas vezes deixado de lado) durante uma guerra. Entretanto, cada uma das coisas parece muitas vezes apenas uma pincelada que se conecta às demais apenas por estar na mesma tela.
E acredito que este problema surja pela forma como "venderam" o filme. O romance que surge aqui é algo que, no fim, é apenas secundário. O que realmente interessa é explorar a humanidade das pessoas frente às situações que uma guerra impõe a elas. Mas isto não é bem um material tão vendável no circuito comercial, não é mesmo?
Não conheço a obra original, mas muito provavelmente é um dos casos em que o livro é muito superior à sua versão cinematográfica. Mas nem por isto se trata de um filme ruim. Muito pelo contrário. A reconstituição da época e as performances (especialmente do elenco feminino) são incríveis. Mas falta um "je ne sais quoi".
Talvez o fato de ter ficado no meio do caminho entre um drama de guerra e um romance, sem nunca decidir exatamente o que deveria ser, tenha atrapalhado a experiência. Ou talvez a existência de tantos personagens com pontos fulcrais na obra que não foram bem desenvolvidos ao longo da película também não tenha contribuído para me fazer realmente amar este trabalho.
O pior de tudo é saber que o fato de que as limitações do tempo podem dar a entender que algumas coisas são romantizadas ou reverenciadas (quando na verdade nem são), diante de um olhar mais ligeiro e desatento.
Seja como for, é um filme que nos deixa pensativos. Pode não ser a experiência mais arrebatadora do mundo, mas certamente tem seus momentos. Poderia ser melhor? Acredito que sim. Mas, se nem tudo pode ser uma magnífica sinfonia completa, ao menos podemos nos contentar com uma bela canção.
Como Falar com Garotas em Festas
3.2 204 Assista AgoraAdicione num liquidificador uma pitada de filme teen e misture com ficção científica, romance, comédia e um pouquinho de punk para dar um gostinho cult à coisa. Gostou? Pelo sim ou pelo não, é o que "Como Falar com Garotas em Festas" tem a oferecer.
A mistura de gêneros só não é mais viajada que o próprio desenvolvimento da história. Desde o começo, fica bem subentendido que você provavelmente não dará a mínima para os personagens apresentados. Enn (Alex Sharp) é um jovem do mundo punk que não parece ter causa real para estar ali, aparentando ser apenas um rebelde qualquer. Zan (Elle Fanning), por sua vez, é uma alienígena que não sabe nada sobre o mundo dos humanos... mas de repente sabe tudo que precisa quando é conveniente!
Para além da total falta de fluidez no desenvolvimento dos protagonistas, as situações mais estapafúrdias são apresentadas meramente pelo shock value para tentar reanimar o interesse do espectador nesta obra natimorta. Vale de tudo. De estupro a canibalismo. Com uma pitada de humor, claro. Afinal, é uma "comédia" cult.
E como podemos nos esquecer da mensagem sentimentaloide que tenta amarrar tudo às pressas, né? De repente, os seres mais evoluídos e intransigentes redescobrem todo seu modo de vida graças à ousadia de um ou outro. Bem plausível.
No fim, até tem lá seus momentos engraçadinhos, principalmente quando aposta no choque entre o modo de vida dos humanos e alienígenas, mas é tudo tão sem consistência e seguimento que nada se firma. A construção do "mundo" a ser explorado aqui é quase inexistente e os personagens, longe de parecerem reais, parecem apenas bonecos explorados pelo roteiro como marionetes para qualquer artifício chocante usado na tela.
Quer uma ficção científica bem construída com uma mensagem sentimentaloide legal lá no fundo? Então assista "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", pois "Como Falar com Garotas em Festas" passa longe de atingir este objetivo. Sequer ensina como falar com garotas em festas, quanto mais qualquer outra coisa...
Inocência Perdida
2.3 47 Assista AgoraAntes fosse a inocência que estivesse perdida aqui... Na tela, dá pra ver que era o filme que estava absolutamente perdido mesmo. Atira pra todos os lados e, ao mesmo tempo, consegue não acertar em precisamente nada.
É apenas uma tentativa de ser uma versão mais "sofisticada" dos dramas adolescentes tão em voga na época. Os mesmos problemas são abordados, das drogas aos relacionamentos conflituosos com os pais, das confusões na escola às más companhias que se disfarçam como amigos. Tudo é abordado por aqui. Mas tudo é tratado de uma forma tão superficial que nada gera interesse genuíno.
É impressionante como o roteiro é montado de uma forma tão mecânica e a construção na tela não é nada criativa. Até cenas com potencial para gerar algum shock value estão lá só por estar e não causam impactam nenhum (e olha que eu tô falando de cosplay da Andressa Urach aqui)... É de dar pena.
No fim das contas, talvez esta obra tenha sido tão pouco explorada por ineficiência da estreante Christina Wayne, que, pelo jeito, resolveu parar por aqui. A execução muito burocrática só atrapalhou o desenvolvimento, inclusive das performances que às vezes parecem telegrafadas, embora os atores sejam notoriamente esforçados.
Por tudo, uma experiência completamente passável em que absolutamente nada é minimamente marcante. Simplesmente uma hora e meia jogada fora acompanhando um filme sem foco, sem pontos de interesse relevantes, sem tramas memoráveis, sem performances atraentes e sem direção alguma. Basicamente perdida.
On the Rocks
3.3 120"On the Rocks" é uma expressão muito utilizada para apontar que um relacionamento está 'afundando', como acontece de fato aqui no filme: toda a história gira em torno do possível desmoronamento do casamento de Laura (Rashida Jones) e Dean (Marlon Wayans) e de todas as desventuras que se seguem quando ela comenta com o pai, Felix (Bill Murray), sobre este esmorecimento.
Mas, no fim das contas, não é apenas o casamento fictício que parece estar desmoronando. É o filme inteiro que mais parece um barco jogado à toa entre as pedras, pronto para naufragar.
Dificilmente se pode dizer que este daqui é um filme de péssima qualidade. Muito pelo contrário. A produção é de muitíssimo bom gosto, filmado a contento, tem uma edição sem rodeios e que ajuda a nos levar até o fim - o que é curioso, já que o filme não é longo, e mesmo assim consegue se tornar cansativo em alguns trechos - e atores mais que competentes... mas é tudo simplesmente, no melhor dos mundos, blasé.
O roteiro faz com que você não dê a mínima pra nenhum dos personagens e nenhuma das milhões das situações criadas de forma mecânica e absolutamente artificial aqui. E a direção é muito falha em tentar remediar o fato de que o material simplesmente não gera interesse. É simplesmente uma comédia que não diverte. E um drama que não emociona.
Para um filme focado nas atuações, aliás, muito me surpreende a aclamação gerada em torno do papel do Bill Murray. Ele está ruim em cena? Não. Mas não há nada particularmente surpreendente neste personagem em si. Que ele mesmo já interpretou, e com muito mais sucesso, em versões equivalentes antes, aliás! Aqui, soou altamente unidimensional e forçado, a meu ver. Esforçado, entretanto, assim como a Rashida. Só que o material simplesmente não colaborava.
É, definitivamente, uma bola fora da Sofia Coppola. Talvez o fato de ela estar tão envolvida na história e já conhecer todos os seus meandros a tenha feito optar por uma abordagem tão apática, extremamente "by-the-numbers". Não há nada fora do lugar, e isto muitas vezes é bom. Mas, no caso de "On the Rocks", temos apenas uma obra absolutamente esquecível.
"On the Rocks", afinal, também é uma expressão utilizada para um drinque com mais gelo. Esse daqui, talvez, tenha recebido um pouco de gelo além da conta. Simplesmente tirou o gosto da coisa. Uma pena.
Ouija Warehouse
0.8 5 Assista AgoraJá vi trabalhos da segunda série mais bem elaborados que isto aqui,
Pearl
3.9 985Antes de tudo, já adianto que eu sou daquelas pessoas que abomina toda essa ideia tão em voga de "universos cinematográficos", com cinquenta milhões de filmes conectados que você precisa assistir para pegar cada pequena piada interna e autorreferência no roteiro.
E aqui há um vislumbre disso? Claro que há. O próprio diretor confirmou. Mas o que também há aqui é um esforço tremendo para fazer um filme absurdamente diferente do que o originou, ao mesmo tempo em que realmente reforça a base que o criou de uma forma que continuação caça-níquel nenhuma é capaz de fazer.
Enquanto "X" tinha uma pegada mais focada no thriller slasher focado no gore (o que me desapontou por considerar que precisava ter mortes muito mais memoráveis, e isso para começo de conversa), "Pearl" me pegou de jeito por ser um drama muito bem bolado.
Sim, porque mesmo tendo mortes grotescas tal qual o original, ao mesmo tempo em que tem um visual digno de um musical da era Technicolor (aliás, um baita acerto estético), o roteiro é todo de um drama. E um drama focado exclusivamente na origem da vilã do filme anterior, que finalmente a humaniza e explica de forma absurdamente clara como ela chegou a ser o que era.
E que vai além e consegue fazer isso referenciando o trabalho anterior de uma forma tão certeira que eu nem consigo explicar. Cada pequeno ponto explorado em "X" foi aqui retrabalhado quase que como um espelho, de uma forma que fica até difícil acreditar que não era este o plano desde o começo.
Nisso, o filme consegue tratar de inúmeras questões sem nem se dar conta, como todo grande filme faz. Mas principalmente dos nossos medos e demônios internos que, muitas vezes, acabam por ser revelar de formas que são irreversíveis e com cujas consequências teremos de viver para toda uma vida...
Aliás, Mia Goth é parte essencial disto. Visivelmente diferente do trabalho anterior, não apenas na aparência, mas também na abordagem, ela é a alma do filme. Porque este definitivamente não é um trabalho fácil. E qualquer atriz menos competente teria sido na melhor das hipóteses caricatural e, na pior, uma completa piada, em seu lugar. Ela dá o tom certo para nos convencer de que este conto bizarro é possível.
Ti West está de parabéns na criação desde conto de fadas deturpado em que o sonho americano é posto em xeque onde menos se espera, provando que filmes que contém conteúdo gore ou são do gênero terror (ainda que eu não concorde tanto com esta classificação) também podem trazer reflexões e conteúdo de extrema qualidade para a telona. E que venha MaXXXine!
Sorria
3.1 841 Assista AgoraParece que Hollywood finalmente percebeu que a fórmula de "Corrente do Mal" poderia ser facilmente explorada num novo filme (ou, quem sabe, toda uma nova franquia?)... Aqui também temos o exato mesmo tipo de maldição que 'segue' as pessoas e é passada mesmo sem intenção de uma para a outra.
A vítima da vez é a psiquiatra Rose Cotter (Sosie Bacon), vitimada de uma hora para outra por uma paciente que havia acabado de conhecer há poucos minutos. Sua vida se torna um inferno a partir do momento em que ela presencia o suicídio da paciente e a entidade começa a persegui-la tal como fez com a jovem.
E a parte do terror psicológico é muito bem desenvolvida. A protagonista faz um trabalho incrível ao interpretar esta personagem presa entre o mundo "real" e aquilo que todos à sua volta (e pensa numa coitada cercada de gente cuzona, hein?) dizem a todo instante ser fantasia.
A performance é habilmente ajudada por uma direção sólida. Nada que inove ou traga renovação ao gênero, mas bastante competente para nos manter minimamente interessados por quase duas horas, com seus ângulos absolutamente desconfortáveis e um desenvolvimento interessante.
O que peca aqui é o texto. Depois de um tempo, a experiência fica bastante repetitiva. A ausência de uma explicação mais profunda (talvez um desenvolvimento sobre a origem da entidade ou uma aposta mais firme no background de alguns personagens) também poderia ser bastante feliz para a obra como um todo, até para evitar a ladainha infindável.
Mas preferiram partir para o caminho mais fácil de ficar mostrando uma criatura - visualmente patética, convenhamos, e cuja graça era estar "mascarada" durante todo o resto do filme - e criando plot twists visivelmente falsos a rodo para apressar o final.
No fim, o que fica é a impressão de que o trailer e todas as imagens promocionais venderam muito bem um filme que, infelizmente, não é lá essa Coca-Cola toda. Já vimos tudo isto ser feito por outros filmes de forma muito mais interessante antes (recomendo bastante o "Corrente do Mal" mencionado acima) e que as ideias usadas por estes foram apenas recicladas aqui.
Somando tudo, não posso dizer que o filme deu medo (francamente, nenhum dos jumpscares surpreende quem assiste filmes do gênero com alguma frequência), nem que o drama realmente é daqueles arrebatadores (ainda que tenha lampejos interessantes), mas ao menos também não posso dizer que este é daqueles filmes de terror tão ruins que nos fazem sorrir? Se isso já é uma vitória para você, então assista e... sorria. :)
A Mão do Diabo
3.5 289Filmes sobre serial killers já são polêmicos por natureza. Filmes que abordam o tema envolvendo também religião, então, nem se fala, né? Desde que li a premissa de "A Mão do Diabo", entretanto, já fiquei interessado em assisti-lo justamente por isto.
Temos aqui um conto de terror sobre a história de um jovem atormentado por um pai afligido por visões apocalípticas e as consequências nefastas para a vida familiar que seguem até a vida adulta. Matthew McConaughey é o responsável por contar a história do garoto para um incrédulo agente do FBI interpretado por Powers Boothe, enquanto Bill Paxton é o responsável por dar vida ao pai da história (e "pai da película" em mais de um sentido, já que também ficou a cargo da direção).
Trata-se de um thriller à moda começo dos anos 2000 que, como qualquer filme que se preze da época, tem um plot twist digno da era coroada por obras como "O Sexto Sentido". É, no fim, um filme aterrorizante que tem toda uma construção que parece levar por um caminho, mas que, no fim das contas, descamba para outra completamente diferente... e, pasmem, consegue fazer isto sem perder o sentido!
A virada é muito bem executada, por mais que seja previsível para quem acompanha filmes do gênero a partir de determinado momento. As implicações da virada não afetaram em absolutamente nada a experiência do filme, porque ela foi bem-sucedida (e ainda teve outros twists menores que eram menos esperados em um momento ou outro por ali). Recomendadíssimo para fãs do gênero.
O Prime Video basicamente entrega um dos principais plot twists com a ferramenta de dados do IMDb, o X-Ray, e é bem possível que isto estrague a experiência para muitos. =/